Localizada na Diocese de São Miguel Paulista, igreja na zona leste foi construída por indígenas Guaianazes, orientados por missionários jesuítas
O ano é 1560. Nas terras de Ururaí, localizadas no que hoje se conhece como extremo da zona Leste de São Paulo, os indígenas da etnia Guaianases, junto com os padres jesuítas formaram o aldeamento de São Miguel de Ururaí, e construíram uma capela de bambu e sapé. Com o desgaste da estrutura ao longo dos anos, São José de Anchieta idealizou a construção de uma nova capela, inaugurada no local em 18 de julho de 1622. Os trabalhos foram coordenados pelo carpinteiro e bandeirante espanhol Fernão Munhoz, e realizados pelas mãos dos indígenas Guaianases, usando um material mais resistente que o anterior: a taipa de pilão, uma mistura de barro socado com palha.
Passados 400 anos da reconstrução, a Capela de São Miguel, ou “Capela dos Índios” como também é conhecida, mantém-se de pé, e graças a restauros, o último realizado entre 2006 e 2010, ajuda a contar a história da cidade e da fé na metrópole. O templo mais antigo da capital paulista é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. Atualmente, há missas todos os sábados, às 18h, além de celebrações de batizados e casamentos. Em suas dependências, existe um museu e acontecem visitas monitoradas.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DE FÉ
Em artigo publicado no jornal O SÃO PAULO, em maio de 2021, o Prof. Dr. Percival Tirapeli, artista plástico e docente em Artes Visuais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre algumas características do templo quadricentenário.
“A capela inovou nas plantas luso-brasileiras, inaugurando a colocação de um corredor único lateral ao longo da nave e um grande pórtico alpendrado sustentado por pilares. Tal modalidade de telheiro se estenderia por construções rurais até fins do século XVIII”, detalhou.
Tirapeli mencionou, também, que o templo tem pinturas dos altares em perspectiva. “Este exemplo de altar em perspectiva é único. A pintura sobrevivente em meio a tantas mudanças e restauros está sobre frágil suporte de parede de adobe que lhe dá um aspecto de simplicidade e pureza, e foi realizada por algum indígena a enfatizar o aspecto arquitetônico do altar pintado com as quatro colunas. Acima, os florais mostram os modelos retirados das talhas vazadas, à maneira da América Espanhola. As colunas mostram a videira, símbolo do Cristo ao qual devem os cristãos estar unidos. Os cachos de uva são a alegria da videira, do conhecimento por meio do vinho, e simbolizam a lembrança do sacrifício de Cristo e, portanto, da aliança do homem com Deus”, explicou.
O artista plástico recordou, ainda, que no nicho escavado na parede estão a imagem de São Miguel, à direita, e de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, à esquerda. “Dentro dos nichos, em continuidade à simbologia da videira, o resplendor da Eucaristia, como o sol da justiça, tão usado pelos jesuítas; dentro do arco, rolos de nuvens envolvem as faces do sol e da lua – elementos da natureza, da luminosidade, da união dos opostos, do dia e da noite, do masculino e do feminino. A videira está a sustentar os acontecimentos do mundo celeste; de sua seiva emana a luz do Espírito”, afirmou.
Tirapeli comentou, ainda, que na capela lateral há o altar com pinturas ornamentais do século XVIII. “Na sacristia, as pinturas se encontram nas faces de um pequeno armário incrustado na parede de taipa com desenhos florais, em tons vermelho-alaranjados, com contornos bem definidos em tonalidades escuras. Sobre um arcaz – armário para guardar os paramentos – há um oratório com amplo arco aberto e colunetas nas laterais, que sustentam o coroamento com pintura esverdeada”, prosseguiu.
DESCOBERTAS DURANTE O RESTAURO
No mais recente restauro, realizado entre 2006 e 2010 pela Diocese de São Miguel Paulista e pela Associação Cultural Beato José de Anchieta, houve a revitalização da arquitetura histórica e da estrutura de iluminação.
Também foi possível recuperar vários elementos artísticos e ornamentos que estavam escondidos ou deteriorados, como as pinturas murais feitas em taipa de pilão, que foram encontradas atrás dos altares laterais da nave principal; além de exemplares da arte jesuítica e do período colonial paulista. Ao todo, 11 imagens sacras, dos séculos XVI a XVIII, foram restauradas, entre as quais uma de São Miguel Arcanjo, feita em cerâmica e tecido engessado. Essas imagens podem ser vistas no Museu da Capela, bem como algumas ferramentas e utensílios utilizados para a construção do templo.
Quando da reabertura da capela para visitação pública, em março de 2011, Dom Manuel Parrado Carral, Bispo de São Miguel Paulista, ressaltou que todo o restauro do templo foi feito com o cuidado para que não se perdesse o sentido religioso: “Não queríamos simplesmente transformar a capela em um museu, pois o espaço religioso tem toda sua história, sua memória, sua importância cultural para o povo. E conseguimos chegar ao final com esses dois aspectos unidos: a capela é um espaço religioso, mas, ao mesmo tempo, é um espaço de visitação, em que é mostrado todo o aspecto cultural e um pouco do início da própria cidade de São Paulo. Devemos preservar a história, a memória das pessoas que construíram a capela, que por ali passaram, que viveram sua experiência com Deus e, também, a sua experiência humana e comunitária”, comentou à época.
CONHEÇA E VISITE A CAPELA DE SÃO MIGUEL
Endereço: Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, 10 (Fundos), São Miguel Paulista
Visitas monitoradas: de terça-feira a sábado, das 10h às 17h, apenas mediante agendamento
Telefones: (11) 2033-4160 ou (11) 2956-0177
E-mail: catedralsaomiguelarcanjo@hotmail.com
Conheça mais sobre a capela: https://capeladesaomiguelarcanjo.org