
Em meio à crescente cultura do descarte de seres humanos excluídos e de coisas que se convertem em lixo quando poderiam ser recicladas ou reutilizadas (cf. Laudato si’ 22 e 180), a cidade de São Paulo convive com o desafio de impulsionar a coleta de recicláveis e sua correta destinação.
Entre 2022 e 2023, a coleta seletiva feita porta a porta pelas concessionárias Loga (nas regiões Centro, Norte e Oeste) e Ecourbis (Sul e Leste) cresceu 28%, passando de 70,2 mil toneladas para 90,3 mil toneladas, conforme dados da SP Regula, a agência reguladora de serviços públicos do munícipio.
A Secretaria Municipal das Subprefeituras, por meio da Secretaria Executiva de Limpeza Urbana (Selimp), aponta que em 2024 foram coletadas 114 mil toneladas de entulho em vias públicas, e 80 mil toneladas de resíduos na Operação Cata-Bagulho (que percorre os bairros mensalmente). Também nos 129 ecopontos da cidade, houve a entrega de 315 mil toneladas de resíduos: pequenos volumes de entulho (até 1 m³), volumosos (como móveis e colchões) e recicláveis.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Mauro Haddad, diretor da SP Regula, disse que desde outubro do ano passado a capital paulista alcançou a universalização na prestação do serviço de coleta seletiva nos 96 distritos, e que saltou de 20 para 30 o número de cooperativas habilitadas a receber recicláveis, sendo o excedente destinados às centrais mecanizadas de triagem de resíduos.
“Com a renovação dos contratos em junho de 2024, o primeiro investimento que as duas concessionárias fizeram foi na universalização da coleta seletiva. Antes, em alguns locais dos distritos não havia essa coleta”, explicou Haddad.
Constatação da realidade

Apesar dos avanços nos indicadores, moradores, representantes de associações de bairro e catadores autônomos ouvidos pela reportagem (leia nas páginas a seguir) afirmam que o caminhão de coleta seletiva não passa semanalmente, como é informado nos sites da Loga (https://www.loga.com.br) e da Ecourbis (https://www.ecourbis.com.br), e que há recorrência de acúmulo de lixo comum, recicláveis e volumosos em pontos viciados de descarte irregular.
“Nos locais em que mais recentemente se iniciou a coleta de recicláveis, foi feita uma divulgação porta a porta, mas a comunicação nunca chega a 100% das pessoas. Há também o fato de que algumas saem cedo de casa e só voltam no fim da tarde, e não veem o caminhão passar. A informação dos dias e horários, porém, está disponível nos canais digitais, mas nada impede que façamos um reforço de divulgação”, afirmou Haddad, assegurando ainda que os caminhões coletores são equipados com GPS para fiscalizar o cumprimento do itinerário, e que caso o cidadão verifique falhas pode formalizar a reclamação no Serviço 156.
Em nota à reportagem, a Prefeitura de São Paulo lembrou que o descarte irregular de resíduos/lixo é crime ambiental, sujeito a multa de até R$ 25 mil e prisão. Em 2024, foram aplicadas 898 multas, totalizando quase R$ 9 milhões. No mesmo ano, a Selimp afirma ter realizado 814 ações de conscientização ambiental na cidade.
Coleta em condomínios e em ocupações
A reportagem também questionou Haddad sobre questões pontuais da operação. Uma delas refere-se à coleta de recicláveis em condomínios, pois é comum que, especialmente nos construídos há mais tempo, haja apenas um espaço para o acúmulo de lixo, e não raro são os coletores autônomos que separam os recicláveis assim que são colocados nas ruas.
“Hoje, há muitos atores em busca dos resíduos, como os coletores individuais, as cooperativas e até empresas especializadas na coleta de recicláveis. Estamos tentando entender melhor esse novo mercado para poder incrementar e melhorar a coleta. O recente contrato prevê o estudo de um novo modelo de coleta seletiva, também considerando essa questão dos condomínios”, explicou o diretor da SP Regula, detalhando que os condomínios podem, via contrato com a Prefeitura, obter um contêiner próprio para os recicláveis.
Outra situação mapeada pela reportagem refere-se à não coleta de recicláveis nas ocupações habitacionais, resultando no acúmulo de resíduos diversos na frente desses locais. “Esse morador tem muito mais dificuldade com o reciclável, porque muitas vezes está em submoradias e sem espaço para separar ou guardar o material. Temos feito coletas específicas nessas comunidades, algumas até aos domingos, principalmente de lixo comum. Fazer a coleta seletiva nelas é ainda mais desafiador, pois se colocamos um contêiner, o material não permanecerá até a Prefeitura chegar, pois haverá quem o recolha antes. Por isso, também temos buscado identificar iniciativas que peguem esse material, como as cooperativas e startups”, detalhou Mauro Haddad.
Fiscalização e conscientização

O diretor da SP Regula comentou sobre o desafio de consolidar o hábito da separação do resíduo reciclável: “Esse engajamento deve ser permanente para que as pessoas entendam que é importante separar o lixo por questões financeira, ambiental e social, pois gera emprego e renda para os catadores”.
Haddad assegurou, ainda, que as duas concessionárias que prestam serviço na cidade contam com equipes de conscientização ambiental e que a SP Regula tem feito ações conjuntas com as Secretarias de Educação e do Verde e do Meio Ambiente. “Estamos constantemente nas escolas, levando informação às crianças, para que elas a repassem em casa”, exemplificou, destacando ainda as parcerias com empresas, faculdades, entidades de bairro e igrejas para conscientizar as pessoas sobre os benefícios da coleta seletiva.