No Santo Sepulcro, cristãos de Jerusalém anunciam ao mundo que Cristo ressuscitou

Círio Pascal é acesso em frente ao local da ressurreição de Jesus, na Basílica do Santo Sepulcro (foto: Nadim Asfour/Custódia da Terra Santa)

Celebrar a Vigília Pascal no lugar da Ressurreição de Jesus é um privilégio que a Igreja da Terra Santa tem todos os anos. Já nas primeiras horas deste Sábado Santo, 3, seguindo uma antiga tradição, a comunidade cristã de Jerusalém se reuniu na Basílica do Santo Sepulcro para ser a primeira a anunciar para o mundo: “O Senhor verdadeiramente ressuscitou”. 

A antecipação dessa celebração que no resto do mundo acontece à noite, data de antes do Concílio Vaticano II e foi mantida, por motivos relacionados com o Status Quo, que regula a vida das comunidades cristãs do Santo Sepulcro.

O rito do “lucenário”, no qual é abençoado o fogo novo, no qual é acesso do círio pascal –que representa o Cristo Ressuscitado – diante da porta da Basílica, deu-se início a celebração, vivida com ainda mais intensidade do que de costume. Devido à pandemia de COVID-19, no ano passado, não foi permitida a participação do público nos eventos da Semana Santa. Este ano, os fiéis de Jerusalém participaram da “mãe de todas as vigílias” na “Igreja da Ressurreição (em grego, Anástasis)”, como é conhecida pela população local.

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Desde o fim de fevereiro, o governo israelense tem flexiilizado as restrições de circulação da população, após mais da metade da população ser imunizada e o registro de queda significativa de casos e mortes pelo coronavírus.

“Nestes lugares sagrados do Calvário e da Ressurreição, que foram testemunhas da morte e ressurreição do Senhor, rezamos para que Deus, nosso Pai, realize esta obra de salvação que começou com a Páscoa”, afirmou o Patriarca Latino de Jerusalém, Dom Pierbattista Pizzaballa, que presidiu a celebração.

Ritos

Durante a liturgia da Palavra, sete leituras e sete salmos do Antigo Testamento contaram as maravilhas que o Senhor fez por seu povo. Em seguida, os frades da Custódia da Terra Santa, que guardam o Santo Sepulcro, tocaram os sinos para o momento da “Glória”. Depois da leitura da Carta de São Paulo aos Romanos, foi entoado solenemente o “Aleluia”, omitido durante a Quaresma, para aclamar o Evangelho da Ressurreição. O livro dos Evangelhos foi retirado do interior da Edícula do Santo Sepulcro, simbolizando que o próprio Cristo sai do túmulo para anunciar a Ressurreição.

Patriarca latino de Jerusalém proclama Evangelho da Ressurreição em frente ao Santo Sepulcro (foto: Nadim Asfour/Custódia da Terra Santa)

Segundo uma tradição de Jerusalém, é o Patriarca que canta o Evangelho da Ressurreição diante do Sepulcro vazio. Outra particularidade da Terra Santa é que, na missa solene da Páscoa, no domingo, o Evangelho da Ressurreição é cantado nas versões dos quatro evangelistas, para que precisamente dali, o anúncio da Ressurreição chegue aos “confins da terra”.

Comprar, ver e ir

Na homilia, o Patriarca latino destacou que o fio condutor das leituras do dia é a fidelidade de Deus à sua promessa. Em seguida, ele meditou sobre três verbos do Evangelho: comprar, ver e ir.

Dom Pierbattista salientou que, quando as mulheres vão ao Sepulcro, procuram desde o dia anterior os óleos para um digno sepultamento de Jesus, como manifestação do grande amor que tinham pelo Senhor. 

“O verdadeiro amor é gratuito, não depende das circunstâncias e não conhece a morte. Por isso, querem ir ao Sepulcro, para um último ato de piedade. E compram o que precisam já no sábado à noite. Não esperam o dia seguinte, pegam imediatamente os óleos para um enterro adequado. Elas gastam seu dinheiro para ungir o corpo do amado mestre da Galileia. Elas passaram os últimos anos seguindo Jesus, cuidando dele, e continuam fazendo isso mesmo depois da morte”, disse o Patriarca.

“Hoje, somos convidados a aprender com essas mulheres a viver as perdas, a realmente gastar nossas vidas pelo amor de Cristo, a olhar para a cruz como a medida daquele amor que nos redimiu e para este túmulo vazio como o anúncio de uma vida eterna para todos nós. E a vida eterna já começa aqui, agora. Já fazemos parte dela, porque estamos unidos a ele, ressuscitado”, exortou Pizzaballa.

Testemunhas

O Patriarca ressaltou, ainda, que todos as narrativas bíblicas da Ressurreição usam o verbo “ver”, mesmo que, na realidade, não houvesse nada para ver, pois, o corpo de Jesus não estava mais no túmulo. “Nos Evangelhos não há descrições do evento da ressurreição, mas apenas os sinais dela são mostrados, os encontros com as testemunhas e, finalmente, com o próprio Ressuscitado. No Evangelho de Marcos, o sinal é a pedra do sepulcro já rolada (Mc 16, 4), e a testemunha é o jovem vestido de branco, sentado à direita (Mc 16, 5)”, sublinhou.

“Precisamos de um sinal para ver e de uma palavra para ouvir. Na verdade, nunca seremos capazes de explicar a ressurreição. Nenhuma teoria vai convencer. A ressurreição só pode ser encontrada, só podemos experimentá-la”,  afirmou Pizzaballa, acrescentando que, ainda hoje, as pessoas necessitam de testemunhas que as mostrem os sinais do Ressuscitado entre eles, “que nos anunciem com credibilidade que o mundo já não está nas mãos da morte”.

“As testemunhas de hoje são aquelas que, apesar de todas as adversidades, dores, solidão, enfermidades e injustiças, passam a vida criando oportunidades de justiça, amor e acolhida. São aqueles que sabem perdoar, porque já se sentem perdoados. São aqueles que no silêncio de cada dia dão a vida pelos seus filhos e pelos filhos dos outros, que consideram cada pessoa parte do seu próprio destino e que cuidam dela com amor e paixão, independentemente de si”, completou o celebrante.

O Patriarca latino de Jerusalém salientou que a primeira testemunha é a Igreja, “lugar onde o Ressuscitado nos fala, através dos sacramentos e do anúncio da Palavra”. “O Evangelho hoje nos convida a ser uma Igreja corajosa, que não teme a solidão e a incompreensão, que todos os dias encontra o Ressuscitado e o manifesta serenamente ao mundo com uma palavra clara e segura, com um testemunho livre, decidido e apaixonado”, acrescentou.

Este ano, fiéis puderam participar novamente das liturgias pascais em Jerusalém (foto: Nadim Asfour/Custódia da Terra Santa)

Ir e anunciar 

Em seguida, Dom Pierbattista recordou que, para ver e testemunhar o ressuscitado, é preciso mover-se. “As mulheres logo foram para o Sepulcro, lá viram o túmulo vazio, encontraram a testemunha e de lá foram convidadas a ir até Pedro e aos discípulos e, depois, para a Galileia. O gesto de ver está ligado a ir. Não se encontra o Ressuscitado se não se dirige ao Sepulcro e se fecha nos próprios cenáculos. E, se alguém vê e encontra o Ressuscitado, não pode permanecer imóvel”, afirmou.

Dirigindo-se à comunidade que tem o privilégio de contemplar o lugar da ressurreição, o Patriarca indagou: “E para onde vamos? Viemos aqui várias vezes, ao túmulo vazio de Cristo. Nós o veneramos diariamente, como as mulheres do Evangelho. No entanto, às vezes, parece-me que estamos muito quietos, em todos os sentidos. O que e quem anunciamos? Como o fazemos?”

Pizzaballa acrescentou que, se hoje existe um testemunho mais necessário do que nunca, é precisamente o da esperança. “Os sinais de medo se manifestam, mas não devem impedir nossa caridade. ‘Não tenha medo! Você está procurando Jesus de Nazaré, o crucificado. Ele ressuscitou, não está aqui’ (Mc 16,6). Cristo ressuscitado é a nossa esperança e a isso somos chamados a testemunhar, indo a toda parte, sem parar”, exortou.

“Que a nossa Igreja da Terra Santa, também hoje, experimente o Ressuscitado, viva na sua luz, regozije-se com a sua presença, alimente-se do seu amor e continue a dedicar-se pela vida do mundo”, concluiu o patriarca.

(Com informações da Custódia da Terra Santa e do Patriarcado Latino de Jerusalém)

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