Um problema à mesa: a alta do preço dos alimentos

Intempéries climáticas, maior demanda do mercado externo e aumentos nos custos de produção elevam o valor dos itens das refeições dos brasileiros e fazem famílias mudar hábitos

Foto: Agêncoa Brasil

Nos últimos meses, o casal Márcio André de Oliveira, 49, e Angélica, 32, pais de um menino de 11 anos e de uma menina de 6, tem percebido que a renda da família já não permite encher o carrinho de compras na ida aos “mercadinhos” próximos de onde vivem, na Vila Ré, na zona Leste da capital paulista.

“Teve muito aumento no preço do óleo, da carne, um pouco no feijão, no arroz, mas estes dois até que abaixou um pouco o preço agora. Deixamos de comprar carne bovina, e temos comido mais ovo e frango, que fazemos de vários jeitos: em filé, ao molho, cozido, pois a criançada gosta muito. Comprar carne bovina mesmo só quando consigo mais horas extras”, conta Oliveira, que é o motorista de ônibus e o único com trabalho fixo remunerado. Ele afirma, ainda, que tem ido às feiras livres perto do horário do término, para aproveitar os valores mais baratos da “xepa”.

Do outro lado da cidade, no Jardim Maracanã, na zona Noroeste, Alberto dos Anjos, 39, operador de áudio, e a esposa, Karina Souza, 36, operadora de telemarketing, também precisaram mudar hábitos alimentares. “Reduzimos a compra de carne vermelha devido ao alto preço e estamos alternando com frango e carne suína”, afirma dos Anjos.

Diante do aumento no preço dos alimentos, muitos brasileiros têm feito como estes casais, conforme detalha Márcio Milan, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras): “O primeiro movimento do consumidor é o de trocar de marcas, por isso os supermercados estão oferecendo mais marcas de um mesmo produto com mais opções de preços. Outro movimento é o de trocar as proteínas. Quando o consumidor compara o preço da carne bovina com o do frango, da carne suína com o dos ovos, ele faz a substituição da proteína”.

Impacto no bolso

Na quinta-feira, 9, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) foi de 0,87%, a maior variação para um mês de agosto desde o ano 2000 (1,31%), embora tenho sido menor que o registrado em julho (0,96%).

A maior variação (1,46%) e o maior impacto (0,31 p.p.) vieram dos Transportes. A segunda maior contribuição (0,29 p.p.) veio de Alimentação e bebidas (1,39%), que acelerou em relação ao mês anterior (0,60%). Neste item, as maiores altas foram nos preços da batata-inglesa (19,91%), do café moído (7,51%), do frango em pedaços (4,47%), das frutas (3,90%) e das carnes (0,63%).

O aumento no preço dos alimentos também foi verificado pelo indicador cesta Abras mercado, aferido nos 35 produtos mais consumidos em 325 unidades supermercadistas de diferentes regiões do País. No comparativo entre junho e julho, a alta foi de 0,98% e em relação ao ano anterior o aumento foi de 23,1%. Entre um mês e outro, as maiores elevações foram nos preços do tomate (22,88%), margarina (5,64%), queijo prato (4,93%), café (4,65%), extrato de tomate (4,49%) e açúcar (3,94%).

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em julho houve aumento no custo médio dos itens que compõem a cesta básica em 15 capitais brasileiras, e as famílias que sobrevivem com um salário mínimo comprometeram mais da metade da renda com alimentação.

Tão caro, por quê?

Foto: Beth Rosengard/Pixabay

Especialistas ouvidos pelo O SÃO PAULO apontaram para uma conjunção de fatores que explica a alta no preço de alimentos.

“Quando se soma a atual crise hídrica, as chuvas inesperadas em alguns locais nos últimos meses e o aumento constante do combustível, o preço dos itens vai aumentar. Além disso, há o preço mais alto da energia elétrica, pois alguns destes itens alimentícios precisam ser conservados [em temperaturas adequadas]. Esse somatório faz com que o produtor e o vendedor final não tenham alternativa que não seja a de aumentar os preços”, detalha Antonio Carlos Alves dos Santos, doutor em Economia pela FGV-SP e professor na FEA-USP e na PUC-SP.

O vice-presidente da Abras comenta que o aumento no preço dos combustíveis e da energia elétrica não têm um impacto imediato no valor final dos produtos nos supermercados, uma vez que muitos dos itens comercializados são os que já estavam em estoque. “Um fator que tem elevado o preço dos itens é o aumento dos valores das commodities que são usadas para a produção das proteínas animais, como é o caso do milho e a soja. Elas servem de insumos para a carne bovina, suína, das aves e dos ovos”, explica Milan.

Em geral, as commodities – a “matéria-prima” de cadeia produtiva (o milho, por exemplo, é o alimento do gado leiteiro e de corte) – são cotadas em dólar. De abril de 2020 a abril deste ano, foram registradas significativas altas no preço do milho (+84%) e da soja (+79%), conforme dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).

“Há uma escalada da inflação que se reflete nos preços dos produtos. No caso dos alimentos, as maiores pressões resultam da valorização das commodities e das geadas de julho, que afetaram principalmente a oferta de hortifrútis. Além disso, já é possível observar a influência do encarecimento das tarifas de energia elétrica com a adoção da bandeira vermelha, o que impacta toda a cadeia produtiva e se reflete na ponta do consumo”, analisa Diego Pereira, economista da Associação Paulista de Supermercados (Apas).

Márcio Milan lembra que a alta no preço dos alimentos não tem ocorrido apenas no Brasil e que há grande demanda do mercado externo: “Os governos injetaram dinheiro na economia com auxílio financeiro às famílias, e isso aqueceu o consumo. Outro movimento que identificamos é que os países que compravam do Brasil passaram a comprar ainda mais, procurando pelas commodities e por outros produtos que antes não exportávamos tanto, como foi o caso do arroz e dos ovos”.

Perspectivas e alternativas

Na avaliação de Alves dos Santos, embora seja um tema controverso, deveria haver no País uma politica de controle dos estoques de alimentos. “Se há uma boa política de administração do estoque e de preços mínimos, até para que se garanta uma renda mínima ao produtor rural, é possível administrar melhor as variações que são normais nas atividades agrícolas. No entanto, para administrar estoque é preciso ter capital disponível, e quem faz isso é o Estado, por meio de uma política pública que garanta a oferta estável de alimentos”, afirma.

Alves dos Santos aponta que, em outros países, como nos Estados Unidos, a atividade agrícola é de algum modo subsidiada, a fim de que haja garantias para a alimentação da população.  “Oferta estável de alimentos a preço adequados foi o que levou, por exemplo, à criação da União Europeia. Boa parte do orçamento da União Europeia é gasta com política agrícola”, observou, indicando haver a expectativa de queda no preço dos alimentos a partir de outubro, caso não ocorram novos reajustes nos valores do combustível e da energia elétrica nem a intensificação da crise hídrica.

Já Diego Pereira avalia que o preço internacional das commodities, principalmente milho e soja, “pressionará toda a cadeia produtiva até meados de outubro, quando a entrega das safras para a China serão concluídas. Isso poderá proporcionar um pouco de alívio para o preço interno, mas o movimento de demanda do mercado chinês continuará pressionando os preços de todas as commodities no Brasil nos próximos dois anos”.

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