É tempo de repensar a composição, o uso e a destinação dos plásticos

ONU/Laura Quinones

O avanço das pesquisas científicas tem levado a respostas cada vez mais surpreendentes quanto ao destino final da crescente quantidade de plásticos que é produzida, utilizada em diferentes ramos de atividades e, muitas vezes, descartada de maneira incorreta no meio ambiente.

AS ‘ILHAS E AS PEDRAS DE PLÁSTICO’

A cada ano, cerca de 10 milhões de toneladas de plásticos vão parar nos oceanos. Atualmente, já existem ao menos cinco grandes “ilhas de plástico” no planeta. A maior delas se localiza no Pacífico Norte e tem uma área equivalente a três vezes o território da França. As outras estão no Atlântico Norte, no oceano Índico, no Pacífico Sul e no Atlântico Sul.

As “ilhas de plástico”, formadas gradualmente ao longo das últimas décadas, são compostas majoritariamente de microplásticos – pequenas partículas de plásticos com menos de 5 milímetros – que acabam ficando muito próximas devido à ação de correntes marinhas e à rotação da Terra e formam como que um bloco unificado, cuja maior parte fica submersa nos oceanos.

E também algumas ilhas naturais começam a ficar impregnadas de plástico. Em 2022, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) informaram ter encontrado “rochas de plástico” na Ilha de Trindade, no estado do Espírito Santo. A elas deram o nome de “plastistones”, devido à sua formação praticamente homogênea com microplásticos que possivelmente as ondas do mar levaram até a ilha, formando tais rochas ao longo dos anos. Trata-se de uma “evolução” das rochas de plástico das quais se tinha notícia até então, formadas pela mistura de minerais, areia, conchas e microplásticos.

PARTÍCULAS NO SANGUE HUMANO

Também no ano passado, em um estudo feito em 22 amostras de sangue de doadores anônimos, nos Países Baixos, foram encontradas micropartículas de plástico em 17 delas: havia vestígios de politereftalato de etileno – o material-base das garrafas PET e das fibras de poliéster, muito usadas pela indústria têxtil; de polietileno e poliestireno, este último maciça- mente utilizado nas embalagens de alimentos.

De acordo com os cientistas que conduziram o estudo, a hipótese mais provável é que as partículas de microplástico entraram no organismo destas pessoas ao longo da vida pela água que beberam, pelo ar, pelos alimentos ingeridos e até por produtos de higiene e cosméticos.

“Enquanto a nossa máquina lava a roupa, ela solta a água com estes microplásticos, que do esgoto vão parar nos rios e oceanos. Essas partículas são comidas pelos peixes, e nós consumimos peixes. Essa água vai parar na grama, o animal dela se alimenta, e nós nos alimentamos de plantas e de carne animal. Portanto, no fim, nós mesmos acabamos comendo micro-plásticos”, explicou, ao O SÃO PAULO, Ângela Barbour, farmacêutica bioquímica, doutora em artes visuais e poéticas visuais, com atuação no ramo dos têxteis.

A gestão indevida dos resíduos também ajuda a explicar parte do problema. No Brasil, por exemplo, a cada ano, das 170 mil toneladas de resíduos têxteis, cerca de 80% tem como destino final os lixões e aterros sanitários. É um emaranhado de aparas e retalhos de fibras, microfibras e poliéster, a maior parte com micro-plásticos em sua composição, material que pode levar de 100 a 400 anos para se decompor.

UMA ALTERNATIVA AO PROBLEMA: OS BIOPLÁSTICOS

Além de incentivar que as pessoas e empresas descartem corretamente os resíduos plásticos, produzir itens com materiais alternativos ao plástico convencional, derivado do petróleo, tem sido visto como fundamental para frear a poluição ambiental. Nesse sentido, gradualmente tem crescido a adoção, em diferentes ramos de atividades, de bioplásticos, compostos de fontes renováveis e que podem ser degradados mais rapidamente por fungos e bactérias após serem descartados.

“A biodegradabilidade oferece significantes benefícios econômicos e ao meio ambiente. Por exemplo, um saco biodegradável quando usado como saco de resíduo orgânico contribui para a separação higiênica, a coleta seletiva, e sendo destinado corretamente à compostagem se transforma em adubo orgânico de valor e, consequentemente, reduzindo essa fração do resíduo destinada a aterros sanitários, lixões e mesmo incinerada”, consta em um material explicativo da Associação Brasileira de Biopolímeros Compostáveis e Compostagem (Abicom).

Apesar de sua adoção ser benéfica ao meio ambiente, os bioplásticos ainda são mais caros que os plásticos convencionais, uma das razões que ajudam a explicar porque menos de 1% das 359 milhões de toneladas de plástico fabricadas no mundo em 2019 eram de bioplásticos, conforme dados da European Bioplastics.

Ângela Barbour, que tem se dedicado a estudos e à produção de têxteis a partir de biomateriais, assegura que as pesquisas sobre o uso desses componentes estão em pleno progresso e que muito já se produz a partir deles.

Alguns exemplos são os bioplásticos de gelatina, que podem ser convertidos em fios, para posterior confecção de roupas; o ágar-ágar, extraído de algas marinhas, com o qual são feitas embalagens; ou o alginato, também composto de algas, com o qual é possível obter chapas ou fios, para serem utilizados na produção de roupas.

Já na produção industrial em larga escala, tem avançado a utilização de bioplásticos produzidos a partir do milho e da cana-de-açúcar.

Esta edição do caderno “Lauda- to si’ – Por uma Ecologia Integral” dá visibilidade a projetos e pessoas que têm buscado alternativas ao uso do plástico convencional – como é o caso de Ângela Barbour – ou que procuram prolongar sua utilidade em vez do simples descarte, como faz a ONG Eco Garopaba, que transforma garrafas PET em pranchas de surfe; e o Instituto Amor Rosa, que recolhe tampinhas plásticas, as revende à indústria e com os recursos obtidos auxilia as pessoas com câncer.

Tais iniciativas fazem ressoar ao menos dois apontamentos do Papa Francisco na encíclica Laudato si’: o primeiro é que antes de avaliar a beleza estética de qualquer projeto, é preciso pensar “a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o ambiente, o encontro e ajuda mútua” (cf. LS 150); e não menos importante é orientar as ações para a “alteração do consumo e o desenvolvimento de uma economia de resíduos e reciclagem” (cf. 180).

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