Tensões na Colômbia põem em risco comunidades cristãs

Ao menos dois bispos relataram sofrer ameaças de grupos extremistas que dominam áreas consideradas rotas do narcotráfico

De 2020 a 2021, deslocamentos internos motivados pela violência aumentam 181% na Colômbia (UN -OCHA)

Passados cinco anos da assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e os membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o país vive um cenário de violência e insegurança devido à atuação de dissidentes do grupo extremista, de membros do Exército de Libertação Nacional (ELN) e de guerrilhas que lutam pelo controle de áreas que se tornaram rotas para o narcotráfico.

Pessoas de baixa renda, indígenas, membros de grupos de direitos humanos e líderes religiosos estão entre os alvos das perseguições dos criminosos.

Um relatório divulgado em fevereiro pela ONG Portas Abertas reporta que líderes de igrejas e grupos cristãos que fazem oposição às atividades criminosas das Farc estão sendo vítimas de monitoramento sistemático, sequestros, ameaças, extorsões, deslocamento forçado e mortes. “Também ocorrem ataques a prédios cristãos e ameaças diretas de violência sexual e recrutamento forçado contra filhos de pastores. Essas medidas são especialmente dirigidas a cristãos que defendem os direitos humanos, pregam [a Palavra] a combatentes e civis, conduzem atividades de oração em áreas violentas e desencorajam jovens a se unir a grupos criminosos”, denuncia o documento.

CONIVÊNCIA DO EXÉRCITO COM GRUPOS PARAMILITARES

Na última semana, Dom Juan Carlos Barreto, Bispo de Quibdó e Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social da Colômbia, afirmou que sofre pressões e ameaças do Exército colombiano após ter denunciado a conivência de membros das forças públicas das regiões de Chocó e Antioquia com o Clã do Golfo, o grupo paramilitar mais poderoso do país.

Em alguns lugares, conforme disse o Bispo em uma entrevista reproduzida pelo site do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), há livre circulação de paramilitares, sem qualquer resistência do Exército. Em 21 de janeiro, Dom Juan Carlos e líderes de grupos sociais enviaram uma carta ao presidente da República, Iván Duque, na qual ratificam as denúncias e pedem que o governo as reconheça e averigue se as forças de segurança ainda mantêm o controle efetivo de territórios em Chocó e Antioquia.

O Bispo de Quibdó contou, ainda, que o Exército pediu detalhes sobre os modos, lugares e pessoas que têm feito as perseguições. Dom Juan Carlos disse, porém, que não apresentará tais informações por temer que isso colo- que ainda mais em risco aqueles que estão sendo perseguidos. Ele assegurou que os trabalhos pastorais nos territórios ameaçados estão sendo mantidos, e que a Igreja não abandonará os que mais sofrem.

DOM RÚBEN JARAMILLO: ‘CONTINUAREMOS ACOMPANHANDO O POVO’

Outro prelado que já sofreu ameaças de morte por denunciar as ações de grupos armados é Dom Rúben Darío Jaramillo, Bispo de Buenaventura, que tem sido até impedido por grupos criminosos de circular em algumas áreas de abrangência da diocese.

Em coletiva de imprensa, na quinta-feira, 17, durante a assembleia geral do episcopado colombiano, Dom Rúben lembrou que não apenas em Buenaventura, mas em toda a região do Pacífico colombiano há ameaças de morte a diferentes pessoas, bem como desaparecimentos e deslocamentos forçados.

“Nós, que estamos à frente dessas comunidades, sendo a voz daqueles que não podem denunciar, continuaremos manifestando nosso compromisso como povo de Deus. Não importa nossa vida. Prosseguiremos contribuindo para a construção da paz e ajudando a buscar novas saídas por meio do diálogo e entendimento entre todas as instituições”, enfatizou. “O Estado tem me dado garantias de segurança, mas o que me dói são os irmãos que estão nos rios, nos estuários, que estão caminhando pelas estradas e que veem afetadas as suas vi- das e os seus territórios pelas incursões de grupos à margem da lei, aos quais nós exigimos que respeitem a vida, porque a vida é sagrada, e o único que a dá é Deus”, enfatizou o Bispo de Buenaventura. No último dia 15, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários divulgou que no comparativo entre 2020 e 2021 houve aumento de 181% no deslocamento interno motivado pela violência na Colômbia. Do total de deslocados, 64% fu- giram após receberem ameaças diretas por telefone, panfletos e mensagens. Em se tratando apenas da região do Pacífico colombiano, o relatório aponta para uma “crise de proteção associada à presença de mais de cinco atores armados que disputam o controle territorial e social”.

PREOCUPAÇÃO COM AS ELEIÇÕES

Em 13 de março, os colombianos vão às urnas para eleger os novos membros do Congresso da República. Estão aptos a votar mais de 38,8 milhões de eleitores, que, em maio, também elegerão o novo presidente do país.

Recentemente, a Defensoria do Povo divulgou um alerta sobre cenários de risco durante o processo eleitoral, em especial no Departamento de Antioquia, onde atualmente 125 municípios têm a presença e influência de grupos insurgentes armados.

Na sexta-feira, 18, representantes da comunidade internacional que vivem no país, incluindo o Núncio Apostólico da Colômbia, Dom Luis Mariano Montemayor, conclamaram em um comunicado que, diante da proximidade das eleições, grupos armados declarem um cessar-fogo e que sejam respeitadas “as disposições do direito internacional humanitário para a proteção da população civil”.

Também a conferência dos bispos colombianos, em uma mensagem no dia 17, externou sua preocupação com tal cenário e exortou todos os colombianos a ajudar a construir um país melhor, onde cada vez mais haja a prática da justiça, o diálogo e a fraternidade; que se respeite a vida humana em todas as etapas e expressões, bem como a família, a liberdade de consciência e o meio ambiente; e que se abandone o caminho da intolerância e da violência, “que tanto despojo, dor e morte tem deixado”. Em setembro de 2016, após mais de meio século de conflitos entre as forças estatais e as Farc, foi firmado um acordo de paz, que entrou em vigor em dezembro daquele ano. Pelo trato, 7 mil guerrilheiros ingressaram na vida civil e as Farc entregaram as armas e se trans- formaram no partido Força Alternativa Revolucionária do Comum. Entretanto, os dissidentes extremistas mantiveram as tensões no país, tendo sido registrados até setembro de 2020 ao menos 60 massacres de civis.

Algumas tratativas do acordo não saíram do papel, como a erradicação dos cultivos de drogas ilegais – principal modo de financiamento das atividades guerrilheiras; os programas sociais para integrar mais de 6 mil rebeldes à sociedade civil; uma reforma agrária integral e políticas de reparação para as vítimas do conflito armado.

(Com informações de CEC, Celam, Portas Abertas e Agência Brasil)

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