Signatários listam impactos sanitários e econômicos da pandemia e defendem que principais potências mundiais viabilizem a vacinação contra o coronavírus para todas as pessoas
Um manifesto organizado pela Academia de Líderes Católicos da América Latina – uma fundação de direito privado sem fins lucrativos que se dedica a formar católicos para que desenvolvam sua vocação na política à luz da Doutrina Social da Igreja – defende que haja uma ampla vacinação dos povos em todo o mundo, com atenção especial às populações mais pobres.
O “Manifesto pela Vacinação Universal Solidária” tem entre os signatários dirigentes católicos da América Latina e da Europa que já foram chefes de Estado e atuaram em organizações internacionais.
O documento, datado de 19 de março, é iniciado com um trecho da mensagem Urbi et Orbi, do Papa Francisco no Natal de 2020, no qual o Pontífice pede a todos, “nomeadamente aos líderes dos Estados, às empresas, aos organismos internacionais, que promovam a cooperação, e não a concorrência, na busca duma solução para todos: vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados em todas as regiões da Terra. Em primeiro lugar, os mais vulneráveis e necessitados!”.
O Manifesto é composto por 12 parágrafos, sendo que nos seis primeiros se apresentam argumentos sobre a necessidade de um ampla vacinação contra a COVID-19; e nos demais, são apontados caminhos para fazê-lo em benefício de toda a humanidade.
Razões para a defesa da ampla vacinação
No 1o parágrafo é ressaltado que “a vida humana é o principal bem do qual outros bens, incluindo o lucro, são derivados, e é por isso que a vacina, como qualquer outro estabelecimento de saúde que representa uma solução eficaz para essa pandemia, torna-se um bem comum global”.
Na sequência, se recorda o consenso mundial de que a vacinação “é a única medida que pode alcançar resultados contundentes e sustentáveis para reverter a situação atual, e avançar na geração de emprego e na mitigação de riscos de uma convulsão social. A vacinação universal (ou imunidade de grupo) não só salva a vida das pessoas e leva à redução da pressão de demanda por serviços hospitalares, mas também é a ação mais eficaz para a recuperação econômica”, afirma-se no texto, apontando-se, ainda, que será preciso vacinar de 3,2 a 4,1 bilhões de pessoas para alcançar a imunidade de grupo globalmente.
No 3o parágrafo, é lembrado que “os países ricos com 15% da população mundial contrataram 60% da produção mundial de vacinas, de acordo com o Duke University Global Health Institute. Existem 13 países produtores de vacinas e seus componentes, que estabeleceram limites explícitos e ocultos nas transações internacionais de vacinas. 50% dos ingredientes das vacinas são exportados pelos Estados Unidos e pela União Europeia”.
O 4o parágrafo alerta que caso não haja priorização na vacinação para os mais vulneráveis –“excluídos das aldeias, populações ou assentamentos humanos de miséria, migrantes, refugiados, aqueles que dependem do trabalho informal, os idosos sozinhos, os indígenas, os portadores de deficiência e muitas mulheres”, estes que morrerão “na porta dos hospitais, na rua ou em casa”.
Na sequência, o Manifesto lembra que “a imunização retardada da população mundial também permitirá o desenvolvimento de variantes do vírus que não podem ser tratadas com os tratamentos atuais, pois o vírus continuará circulando e sofrendo mutações e afetará a saúde de cidadãos já ‘vacinados’”.
Desse modo, como se destaca ainda neste 5o parágrafo, “a vacinação universal não é uma caridade, mas a consequência de um direito humano fundamental, como é o direito à saúde, por meio de ações preventivas por excelência; e é também um dever de justiça, justificado por todos os critérios (sanitário, econômico, financeiro, social e político). As vacinas são um bem público internacional, que deve ser acessível a todos, especialmente aos mais pobres. Portanto, mais que um serviço público, a vacinação universal é uma exigência evangélica, humanitária e solidária, bem como uma questão de Segurança Nacional, uma vez que as maiores ameaças ao futuro da vida serão, sem dúvida, as sanitárias”.
Já no 6o parágrafo, é ressaltado que “enquanto o vírus continuar nas áreas mais pobres do planeta, periodicamente encontrará maneiras de retornar às áreas mais ricas também”.
Como fazê-la de modo eficaz
Uma vez expostas as motivações para que ocorra a ampla vacinação contra a COVID-19, os signatários listam medidas eficazes para fazê-la.
No 7o parágrafo é pedido que se aumentem os recursos disponíveis para a aquisição de vacinas por meio do Mecanismo de Acesso Global às Vacinas COVID-19, o chamado programa COVAX, uma vez que com os montantes atuais, “se conseguiria vacinar 500 milhões dos 1,7 bilhões de habitantes dos países pobres e 20% dos habitantes em países de baixa e média renda; no entanto, já nos primeiros meses de 2021, a produção de vacinas sofreu atrasos. Portanto, uma produção adequada e sustentável da vacina em todo o mundo é urgentemente necessária, a um preço justo e acessível para todos os países, incluindo os de menor renda; uma distribuição simultânea e coordenada da vacina para reduzir, no menor tempo possível, a circulação do vírus, evitando focos de resistência e variantes mais letais e resistentes ao tratamento”.
A suspensão transitória dos direitos relacionados às patentes e à liberdade de produção de vacinas é apontada no 8o parágrafo com uma medida necessária e viável para este momento: “Os acordos da Organização Mundial do Comércio para a gestão e proteção dos direitos de propriedade intelectual (TRIPS) permitem, em um período de excepcionalidade e, portanto, de uma pandemia, a suspensão da patente, com a possibilidade de os Estados produzirem diretamente medicamentos, além do acesso a tecnologias complexas, também amparadas por patentes, essenciais para a produção da vacina (mRna e cápsula lipídica)”.
No 9o parágrafo é pedido que ocorram acordos entre empresas farmacêuticas e fabricantes em países de baixa e média renda, para que se ponha fim “às limitações de exportação estabelecidas pelos países que fabricam vacinas ou componentes para elas, bem como equipamentos e medicamentos para seu tratamento. É muito importante facilitar o conhecimento (explícito e não articulável) entre empresas farmacêuticas proprietárias de vacinas e potenciais fabricantes em países pobres e em desenvolvimento”.
“A promoção da pesquisa científica e da inovação tecnológica” é ressaltada no 10o parágrafo. “Como cristãos, somos chamados a promover, apoiar e executar a vacinação em massa de forma integral. O apoio financeiro de organismos multilaterais e outras fontes de cooperação internacional deve ser procurado para garantir a disponibilidade oportuna de vacinas para todos. Também é necessário promover um verdadeiro espírito de colaboração e estabelecer os mecanismos, para que a complexa logística de aplicação das vacinas seja efetivada, para compartilhar conhecimento sobre a bondade e utilidade das vacinas e para uma campanha consistente de conscientização na mídia”, escrevem os signatários.
O 11o parágrafo é iniciado fazendo-se menção à passagem bíblica do paralítico de Betesda (Jo 5, 1-18), para se afirmar que “os mais pobres e vulneráveis já não podem mais esperar: se não morrerem da doença, morrem de fome, morrem por fechar seus negócios, morre sua dignidade. Os efeitos da exclusão não são apenas sanitários ou econômicos – que são os mais visíveis, eles também são de perda de autoestima e esperança. Estes últimos são os traumas mais difíceis de curar”.
No 12o parágrafo, há um grande apelo à solidariedade: “Estamos diante de uma oportunidade única para tornar viva a cultura do Encontro e da Solidariedade. Uma cultura do Encontro que deve ser desenvolvida entre países, instituições, comunidades e, sobretudo, entre pessoas. Como fez Cristo nosso redentor com o paralítico de Betesda, é preciso olhar para o outro cara a cara e transformá-lo, recuperando sua esperança de tempos melhores, com saúde, com trabalho e com dignidade. A transformação tem que começar com cada um de nós, como líderes, e como filhos de Deus. É necessário, em primeiro lugar, que cada um de nós tome a vacina da solidariedade, para que possamos alcançar, em nível global, a ‘imunização de grupo’ contra o isolamento, a pobreza e a morte. Devemos ser vacinados contra o vírus da indiferença, do egoísmo, da idolatria de poder e dinheiro, de mentalidades do ‘todos contra todos’ ou do ‘salve-se quem puder’. Cada líder em seu nível de responsabilidade (em instituições multilaterais, igrejas, governos, empresas, organizações da sociedade civil, indivíduos) deve transformar o processo de vacinação universal em um processo de recuperação da esperança”.
Por fim, ainda neste parágrafo, é lembrado que “a vacina é essencial, mas insuficiente para resolver todos os nossos males. Nossa esperança encontra-se no Cristo ressuscitado, que carregou na Cruz todos os sofrimentos e misérias humanas, mas foi vitorioso sobre o pecado e a morte”.