Com o objetivo de promover uma verdadeira conversão dos corações, o Papa Francisco fez mais uma visita apostólica no continente europeu, a 46ª viagem internacional do seu pontificado, desta vez passando por Luxemburgo, na quinta-feira, 26 de setembro, e na Bélgica, entre os dias 27 e 29.
Em sua jornada, ele tocou em diversos temas difíceis, dilemas da cultura e da Igreja na Europa. Entre eles, a normalidade da secularização, a retomada da guerra, a convivência com a migração, a queda da natalidade e o problema dos abusos sexuais perpetrados por membros do clero. Nesse contexto, Francisco criticou o papel das ideologias, entre elas o nacionalismo, que cultivam uma mentalidade fechada e antidemocrática; e incentivou as autoridades civis e religiosas a “construir uma Europa unida e solidária”.
SINAIS DE AMOR NO SERVIÇO
“Parece que o coração humano nem sempre sabe como valorizar a memória e periodicamente se desvia e retorna aos trágicos caminhos da guerra. Somos esquecidos disso”, declarou, em discurso às autoridades de governo de Luxemburgo, pequeno país com pouco mais de 670 mil habitantes.
“Para curar essa perigosa esclero se, que adoece gravemente as nações, aumenta os conflitos e corre o risco de lançá-las em aventuras com custos humanos imensos, renovando massacres inúteis, é preciso olhar para o alto, é preciso que a vida cotidiana dos povos e de seus governantes seja animada por altos e profundos valores espirituais”, acrescentou.
Naquele país, o Papa incentivou a integração e promoção dos migrantes, em espírito de “cooperação entre as nações”, em uma cultura de serviço; afinal, trata-se da “Igreja de Jesus Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir”.
Em encontro com a comunidade católica do país, o Papa Francisco reconheceu que, em um contexto de sociedade secularizada, isto é, em que a religião já não assume o mesmo papel social e político que tinha no passado, a Igreja vive desafios. Mas é preciso “evoluir”, refletiu, transmitindo uma “fé alegre, dançante, porque somos filhos de um Deus amigo”.
“A Igreja, em uma sociedade secularizada, evolui, amadurece, cresce. Ela não se fecha em si mesma, triste, ressentida, não; ao contrário, ela aceita o desafio, em fidelidade aos valores de todos os tempos, de redescobrir e reavaliar de uma nova maneira os caminhos da evangelização, passando cada vez mais de uma simples abordagem de cuidado pastoral para a de proclamação missionária – e isso exige coragem”, disse ele.
CAMINHO DE PAZ E FRATERNIDADE
Na Bélgica, país que unifica traços de cultura neerlandesa, francesa e alemã, e que é sede da União Europeia, o Papa falou sobre a necessidade de se construir pontes, seja na Europa, seja no mundo, seja na própria Igreja, “construindo a paz e repudiando a guerra”. Falou do risco de se chegar a uma guerra mundial, que hoje é verdadeiro, diante dos diferentes conflitos armados em zonas críticas do mundo como o Oriente Médio, a Ucrânia e a África.
No encontro de boas-vindas das autoridades do país, o Rei Filipe não poupou palavras para tocar em uma ferida ainda aberta: o problema dos abusos sexuais e de poder realizados por membros da Igreja. Algo que o rei definiu como “uma tragédia indescritível”. O Papa Francisco ouviu com atenção e reelaborou alguns de seus discursos no país para tratar do tema.
Chamou a crise dos abusos de “vergonha” e “praga”, algo pelo qual a Igreja deve “pedir perdão”. Disse, entretanto, que está “enfrentando com decisão e firmeza, escutando e acompanhando as pessoas feridas e atuando em todo o mundo com um programa capilarizado de prevenção”. Durante a viagem, ele se reuniu privadamente com sobreviventes.
“Pensamos na época dos Santos Inocentes e dizemos: ‘Oh, que tragédia, o que o rei Herodes fez!’, mas hoje na Igreja há esse crime; a Igreja deve se envergonhar e pedir perdão e tentar resolver essa situação com humildade cristã. E colocar todas as condições para que isso não aconteça novamente”, declarou o Pontífice.
ALARGAR AS FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
Francisco esteve duas vezes na Universidade Católica de Lovaina: primeiro, para um encontro com professores e, em outro momento, para se reunir com jovens e estudantes. Em um desses dias, encontrou 50 mil pessoas que lhe esperavam do lado de fora, sob chuva, entre idosos, doentes e crianças. Em uma das manhãs, decidiu tomar café da manhã com os pobres, em uma paróquia de Bruxelas.
No ambiente universitário, ele explicou que a pesquisa e a ciência não devem ser somente instrumentos para obter um fim – o de conseguir um emprego ou de ganhar dinheiro, por exemplo, mas um empenho em busca da verdade, sempre em espírito de serviço.
“Estudamos para poder educar e servir os outros, antes de tudo, com o serviço da competência e da autoridade. Em vez de nos perguntarmos se estudar serve para alguma coisa, vamos nos preocupar em servir alguém. Uma bela pergunta que o estudante universitário pode se pôr: A quem sirvo? A mim mesmo? Ou tenho o coração aberto para outro serviço?”, disse aos jovens.
Também abordou o papel da mulher na Igreja e na sociedade, reafirmando que todos os seres humanos têm igual dignidade. “Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar”, afirmou.
“A partir desta dignidade, comum e partilhada, a cultura cristã elabora sempre de novo, em diferentes contextos, a missão e a vida do homem e da mulher e o seu mútuo ser um para o outro, em comunhão. Não um contra o outro – isto seria feminismo ou machismo – e não com reivindicações opostas, mas o homem pela mulher e a mulher pelo homem, juntos.”
QUALQUER DEFESA DESPROPORCIONAL É IMORAL
Entre os temas que surgiram na coletiva de imprensa durante a viagem de retorno a Roma, no domingo, 29, o Papa Francisco comentou sobre os bombardeios ocorridos recentemente no Líbano, em ataques que vêm sendo atribuídos a Israel, com o objetivo de atingir alvos do grupo político radical islâmico Hezbolah.
Referindo-se à forma como Israel tem bombardeado a Faixa de Gaza e o Líbano – com a justificativa de combater seus inimigos após o ataque de outro grupo radical, o Hamas, que invadiu Israel, matou e sequestrou civis, em outubro de 2023 – o Papa afirmou que “a defesa deve ser sempre proporcional ao ataque”.
Quando há algo desproporcional, disse ele, “isso mostra uma tendência dominante que vai além da moralidade”. Francisco acrescentou que se um país faz essas coisas “de forma tão superlativa”, então, são “ações imorais”.
“Todos os dias, telefono para a paróquia em Gaza. Estão lá dentro, na paróquia e no colégio, mais de 600 pessoas, e elas me contam as coisas que acontecem, as crueldades que acontecem lá”, reiterou o Bispo de Roma