Entre os dias 11 e 15, os bispos e agentes responsáveis pelas pastorais da cultura, educação, universidades e esportes na América Latina e no Caribe estiveram reunidos na sede do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), em Bogotá, na Colômbia. Participante do encontro, Dom Carlos Lema Garcia, Bispo Auxiliar de São Paulo e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, além de Bispo Referencial do Setor Universidades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fala nesta entrevista ao O SÃO PAULO sobre os principais assuntos tratados e experiências partilhadas. Outros detalhes do evento podem ser vistos na reportagem “Desafios educacionais e culturais da América Latina e do Caribe são tratados em evento do Celam”, publicada na edição de 27 de agosto do semanário arquidiocesano.

O SÃO PAULO – Quais foram os propósitos centrais do encontro do Celam que reuniu bispos e delegados responsáveis pelas pastorais da cultura, educação, universidades e esportes na América Latina e no Caribe?
Dom Carlos Lema Garcia – O encontro realizou-se na sede do Celam, em Bogotá, e contou com a participação de cerca de 30 representantes das conferências episcopais da América Latina, desde o México até o Chile. Em alguns casos, os bispos e coordenadores dessas pastorais que não puderam estar presentes enviaram um vídeo, como os do Peru, Uruguai, Bolívia, Nicarágua, El Salvador e das ilhas do Caribe. Os objetivos do encontro foram principalmente dois: assumir, em chave sinodal, a realidade latino-americana, seus desafios e esperanças pastorais, diante das implicações da constituição apostólica Praedicate Evangelium, do Papa Francisco, na qual se indica a necessidade dar uma resposta a essa mudança de época, manifestada principalmente pela crise antropológica, ética e cultural dos nossos povos. Por outro lado, visava a oferecer um espaço de escuta e fraternidade aos bispos e/ou coordenadores, com o fim de discernir os avanços que o Magistério da Igreja Católica vem gerando em matéria de educação e cultura, considerando, por exemplo, o texto do secretariado de Educação do Celam acerca do Documento de Aparecida sobre a educação (2011), assim como a proposta do Pacto Educativo Global (2019), indicando um conjunto de novos princípios, critérios de juízo e diretrizes de ação, com o fim de iluminar nosso trabalho pastoral cotidiano, nessas áreas tão significativas da evangelização.
E como se deu especificamente a participação do senhor?
Cada participante apresentou um relato breve sobre a organização da pastoral da educação em relação às sete propostas do Pacto Educativo Global. No meu caso, apresentei uma série de práticas pastorais que estamos realizando no âmbito das escolas e universidades católicas e públicas de diversas dioceses. Dentre as atividades de que falei, gostaria de destacar as visitas pastorais que tive a oportunidade de fazer em todas as escolas católicas da Arquidiocese, nos últimos dois anos, seguindo um roteiro recomendado pela instrução Identidade da Escola Católica para a Cultura do Diálogo, publicada pelo Dicastério da Cultura e Educação em 2022. Outra atividade que causou interesse foi a cerimônia da bênção das mochilas dos alunos das nossas escolas, que vem sendo realizada com grande participação das famílias, em diversas dioceses do Regional Sul 1, no início do ano letivo. Além disso, relatei os encontros que estamos organizando no Setor Universidades, seguindo a proposta de quatro eixos de ação que recebemos do Cardeal Tolentino [Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação] para realizar nos campi universitários: espiritualidade (abertura à transcendência), reflexão (grupos de estudo sobre temas relativos à fé e ciência), comunidade acadêmica (promoção de atividades formativas e de convivência), atividades socioeducativas (trabalhos de voluntariado com a população mais vulnerável: medicina, direito, odontologia, serviço social etc.).

Na abertura do encontro, Dom Lizardo Estrada, Secretário Geral do Celam, disse que a concentração de poder e individualismo cultural continua a gerar isolamento e marginalização, afetando particularmente os mais pobres e vulneráveis no continente. De que maneira essa preocupação foi tratada ao longo dos dias de trabalho?
Dentro da dinâmica do encontro, realizamos diversos momentos de reflexão em grupo e apresentamos as diversas conclusões e propostas nas plenárias. Foi dada bastante ênfase à necessidade de trabalhar em rede, realizando uma sinergia na ação, de maneira que, trabalhando juntos em ações articuladas, possamos levar a todos os âmbitos da sociedade o potencial transformador da pessoa bem formada. A educação é a forma mais eficiente de inclusão social: por isso, temos que levar o nosso influxo de formação a todos membros da sociedade, especialmente os que estão ainda alheios à cultura e educação. Trabalhar em rede exige viver a espiritualidade de comunhão proposta por São João Paulo II na carta apostólica Novo Millenio Ineunte: uma experiência dinâmica em que se compartilham talentos, recursos materiais e conhecimentos. Apesar de reconhecermos as dificuldades que enfrentamos em nossa sociedade paganizada e secularizada, consideramos que contamos com a graça de Deus e a inspiração do Espírito Santo: os primeiros cristãos também enfrentaram um mundo hostil aos valores do Evangelho; mas, alentados pelo poder da graça divina, enfrentaram as resistências e a Igreja acabou sendo reconhecida e marcando de maneira indelével a história humana.
Um dos temas tratados foi a concretização do Pacto Educativo Global, apresentado pelo Papa Francisco em setembro de 2019. De que maneira a Igreja na América Latina e no Caribe tem buscado difundir os ideais do pacto?
Como mencionei, a tônica do encontro se concentrou em tirar proveito dos sete compromissos do Pacto Educativo Global, a saber: a centralidade da pessoa na educação; a escuta às gerações mais novas; a promoção da mulher; a responsabilização da família; a acolhida; a renovação da economia e da política; e o cuidado com a “casa comum” (o meio ambiente). Essas metas visam a formar uma sociedade mais humana e solidária. A proposta é um chamado global para instituições, governos e pessoas se mobilizarem por uma educação humanista que promova a paz, a justiça e a sustentabilidade. Nesse sentido, as dioceses da América Latina e do Caribe têm proposto iniciativas variadas para implementar alguns desses compromissos, como foi apresentado durante o encontro.
Durante o evento, o Cardeal José Tolentino de Mendonça enviou uma mensagem sobre as atuais crises antropológica e espiritual. Para o senhor, o que foi mais marcante na apresentação feita por ele?
Como o Cardeal Tolentino enviou uma mensagem escrita em português, os organizadores do encontro me pediram para ler o texto no original. A mim me marcou a seguinte consideração do Cardeal: “Nós sabemos que a pastoral educativa dispõe de inúmeros atores, desde os alunos, os professores, os dirigentes escolares, os colaboradores, mas também os bispos e delegados episcopais são chamados a um papel imprescindível nesta pastoral. A eles compete dois compromissos fundamentais: ajudar a discernir as ações concretas desta pastoral educativa; acompanhar e encorajar as realidades educativas a si confiadas. É importante que não se trabalhe apenas a parte técnica ou curricular, mas se igualmente cuide a dimensão humana e espiritual, por meio de uma criatividade pastoral que cada um saberá certamente promover. Não esqueçamos nunca a raiz profunda daquilo que distingue uma escola/universidade católica de outras instituições de ensino: a irradiação explícita da pessoa de Jesus Cristo.” Nessa afirmação do Cardeal, não se pode deixar de ver um reflexo daquilo que o Papa Leão XIV nos vem propondo deste o início do seu pontificado: a centralidade de Cristo.

Após estes dias de intensas reflexões, o que o senhor trouxe de inquietações e ideias para tratar nas atribuições próprias do Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade, bem como no Setor Juventude da Arquidiocese?
Esses dias de intercâmbio de experiências foram muito proveitosos, uma vez que vários países da América Latina dispõem de experiências educativas bastante avançadas em relação às nossas. Para citar alguns exemplos: em vários países, o governo subsidia as escolas católicas, de maneira a permitir uma oferta de educação com custos mais acessíveis às famílias, possibilitando as famílias de escassos recursos matricularem seus filhos em escolas católicas. Na legislação nacional existe a possibilidade de estabelecer convênios com as prefeituras para estabelecer escolas comunitárias (algumas mesmo paroquiais), gratuitas, subsidiadas com recursos públicos. Na Diocese de Petrópolis (RJ) existem cerca de 30 escolas municipais – e, portanto, gratuitas funcionando em paróquias, com um elevado índice de aproveitamento pedagógico. Esse modelo pode ser replicado em outros municípios: atualmente estamos trabalhando com a prefeitura de São Paulo para estabelecer parcerias de novas escolas municipais administradas por equipes pedagógicas de escolas católicas.
Outro aspecto de avanço se refere à oferta da disciplina de Ensino Religioso nas escolas públicas: os professores são credenciados após realizarem um curso de especialização em Ensino Religioso e, em todas as salas de aula de ensino fundamental, os alunos recebem essa formação religiosa. É evidente que essa modalidade de Ensino Religioso é aberta a alunos de diversas confissões religiosas: mesmo assim, essa formação contribui para a formação do caráter e das virtudes humanas para o exercício da cidadania, o que é um benefício para a sociedade e, como consequência, para o bem estar social. Sabemos que, no caso do Brasil, o Ensino Religioso como disciplina facultativa em todas as escolas (particulares ou públicas) está previsto na Constituição Federal, mas ainda falta um esforço para conseguir aprovar uma legislação específica para implementar essa possibilidade.
Por outro lado, é pacífico para as escolas católicas dos países latino-americanos que a disciplina de Ensino Religioso é de tipo confessional, católico, diferente de Catequese. Isso ainda não conseguimos em parte considerável das nossas escolas católicas.
Em relação à pastoral universitária, reparei que há muita semelhança com as atividades que realizamos no Brasil. Gostaria de destacar a quantidade de cursos de graduação e especialização oferecidos nas universidades latino-americanas, que me chamaram a atenção, como, por exemplo, um Curso de Graduação em Pedagogia da Religião, de duração de quatro anos, da Universidade Católica do Chile, para formar professores de ensino religioso católico. Também tive conhecimento de cursos de educação para pais de família em universidades do México e da Colômbia: esses cursos se dirigem aos pais dos alunos das escolas católicas, mas também, em alguns casos, são oferecidos em escolas públicas, por meio de convênios com as autoridades locais.