Uma via expressa entre igrejas

Via-Sacra realizada em 2014 no Minhocão; por cerca de uma década, iniciativa envolveu as paróquias São Geraldo, Santa Cecília e Nossa Senhora da Consolação durante a Sexta-feira Santa (Foto: Luciney Martins /O SÃO PAULO)

Quem percorre o trajeto do Elevado Presidente João Goulart passa por três igrejas históricas de São Paulo. Para quem parte do centro da cidade, está a Igreja Nossa Senhora da Consolação; ao longo da via, é possível avistar a Igreja Santa Cecília e, na outra extremidade, em direção ao bairro da Lapa, está a matriz da Paróquia São Geraldo, em Perdizes.

Embora existam há mais de cem anos e, portanto, muito antes da construção do Minhocão, essas comunidades eclesiais tiveram suas vidas impactadas diretamente por essa via. A Paróquia São Geraldo, sem dúvida, foi a mais afetada. Antes da existência do Elevado, essa comunidade possuía uma grande participação de fiéis dos três bairros abrangidos por seu território. A construção do Minhocão, no entanto, dividiu o território da Paróquia ao meio.

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Enquanto os moradores da Barra Funda e da Água Branca ficaram do lado da matriz, os de Perdizes ficaram do outro lado da via e acabaram se aproximando mais de paróquias vizinhas como a Imaculado Coração de Maria (Capela da PUC-SP) e a Paróquia São Domingos.

Nos primeiros anos, essa via expressa funcionava todos os dias, inclusive nos fins de semana, o que dificultava o acesso dos moradores à igreja, sobretudo para as missas dominicais. “Nessa época, a Paróquia sofreu uma baixa significativa que enfraqueceu bastante a vida pastoral”, ressaltou o Cônego José Augusto Schramm Brasil, Pároco.

Com o fechamento do Elevado aos domingos e feriados, anos depois, a situação começou a mudar. Aos poucos, as pessoas, sobretudo as mais idosas, começaram a voltar a frequentar as missas na Paróquia São Geraldo.

Nos anos 2000, a Paróquia começou a realizar uma Via-Sacra na Sexta-feira Santa, que saía da matriz e seguia pelo Elevado até a Paróquia Santa Cecília, onde havia a oração de conclusão. Em algumas ocasiões, os fiéis da Paróquia Nossa Senhora da Consolação também participaram da Via-Sacra, com um grupo que saía em procissão até se encontrar com o grupo da São Geraldo, para seguirem juntos para a Santa Cecília.

Nesse único dia do ano, o barulho dos carros dava lugar aos cantos e preces dos fiéis em procissão, recordando a Paixão de Cristo. Ao longo do percurso, muitos moradores dos prédios que nos outros dias mantinham suas janelas fechadas, para diminuir o ruído e a poluição dos veículos, abriam-nas para acompanhar e participar dessa manifestação religiosa, chegando até mesmo a enfeitá-las. Aos poucos, a Via-Sacra se tornou um marco da Semana Santa naquela região.

No entanto, a iniciativa durou apenas dez anos. Cônego José Augusto explicou que a Paróquia São Geraldo começou a enfrentar dificuldades para a liberação da via para o evento por parte do poder público, o que acabou inviabilizando a continuidade da atividade religiosa.

De fato, os diferentes usos do Minhocão influenciam diretamente a vida pastoral da Paróquia São Geraldo. Durante a semana, com a via expressa em pleno funcionamento, o movimento na igreja é menor. Já aos sábados e domingos, quando o Elevado é transformado em uma área de lazer, vê-se cada vez mais a presença de famílias e jovens que se reúnem diante da igreja e, em muitos casos, procuram a Paróquia para celebrações e atendimentos. Já à noite, quando a região fica deserta, aumenta a insegurança, o que dificulta a circulação dos moradores.

Nesse sentido, o atual movimento para a transformação do Minhocão em um lugar cada vez mais voltado ao lazer traz esperança aos paroquianos. Segundo o Pároco, os fiéis se dividem entre a opinião de que o Elevado deve ser demolido ou transformado em um parque. Mas é um consenso entre eles que a circulação intensa de veículos deveria ser transferida para outro lugar. 

De todo modo, mesmo em meio aos desafios próprios de uma comunidade eclesial em um grande centro urbano, a Igreja São Geraldo continua sendo um sinal constante da presença de Deus para os milhares de motoristas que diariamente passam pelo Minhocão. Quem chega e quem sai do Elevado, ao avistar o templo, é convidado a se lembrar de Deus, fazer uma prece e, quem sabe, parar para rezar, participar da missa ou se confessar. “Hoje em dia, poucas pessoas sabem o endereço da nossa Paróquia, mas a conhecem como a ‘Igreja do fim [ou do início] do Minhocão’”, destacou o Pároco.

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