Há tempos, a manchete tem se repetido e o que muda é apenas o nome do mês: “Este foi o fevereiro mais quente da história…”. Desde junho de 2023, já são nove meses de recordes consecutivos nos históricos mensais de temperatura, conforme dados do serviço climático Copernicus, da União Europeia.
Embora o mundo ainda conviva com os impactos do aquecimento das águas do oceano Pacífico em razão do fenômeno El Niño, a comunidade científica, em sua grande maioria, acredita que o fator principal para o aumento das temperaturas no planeta é a maior concentração na atmosfera dos gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2).
Em novembro do ano passado, um relatório da Organização Meteorológica Mundial indicou que em 2022, pela primeira vez na história, as concentrações médias globais de CO2 estavam 50% acima dos níveis da era pré-industrial. Também foram verificadas altas de outros gases geradores do efeito estufa, como o metano e o óxido nitroso.
Os recentes dados mostram o quanto ainda é atual o que aponta o Papa Francisco na encíclica Laudato si’ (LS), em 2015: “Numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases de efeito de estufa (dióxido de carbono, metano, óxido de azoto e outros), emitidos sobretudo por causa da atividade humana. Concentrando-se na atmosfera, estes gases dificultam a evasão do calor que a luz do sol produz sobre a superfície da Terra. Isto é particularmente agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis, qu está no centro do sistema energético mundial” (LS 23).
Os entraves para a substituição das fontes energéticas
Com base neste diagnóstico, o Pontífice enfatiza que se tornou “urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que, nos próximos anos, a emissão de dióxido de carbono e de outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável” (LS 26). “A tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão, mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser, progressivamente e sem demora, substituída” (LS 165).
Apesar da evidente urgência de se realizar esta transição energética, ou seja, migrar de matrizes energéticas poluentes para fontes renováveis como as provenientes de hidrelétricas, de usinas eólicas e solares e por biomassa, Francisco aponta na Laudato si’ as dificuldades da comunidade internacional em chegar a um acordo que viabilize esta transição, e volta a fazer este alerta na exortação apostólica Laudate Deum (LD) – sobre a crise climática, publicada em outubro de 2023.
“Depois de algumas Conferências [do clima] com escassos resultados e a desilusão da COP25 de Madri (2019), esperava-se reverter tal inércia [sobre a transição energética] na COP26 de Glasgow (2021). Substancialmente, o seu resultado foi o relançamento do Acordo de Paris, que fora posto em discussão pelos vínculos e os efeitos da pandemia. Além disso, houve uma abundância de ‘exortações’ de que era difícil esperar um impacto real. As propostas tendentes a garantir uma transição rápida e eficaz para formas de energia alternativa e menos poluente não conseguiram fazer progressos” (LD 49).
Publicada um mês antes da realização da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em novembro e dezembro de 2023, a Laudate Deum trazia o desejo do Pontífice de que houvesse por parte das nações “uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorados de forma permanente” (LD 54). Ao final do evento, porém, o que se chegou foi a um compromisso para a “transição dos combustíveis fósseis” e não a um acordo para a eliminação progressiva do uso de petróleo, do carvão e do gás na matriz energética global.
Apesar do avanço de as grandes potências mundiais reconhecerem que os combustíveis fósseis são a causa principal do aquecimento global, a COP28 não chegou àquilo que o Papa Francisco acredita ser fundamental: “fórmulas vinculantes de transição energética que tenham três caraterísticas: eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis, a fim de se iniciar um novo processo que seja drástico, intenso e possa contar com o empenho de todos” (LD 59).
As referidas três características foram retomadas pelo Pontífice na mensagem enviada aos participantes da COP28, na qual também pediu que estas encontrem realização em quatro campos: “a eficiência energética, as fontes renováveis, a eliminação dos combustíveis fósseis e a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos”.
Esta edição do Caderno Laudato si’ – por uma ecologia integral destaca os caminhos pelos quais a transição energética tem sido debatida e sistematizadaem âmbito global e no Brasil, especialmente na indústria e nos transportes, tendo no horizonte o que recomenda o Papa em sua amplamente conhecida encíclica sobre o cuidado com a casa comum (cf. LS 180):
- Não se pode pensar em receitas uniformes, porque há problemas e limites específicos de cada país ou região;
- As medidas e tecnologias de transição devem estar acompanhadas pelo projeto e a aceitação de compromissos graduais vinculativos;
- Em nível nacional e local, é possível promover formas de poupança energética;
- Pode-se favorecer modalidades de produção industrial com a máxima eficiência energética e menor utilização de matérias-primas;
- É possível retirar do mercado produtos pouco eficazes do ponto de vista energético ou mais poluentes;
- Uma boa gestão dos transportes ajudará a reduzir o consumo energético e os níveis de poluição.
A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA consiste na substituição de fontes de energia como o petróleo, o carvão e o gás natural, que emitem grande quantidade de gases de efeito estufa (GEE), por fontes renováveis como a energia solar, eólica, hidrelétrica, biocombustíveis e hidrogênio sustentável. Envolve, ainda, uma melhor eficiência energética nos processos produtivos e uma maior responsabilidade do cidadão para que evite ou reduza o consumo de produtos com elevada “pegada de carbono”.
A PEGADA DE CARBONO é uma medida do impacto humano no meio ambiente, calculando a quantidade de gases de efeito estufa emitidos por uma pessoa, atividade, evento, empresa, organização ou governo. Em síntese, é a quantidade de CO2 liberada na atmosfera por meio das ações humanas. Leva em consideração tanto as emissões diretas, como o uso de combustíveis fósseis em carros, aviões e casas, quanto as indiretas, como o consumo de produtos e serviços que exigem energia e recursos para serem produzidos e transportados.