Diante da atual pandemia do novo coronavírus, as Academias Pontifícias de Ciências e de Ciências Sociais do Vaticano divulgaram uma declaração em 20 de março.
O trabalho das Academias compreende seis grandes áreas: ciência fundamental, ciência e tecnologia de problemas globais; ciência para os problemas do mundo em desenvolvimento, política científica; bioética, epistemologia. Um de seus objetivos é fomentar a interação entre fé e razão e incentivar o diálogo entre ciência e valores espirituais, culturais, filosóficos e religiosos.
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No documento, assinado por pesquisadores e cientistas de diferentes partes do mundo, entre os quais o brasileiro Vanderlei Bagnato, professor do Departamento de Física e Ciência dos Materiais da Universidade de São Paulo e Instituto de Física de São Carlos, se ressalta os esforços prestados pelos profissionais de saúde.
“A COVID-19 é um desafio para as sociedades, seus sistemas de saúde e economias, e especialmente para as pessoas afetadas direta e indiretamente, bem como suas famílias. Na história da humanidade, as pandemias sempre foram trágicas e muitas vezes mais mortais que as guerras. Hoje, graças à ciência, nosso conhecimento é mais avançado e pode cada vez mais nos defender contra novas formas de pandemia. Nossa declaração pretende focar em ciência, política científica e ações de políticas de saúde em um contexto social mais amplo”.
Na declaração é destacada a necessidade de ação, as lições de curto e longo prazo e ajustes futuros de prioridades em cinco pontos.
Um dos aspectos é que os sistemas de saúde precisam ser fortalecidos em todos os países, na perspectiva de antecipação de problemas. “É de vital importância estar à frente da curva ao lidar com essas crises globais. Enfatizamos que medidas de saúde pública devem ser iniciadas instantaneamente em todos os países para combater a propagação contínua desse vírus. A necessidade de testes deve ser adotada, e as pessoas que obtiverem resultados positivos para o COVID-19 devem ser colocadas em quarentena, juntamente com seus contatos próximos”.
A declaração também aponta para a necessidade de expandir o apoio à ciência e às ações da comunidade científica, posto que “o fortalecimento da pesquisa básica aumenta a capacidade de detectar, responder e, em última análise, prevenir ou pelo menos mitigar catástrofes como a que estamos vivendo presentemente. A ciência precisa de financiamento garantido a nível nacional e transnacional, para que os cientistas tenham os meios para descobrir as drogas e vacinas certas. Tais resultados devem ser transmitidos ao setor produtivo. Por sua vez, empresas farmacêuticas têm a principal responsabilidade de produzir esses medicamentos em escala, e demais empresas de produzir equipamentos de suporte , dentro da realidade econômica”.
A terceira perspectiva tratada é a proteção para as pessoas pobres e vulneráveis. “Uma ação política de base ampla no campo da saúde pública é essencial em todos os países para proteger as pessoas pobres e vulneráveis ao vírus. A COVID-19 também terá um impacto adverso nas economias mundiais. A menos que sejam mitigadas, as consequências perturbadoras previstas na produção e suprimento de alimentos e em vários outros sistemas, os mais afetados serão os pobres e desprovidos de instrução”, consta na declaração, que alerta ainda que as pandemias são especialmente uma ameaça para refugiados, imigrantes e deslocados à força.
Modelar interdependências globais e ajudar entre e dentro das nações também é uma preocupação expressa na declaração. “A escala e o escopo do globalismo atual tornaram o mundo sem precedentes interdependentes – e, portanto, vulneráveis e disfuncionais durante as crises. Por exemplo, o surto de COVID-19 está levando a demanda por mais isolamento nacional. No entanto, buscar proteção por meio do isolacionismo seria equivocado e contraproducente. Uma tendência que vale a pena apoiar seria uma forte demanda por maior cooperação global. As organizações transnacionais e internacionais precisam estar equipadas e apoiadas para servir a esse propósito”.
Ainda sobre esse aspecto, é apontado que as medidas para conter a rápida propagação da doença exigem, por vezes, o fechamento de fronteiras. “No entanto, as fronteiras nacionais não devem se tornar barreiras que dificultam a ajuda entre nações. Recursos humanos, equipamentos, conhecimento sobre melhores práticas, tratamentos e suprimentos devem ser compartilhados”.
Ressalta-se, ainda, a importância de fortalecer a solidariedade e a compaixão entre todos, e que, de modo especial, “as igrejas, assim como todas as comunidades baseadas na fé e nos valores, são chamadas à ação”.
“Uma lição que o vírus está nos ensinando é que a liberdade não pode ser desfrutada sem responsabilidade e solidariedade. A liberdade divorciada da solidariedade gera egoísmo puro e destrutivo. Ninguém pode ter sucesso sozinho. A pandemia da COVID-19 é uma oportunidade de nos tornarmos mais conscientes de quão importantes são os bons relacionamentos em nossas vidas”.
A declaração é concluída apontando para um aparente paradoxo: cada pessoa hoje precisa cooperar com as outras, mesmo tendo que se isolar por razões de saúde. Porém, “o ato de ficar em casa é um ato de profunda solidariedade. É ‘amar o seu próximo como a si mesmo’. A lição que a pandemia nos ensina é que, sem solidariedade, os direitos mais profundos do homem de liberdade e igualdade são apenas palavras vazias”.
(Com informações de Pontificies Academy of Sciences e site São Carlos Agora)