Eventos climáticos extremos impõem repensar a resiliência das cidades

Cidade de Eldorado do Sul (RS) foi uma das afetadas pelos estragos causados pelas enchentes de maio (foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Chuvas acima da média histórica no Rio Grande do Sul: saldo de 2,4 milhões de pessoas afetadas e 180 óbitos; casas destruídas e dezenas de mortos e feridos após a passagem de um tufão em Oklahoma, nos Estados Unidos; em Valência, na Espanha, a “chuva do século” – em oito horas choveu o equivalente a um ano todo – resultou em 200 mortos; e no Amazonas, até setembro, ao menos 330 mil pessoas já haviam sido impactadas pela estiagem e a seca no Norte do Brasil.

Esses fatos, ocorridos neste ano, em diferentes localidades, indicam que os eventos climáticos extremos não são mais uma situação esporádica ou restrita a uma cidade ou país, mas se tornaram um problema global.

De acordo com o Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), podem ser considerados como eventos climáticos extremos aqueles que resultam em “uma séria interrupção no funcionamento normal de uma comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano. Essa paralisação abrupta envolve, simultaneamente, perdas materiais e econômicas, assim como danos ao ambiente e à saúde das populações por meio de agravos e doenças que podem causar mortes imediatas e posteriores”.

Nos últimos dez anos, em todo o mundo, segundo o relatório “Sem escapatória: na linha de frente das mudanças climáticas, conflitos e deslocamento forçado”, divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), os desastres associados ao clima resultaram em 220 milhões de deslocamentos internos. Outros estudos da ONU apontam para um cenário futuro pouco animador: até 2050, 8,5 milhões de pessoas morrerão devido a inundações; outras 3,2 milhões em virtude das secas; 1,2 bilhão terão de se deslocar devido a eventos climáticos extremos; e as perdas econômicas a eles relacionados chegarão a 12,5 trilhões de dólares.

OS ALERTAS DO PAPA FRANCISCO

Na encíclica Laudato si’, publicada em 2015, o Papa Francisco alertava que as mudanças climáticas já estavam trazendo “graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas… [mas que] infelizmente, verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo” (LS 25).

Na exortação apostólica Laudate Deum, em 2023, o Pontífice foi ainda mais enfático: “Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afeta a todos. É verdade que nem todas as catástrofes se podem atribuir à alteração climática global. Mas é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos. Pois, sempre que a temperatura global aumenta 0,5 grau centígrado, sabe-se que aumentam também a intensidade e a frequência de fortes chuvas e inundações em algumas áreas, graves secas em outras, de calor extremo em algumas regiões e fortes nevadas ainda em outras” (LD 5).

EM BUSCA DE MAIOR RESILIÊNCIA

Nas últimas décadas, os países e cidades têm pensado em legislações e medidas de resiliência aos “desastres naturais”, como também são chamados os eventos climáticos extremos.

A ONU define como cidades resilientes a estes eventos aquelas “capazes de resistir, absorver, adaptar-se e recuperar-se dos efeitos de um perigo de maneira tempestiva e eficiente, por meio, por exemplo, da preservação e restauração de suas estruturas básicas e funções essenciais”.

Ainda que os estragos causados pelas fortes chuvas no Sul do Brasil e pela estiagem no Norte e Nordeste atestem a baixa resiliência das cidades brasileiras, algumas legislações têm surgido para mudar este panorama.

Após a tragédia climática no Rio Grande Sul (a foto acima é da cidade de Eldorado do Sul, na ocasião), tramitou em tempo recorde no Senado e na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 4.129/2021, de autoria da deputada Tábata Amaral, com vistas a definir regras para a formulação de planos nacionais, estaduais e municipais de adaptação climática. Em junho, o PL se tornou a lei 14.904/24, após a sanção do presidente Lula, estabelecendo diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima, deliberando, entre outros tópicos, sobre a responsabilidade dos entes federativos em identificar, avaliar e priorizar medidas para enfrentamento de desastres naturais; estabelecer prioridades de ação com base em populações e regiões mais vulnerabilizadas; e dar prioridade de apoio a municípios mais vulneréveis e expostos às ameaças climáticas.

Além disso, desde 2012 existe a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – Lei 12.608/2012 –, cujas diretrizes falam, entre outros aspectos, de uma atuação articulada entre os entes federativos para a redução de desastres e o apoio às comunidades atingidas; da abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação; além de atribuir aos municípios a responsabilidade de elaborar um mapeamento sobre as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto e inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; de instituir órgãos municipais de Defesa Civil; e de elaborar um plano de implantação de obras e serviços para a redução de riscos de desastres.

Esta edição do Caderno Laudato si’ – por uma Ecologia Integral apresenta reflexões sobre as perspectivas e os desafios para aumentar a resiliência das cidades brasileiras aos eventos climáticos extremos. E um ponto de partida talvez seja ter em consideração este apontamento do Papa Francisco na já referida encíclica: “Não é conveniente para os habitantes deste planeta viverem cada vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais, mas privados do contato físico com a natureza” (LS 44).

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