De geração em geração, os pescadores da costa Norte do Peru e do Equador se acostumaram com a maior fartura de peixes nos últimos meses do ano, quando a temperatura da água do oceano Pacífico naquela região é mais fria. No século XVIII, porém, percebeu-se que em alguns anos a pescaria não era tão farta, e a água estava mais aquecida do que de costume. A este fenômeno, eles deram o nome de Corriente de El Niño, dado que acontecia próximo à época do nascimento do Menino Jesus (El Niño em espanhol). Eles também entendiam como um sinal de que Deus diminuía a possibilidade de pesca para que pudessem voltar a suas casas e passar o Natal em família.
Com o avanço das pesquisas sobre o fenômeno, descobriu-se que esse aquecimento atípico das águas superficiais e sub superficiais do oceano Pacífico não impacta somente o clima dessas localidades, mas provoca temporariamente alterações nos padrões de circulação atmosférica (ventos), transporte de umidade, temperatura e volume das chuvas em outras partes do mundo, especialmente nas regiões tropicais.
Secas no sudeste da Ásia e em países da Oceania; fortes chuvas na região central do Pacífico e na costa oeste norte-americana; clima mais quente e seco na América Central; estiagem nas regiões mais elevadas do Peru, em partes da Colômbia, na Bolívia, na Amazônia e no Nordeste brasileiro; além de chuvas intensas no Sul do Brasil são algumas das alterações climáticas mais relatadas quando há o El Niño.
Desde junho de 2023, têm sido observadas condições que indicam o padrão típico do El Niño: uma faixa de águas quentes em grande parte do oceano Pacífico equatorial, desde sua porção central até a costa da América do Sul. Por ora, as previsões são de que o fenômeno perdure, ao menos, até maio de 2024.
Como ocorre? O El Niño e seu evento oposto, La Niña, são fenômenos naturais que se repetem em intervalos de tempos variáveis conhecidos como El Niño-Oscilação Sul (Enos). Enquanto aquele provoca o aquecimento anormal das águas do Pacífico, esta causa o resfriamento anômalo desta porção oceânica (veja detalhes nos mapas acima).
“Na região equatorial, os ventos dominantes (alísios) vão de Leste para Oeste (no Oceano Pacífico, da América para a Oceania). Uma corrente marítima vinda do Sul acompanha a costa sul-americana, levando água fria para o Norte e, aproximadamente na altura da costa peruana, os ventos alísios levarão essa água fria para Oeste. Esse padrão influencia a movimentação das massas de ar sobre a América do Sul, favorecendo tanto a entrada do ar úmido vindo do oceano Atlântico quanto do ar frio vindo do Sul”, explica o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, biólogo e sociólogo, a respeito da dinâmica no Pacífico quando não há nem El Niño nem a La Niña.
Entretanto, quando ocorre o El Niño toda essa dinâmica é alterada. “As águas da região equatorial do Pacífico se aquecem acima do normal, os ventos alísios enfraquecem e a corrente de água fria da costa sul-americana não chega mais até a região tropical. Com isso, grandes massas de ar que atuam não só em nosso continente, mas também na América do Norte, na Ásia e na Oceania têm seus padrões de circulação alterados. Na América do Sul, grandes massas de ar quente e seco estacionam na maior parte do território brasileiro, enquanto as massas de ar frio ficam retidas na região Sul”, detalha o professor, que também é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
“Nos anos em que ocorre a La Niña, o fenômeno se inverte. A água fria predomina no Pacífico equatorial, as massas de ar se deslocam para Oeste com mais intensidade. O ar úmido oceânico chega com mais facilidade ao Brasil central, ocasionando mais chuvas no Nordeste; enquanto as frentes frias se deslocam com mais rapidez em direção ao Norte, estacionando por menos tempo no Sul, que se torna mais quente”, afirma Ribeiro Neto.
Mais frequente e intenso do que antes. Por muito tempo, se atestou que o El Niño e a La Niña ocorriam em um intervalo de aproximadamente sete anos, com duração de 12 a 18 meses; e que entre um fenômeno e outro se passavam de um a dez anos. No entanto, estes padrões já não são mais verificados, como lembrou ao O SÃO PAULO Rodrigo Lilla Manzione, especialista em gestão de recursos hídricos e professor da Faculdade de Ciências, Tecnologia e Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Temos visto uma maior duração do El Niño e também da La Niña. A última durou três anos. Entre uma fase de aquecimento e uma de resfriamento das águas do Pacífico, geralmente havia fases neutras, mas desta vez não aconteceu, passamos direto de uma para outra”, comentou. “Em 2023, o El Niño chegou com uma intensidade maior do que os cientistas tinham previsto, e será mais forte e mais prolongado”, complementou.
SAIBA MAIS SOBRE ESTE FENÔMENO
No livro “El Niño e Você – o fenômeno climático”, publicado em 2001 pela editora Transtec, Gilvan Sampaio de Oliveira, mestre e doutor em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica em detalhes este fenômeno, com as devidas terminologias e, também, fazendo analogias para a melhor compreensão. O conteúdo da obra está disponível para consulta no portal do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)