Como o aquecimento global dificulta a Ecologia Integral?

Revisões bibliográficas realizadas nos últimos 15 anos mostraram que mais de 95% dos artigos científicos publicados concordam com a afirmação de que enfrentamos, atualmente, um aquecimento global associado à atividade humana, sobretudo à queima de combustíveis fósseis. Esse quase consenso entre a comunidade científica, contudo, nem sempre se reflete na população em geral. No Brasil, numa pesquisa realizada pelo Ipec Inteligência (Mudanças Climáticas na Percepção dos Brasileiros 2021) 77% das pessoas entrevistadas acreditavam que o aquecimento global é causado principalmente pela ação humana. Nos Estados Unidos, em uma pesquisa de 2023, 58% da população acreditava que existe um aquecimento global causado (ou amplificado) pela ação humana.

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

O conhecimento científico (diversamente da fé religiosa) é construído a partir da desconfiança. O bom cientista desconfia de suas próprias afirmações. Uma teoria científica é considerada verossímil justamente por resistir às objeções que lhe são lançadas. Cientistas confiam nas teorias de sua área de atuação porque sabem como foram testadas, não só por um “sabichão”, mas por pesquisadores diferentes, muitos dos quais competem entre si por verbas e reconhecimento… A teoria do aquecimento global devido aos gases do efeito estufa não convenceu a comunidade científica por influência de alguns autores proeminentes, mas sim porque tem resistido, no inteiro do debate especializado, às objeções que lhe são lançadas.

É justo confiar na ciência?

Quando o conhecimento científico é transmitido à população em geral, dependemos da confiança. Quem já esteve na Groenlândia? Acreditamos que ela existe, no Hemisfério Norte, e que é muito fria, pela confiança de que os livros de geografia não mentem. Galileu, no século XVII, demonstrou que a aceleração da gravidade é uniforme para todos os corpos, mas nós mesmos não saberíamos como demonstrá-lo – acreditamos por confiança na ciência.

Confiamos porque constatamos que o progresso material da humanidade está associado ao desenvolvimento científico. A ciência, como um todo, é validada pelas realizações da humanidade. Cada teoria científica é validada pelas investigações feitas, independentemente, por vários cientistas e, como dito acima, por resistir, ao logo do tempo, às objeções que lhe foram feitas.

Mas o que acontece quando começamos a duvidar da transmissão da informação cientifica? A opinião pública é condicionada, em grande parte, pelas mídias. Tendemos a acreditar nas informações recebidas de comunicadores ns quais confiamos. A grande mídia orienta seu público em determinados sentidos; os influenciadores das redes sociais, que se opõem à mídia tradicional, fazem a mesma coisa, apontando para o lado oposto. Acreditar cegamente em um lado ou em outro levará, inevitavelmente, à desinformação e à manipulação. Nas questões polêmicas, precisamos de informações que vêm tanto de uma posição quanto de outra, para, dentro do possível, discernir sobre a mais verdadeira – com base nos dados reais e não em nossa simpatia por uma das posições.

Essa dúvida sistemática, naquilo que depende da ciência ou de posicionamentos particulares, não é relativismo. Significa questionar o que não é garantido, para ganhar ainda mais convicção naquilo que é garantido (e os cristão sabem que só o amor do Pai, e aquilo que Dele brota, é garantido).

Vatican Media

A Igreja diante do aquecimento global

“A abertura atenta e constante às ciências faz com que a Doutrina Social da Igreja adquira competência, concretude e atualidade” (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 78; Centesimus annus, CA 54). Deve-se reconhecer e respeitar os métodos próprios de cada ciência (cf. DSI 45, Gaudium et spes, GS 28). A Igreja reconhece que a ciência é o instrumento mais adequado, em nosso tempo para compreender a realidade. O cientificismo erra não ao orientar-se pela ciência, mas sim ao usar a ciência para justificar posicionamentos éticos e políticos que transcendem em muito os limites, reconhecidos inclusive pelos cientistas e filósofos mais rigorosos, da ciência. 

Com essa orientação, a Igreja acolhe as indicações mais consensuais entre a comunidade científica e, no caso de situações polêmicas, adota o princípio da precaução (CDSI 469). Com esse espírito, já em 2007, no pontificado de Bento XVI, o Vaticano – reconhecendo na prática a influência dos gases causadores do efeito estufa no aquecimento global – se propôs a ser o primeiro Estado a zerar suas emissões de carbono. 

Nessa perspectiva, o apelo do Papa Francisco, que ressoa na Ecologia Integral (cf. Laudato si’, LS 23-25, 165-166; e Laudate Deum, LD 5-7, 11-14, 54-55) por um compromisso global em prol de uma transição energética que utilize fontes “limpas”, para minimizar o aquecimento global, torna-se até mesmo óbvio e imperativo.

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