Sequestros, assassinatos em massa, ameaças de morte, intimidação física e psicológica são algumas das realidades enfrentadas pelos cristãos perseguidos no continente africano. Os relatos a seguir foram obtidos pelo O SÃO PAULO por meio do trabalho realizado pela fundação pontifícia ACN (https://www.acn.org.br). Para compreender melhor todo este panorama de perseguições, leia a reportagem na página 8, feita a partir da entrevista de Ana Cecília Manente, presidente da ACN no Brasil, às mídias da Arquidiocese de São Paulo.
‘Não podemos negá-Lo nas provações’

Mathieu Sawadogo é catequista em Burkina Faso desde 1999. Em 2015, foi enviado para perto da fronteira com o Máli e em 2018 ele e a esposa foram raptados por jihadistas. “Graças a Jesus Cristo, encontrei coragem. Passamos quatro meses no acampamento deles [terroristas] no deserto. Pensei que me matariam, mas não senti medo. Perdi a esperança de viver, mas nunca renunciei à minha fé”.
O catequista recordou que, como a esposa, Pauline, e ele não tinham o Rosário consigo, “à noite usávamos pedrinhas como contas para rezar. Todas as noites, rezávamos 700 contas de Rosário. Pela graça de Deus, Ele ouviu nossas orações e sobrevivemos. Mesmo que Jesus me chamasse, mesmo que meu trabalho parecesse inútil, Ele não me abandonaria. Muitos morreram como mártires para nos trazer o Evangelho. Se prometemos seguir Jesus nos momentos bons e ruins, não podemos negá-Lo nas provações”.
‘Muitos muçulmanos zombam de você’

De origem islâmica, George Engl foi expulso de onde morava na Tanzânia quando se converteu ao Cristianismo. “Eu estava sendo discriminado, mas não perdi a esperança, permaneci firme no Cristianismo. Há muitos muçulmanos aqui, e quando o veem, zombam de você. Eles não aceitam a sua mensagem, desprezam-no por ser catequista, mas você não pode perder a esperança”, recordou o homem que também é ministro extraordinário da Sagrada Comunhão.
“Os catequistas são a base na construção da fé cristã, porque os padres são poucos aqui e, se não houvesse catequistas, o Cristianismo seria diluído. É claro que há grandes desafios em minhas funções pastorais. Durante a estação chuvosa, o padre pode vir uma vez ou não vir. As distâncias que percorremos quando levamos a comunhão ou quando visitamos os doentes às vezes chegam a 10 quilômetros. Às vezes, vamos de bicicleta, às vezes a pé”, contou.
‘Nove anos de tortura! Nove anos de agonia!’

Na Nigéria, Maryamu Joseph permaneceu por nove anos em um cativeiro do grupo extremista Boko Haram. Sequestrada em 2014, aos 7 anos de idade, junto com outras 21 pessoas, ela só conseguiu se libertar aos 16 anos.
“Nove anos vivendo em cativeiro! Nove anos de tortura! Nove anos de agonia! Sofremos muito nas mãos dessas pessoas cruéis e impiedosas. Vimos o derramamento de sangue inocente de meus irmãos cristãos, mortos por pessoas que não valorizam a vida”.
Maryamu recordou que o ataque do Boko Haram ocorreu em fevereiro de 2013, resultando em assassinatos em massa e neste grupo de sequestrados mantidos em cativeiro em uma floresta. “Eles nos colocaram em gaiolas, como animais. A primeira coisa que fizeram foi nos converter à força ao Islamismo. Mudaram meu nome para Aisha, um nome muçulmano, e nos avisaram para não rezarmos como cristãos, ou seríamos mortos. Quando completei 10 anos, eles queriam me casar com um de seus chefes, mas eu recusei. Como punição, trancaram-me em uma gaiola por um ano inteiro”, contou, recordando que ainda viu um de seus irmãos ser morto pelos extremistas em 2019.
Na madrugada de 8 de julho de 2022, ela e outras 11 pessoas conseguiram fugir, correndo pela floresta. Dois dias depois, chegaram a Maiduguri, e ela desmaiou. Ao acordar, estava em um acampamento administrado pela Igreja Católica: “A primeira coisa que fizeram foi orar por mim e me encorajar a retornar à minha fé. Estou feliz por retornar ao Cristianismo. Desde que voltei para Maiduguri, a dor diminuiu. Espero que, com o tempo, Deus me ajude a superar minha amargura e a encontrar a paz”, contou, recordando que está em tratamento em um centro de traumas.
Na Nigéria, também têm sido recorrentes os relatos de sequestros de sacerdotes. Um dos mais recentes ocorreu na Arquidiocese de Kaduna, em 17 de novembro, quando homens armados invadiram a residência do Padre Bobbo Paschal, Pároco da Paróquia de Santo Estêvão.
‘A perseguição traz uma dor inimaginável, mas Deus sempre dá força’

No Sudão, a cristã Mariam Ibrahim foi condenada à morte, em 2014, sob a acusação de apostasia e adultério, com base na lei Sharia, que a considerava muçulmana como o pai, embora ela tivesse sido criada como cristã praticante por sua mãe. “Fui acusada porque cresci como cristã, porque pratiquei minha fé e porque me casei com um homem cristão”, detalhou.
“Passei o Natal de 2013 na prisão. Descobri que estava grávida pouco antes de ser encarcerada. Naquela primeira noite na cela, eu estava apavorada e só conseguia rezar. Minha mãe havia falecido, a família do meu pai me rejeitou e a mídia me chamava de ‘impura’, ‘incrédula’ e ‘merecedora da morte’”, recordou.
Encarcerada, Mariam conseguiu esconder uma Bíblia entre seus cabelos e a lia quando ia ao banheiro. “Quando me perguntam como orar pelos perseguidos, eu digo: orem para que encontrem acesso à Palavra de Deus. Em muitos países, as autoridades consideram um ato de terrorismo ter uma Bíblia. Mas a Bíblia não é uma ameaça, é a história da salvação para todos os povos”.
Sua libertação foi possível graças à mediação do governo italiano e ao apoio da comunidade internacional. Antes de deixar o Sudão, Mariam e a família ficaram um mês na embaixada dos Estados Unidos, em Cartum. “A perseguição traz uma dor inimaginável, mas Deus sempre dá força”, comentou.
‘Massacres odiosos’ contra fiéis inocentes na República Democrática do Congo

Ao longo de todo o ano de 2025, os cristãos na República Democrática do Congo têm sido sequestrados e assassinados em ataques que os bispos da Conferência Episcopal Congolesa descreveram como “massacres odiosos” praticados contra fiéis inocentes.
Nos dias 8 e 9 de setembro, na Paróquia de São José de Manguredjipa, em Ntoyo, Província de Kivu do Norte, os extremistas das Forças Democráticas Aliadas (ADF) assassinaram 64 pessoas que participavam de um velório. Em 27 de julho, estes mesmos rebeldes ceifaram as vidas de pelo menos 40 pessoas, muitas delas jovens, durante uma vigília de oração em uma igreja em Komanda, Ituri. Já em fevereiro, foram outras 70 mortes em uma igreja protestante em Lubero; muitos dos assassinados foram encontrados com as mãos amarradas e decapitados.
(Edição dos textos: Daniel Gomes/O SÃO PAULO)






