
Em todo o mundo, muitas cidades convivem com o dilema de como preservar e aumentar a biodiversidade da fauna e flora local em meio à crescente expansão urbana.
Essa preocupação também é expressa pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si’: “As estradas, os novos cultivos, as reservas, as barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e, por vezes, fragmentam-nos de tal maneira que as populações de animais já não podem migrar nem mover-se livremente, pelo que algumas espécies correm o risco de extinção. Existem alternativas que, pelo menos, mitigam o impacto destas obras, como a criação de corredores biológicos” (LS 35).
Em linhas gerais, os corredores biológicos, também chamados de corredores ecológicos, interligam diferentes áreas fragmentadas de um ecossistema, ajudando a recuperar parte das características de sua vegetação original e proporcionando o melhor deslocamento da fauna.
Os corredores na capital paulista
Em São Paulo, o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, de 2017, mapeou três corredores ecológicos deste bioma – Sul, Leste e Norte. Além disso, a Prefeitura tem realizado a instalação de corredores verdes – previstos no Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Planpavel), de 2022 – para conectar parques, praças e espaços livres vegetados em áreas públicas ou privadas.
“Um corredor verde permite conectar fragmentos de mata, e olhamos mais para as conexões que são possíveis entre parques e praças. Já os corredores ecológicos no município de São Paulo têm uma função mais voltada aos remanescentes da Mata Atlântica”, explicou ao O SÃO PAULO Rosélia Mikie Ikeda, coordenadora de Planejamento Ambiental da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA).
Como começa um corredor verde?
Conforme detalha o Planpavel, os corredores verdes são pensados “a partir do plantio de espécies de porte arbóreo, visando à ligação entre o mosaico de áreas verdes que compõem a paisagem”, também considerando “aspectos como a diversidade das formas de vida vegetal e dos elementos da infraestrutura urbana”, a fim de “garantir a conexão e seu uso pela fauna silvestre”.
Áreas próximas a linhões de energia, trilhos de trem e metrô, ciclovias, calçadas e canteiros de avenidas e ruas são locais mais fáceis para a instalação desse corredores, também pelo fato de serem terrenos de posse do poder público, o que facilita os trâmites burocráticos.
A coordenadora de Planejamento Ambiental da SVMA destacou que é fundamental que haja engajamento da população para que se instale um corredor, como ocorreu com o Corredor Verde do Butantã (foto acima). Também disse que a Secretaria tem firmado termos de cooperação com as subprefeituras para realizar as pequenas intervenções necessárias, além de fornecer as mudas e a orientação técnica para a implantação dos corredores.
O desafio de mantê-los
Rosélia comentou que a falta de uma legislação específica para os corredores ecológicos e verdes é uma preocupação, pois o Planpavel se trata de uma resolução do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades), sobre a qual outras leis se sobrepõem em casos de judicialização, além de estar suscetível à descontinuidade em uma eventual troca da gestão municipal.
Outros aspectos desafiadores, segundo Rosélia, são o de fazer com que as pessoas visualizem que a junção de praça, viário, parques e canteiros, ainda que pareçam desconexos, forma um corredor verde; e de que também entendam que a fauna silvestre precisa de tempo para se acostumar ao uso dos corredores: “Quando foi feito o trecho Sul do Rodoanel, por exemplo, houve o corte de fragmentos da Mata Atlântica e foram construídas várias passagens subterrâneas, túneis para a fauna passar. Somente depois de 10 anos, 15 anos, a fauna começou a utilizá-las”.
Ela destacou algumas estratégias que estão sendo adotadas pela SVMA como os “Caminhos Reservados à Fauna” nos três corredores ecológicos de Mata Atlântica, para que neles se mantenha uma faixa mínima de 100 metros de largura para o trânsito seguro da fauna; além da criação de parques municipais que sejam parte dos corredores verdes.
Inúmeros benefícios
Com a fauna transitando de modo mais seguro pelos corredores, também o processo de polinização das áreas verdes é favorecido.
“A maioria das plantas depende dos agentes polinizadores para sua reprodução sexuada. A dispersão de sementes, especialmente a realizada pelos animais, determina a diversidade, abundância e distribuição espacial de bancos de sementes favoráveis à construção da comunidade de plantas”, lê-se no Planpavel.
“A fauna silvestre têm uma função importantíssima na cidade, pois é ela quem faz com que toda a floresta e todo o bioma sobrevivam. Além disso, ajuda a mata a se regenerar sozinha e, assim, o poder público gastará menos recursos para manter as florestas”, detalhou Rosélia.
“Entre os outros benefícios dos corredores verdes está o de manter a boa qualidade do ar e de temperatura. E há toda uma questão psicológica também: você andar por um caminho de beleza cênica acaba por impactá-lo psicologicamente”, assegurou a coordenadora de Planejamento Ambiental da SVMA, destacando, ainda, que os corredores verdes podem servir de estímulo para que as pessoas caminhem mais pela cidade, conheçam melhor as áreas verdes e se engajem em preservá-las.
Nas páginas seguintes deste Caderno Laudato si’ – Por uma Ecologia Integral, além do Corredor Verde do Butantã, são abordados os cases do “Corredor Ecológico Corinthiano” e dos corredores nas cidades de Medellín (Colômbia), Guadalajara (México) e Mumbai (Índia).
Essas experiências concretizam um dos apelos de Francisco na Laudato si’: “Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros. Cada território detém uma parte de responsabilidade no cuidado desta família, pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a fim de desenvolver programas e estratégias de proteção” (LS 42).