Frei Gregório-Henrique Pinho Chiozzotto, OP, frade dominicano, explica a origem da Ordem do Carmo e o sentido espiritual do Escapulário
Quando se propõe a um frade dominicano falar a respeito de devoções de outras ordens mendicantes, coloca-se um enorme desafio perante ele. É isso que você, caro leitor, está a testemunhar neste texto, mas, como bom dominicano que tento ser, buscarei dar meu melhor para falar sobre Maria Santíssima sob o título de Nossa Senhora do Carmo. Este título não está vinculado a nenhuma aparição, como aconteceu em Fátima (Portugal), Guadalupe (México) e Lourdes (França), mas surgiu a partir da devoção de um grupo específico.
No início do século XI[1], no tempo das Cruzadas, muitos soldados cristãos optaram por retirar-se ao Monte Carmelo – no norte da região da Palestina, atual Israel – para viver uma vida de oração, penitência e austeridade como eremitas. Tal lugar fora escolhido por eles por estar intimamente ligado com a vida de Elias, figura maior dentre os profetas do Antigo Testamento, que inclusive representa-os todos no episódio da Transfiguração de Jesus. No Carmelo, o profeta vence os profetas do – falso – deus fenício Baal, conforme se nos é relatado no 1º Livro dos Reis.
No entanto, a partir do século XIII, com a queda do reino cristão de Jerusalém e as diversas derrotas das Cruzadas, os muçulmanos passaram a perseguir os cristãos em toda Palestina, especialmente os vinculados aos lugares santos, como o Monte Carmelo. Por isso, os eremitas dali precisaram tomar uma decisão entre dois bens: o martírio ou levar adiante seu estilo de vida. Os que, a exemplo dos primeiros cristãos, optaram por testemunhar sua fé em Cristo com a vida, regaram com seu sangue a fé e os propósitos dos que optaram em conservar o carisma carmelita em outras terras, os quais migraram para a Europa, onde o Papa Inocêncio IV adaptou a regra de Santo Alberto de Jerusalém – um dos primeiros eremitas carmelitas – às necessidades da Igreja, sem perder a essência da vida carmelita, e os aprovou enquanto Ordem Mendicante em 1247, sob o título de Nossa Senhora do Carmo – aprovando oficialmente tal título, o qual já existia desde o crescimento da vida eremítica no Monte Carmelo, ainda que não oficialmente aprovado.
Ao longo dos séculos, a Ordem dos Carmelitas cresceu bastante, sofrendo reformas no século XVI pelas mãos de Santa Teresa D’Ávila e São João da Cruz, ambos doutores da Igreja. Junto com ela também cresceu a devoção a Nossa Senhora do Carmo, principalmente por meio do escapulário. E o que seria, de fato, o escapulário? Etimologicamente, a palavra significa “aquilo que se usa sobre a escápula (ombros)”. Na vida religiosa consagrada, algumas ordens e congregações têm o escapulário como parte integrante de seu hábito. Para nós, dominicanos, o seu significado é tanto sinal de trabalho, por ser como um avental que cobre toda frente e as costas da pessoa, quanto de proteção de Maria Santíssima, como uma couraça ou armadura, tanto que ele é abençoado por nossos superiores no dia de nossa primeira profissão – tornando-se, portanto, um sacramental. Para os carmelitas[2], também há o significado de proteção de Maria Santíssima, sendo estabelecido em 1251, após o superior geral dos carmelitas, São Simão Stock, rezar em 16 de julho a Nossa Senhora do Carmo pedindo para que a Ordem, que passava por uma profunda crise, não chegasse ao fim. Neste momento, a própria Mãe de Deus lhe apareceu, entregou o escapulário e prometeu sua materna proteção a todos que o utilizassem com devoção. Essa data, então, tornou-se a festa litúrgica de Nossa Senhora do Carmo.
Inicialmente, portanto, o uso do escapulário estava limitado aos membros da Ordem Carmelita (os frades, na Ordem Primeira, as monjas, na Ordem Segunda, e os leigos e sacerdotes seculares, na Ordem Terceira), como parte integrante de seus respectivos hábitos. No entanto, foi-se ampliando a todos os membros da Igreja Católica e sofrendo alterações, especialmente em relação ao seu tamanho.
Hoje, qualquer sacerdote pode fazer a imposição do escapulário a qualquer fiel, e esta pode ser feita apenas uma vez ao longo da vida do fiel, ainda que se precise trocar o objeto. Ela deve ser feita com o escapulário de pano, mesmo que depois se vá utilizar um de metal. Se o seu escapulário se quebrar ou romper, basta adquirir um novo, solicitar a um padre que o abençoe e voltar a usá-lo normalmente, sem precisar de uma nova imposição. Também, o objeto, para aqueles que não fazem uso do hábito carmelita, é como uma corrente de pescoço contendo, em uma ponta, a imagem de Nossa Senhora do Carmo e, na outra, a de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tal devoção está ligada, também, a alguns benefícios espirituais a quem o utiliza com devoção, e não como um amuleto ou por cega superstição[3]. O primeiro deles é a proteção de Maria Santíssima, tanto nesta vida quanto no julgamento final, como ela própria prometeu a São Simão Stock. Depois, ela prometeu abreviar o tempo de purgatório aos que o utilizassem, no que chamamos de Privilégio Sabatino, ou seja, no sábado seguinte à morte do que usa o escapulário, ele será liberto do purgatório. É evidente que esta é uma linguagem simbólica, porque na eternidade (céu, purgatório e inferno) não há contagem de tempo, por isso o “tempo” que passamos no purgatório é suficiente apenas para sermos libertos das penas temporais de nossos pecados, ou até que se nos lucrem indulgências suficientes para nossa alma. Também há indulgências parciais para os que o usam diariamente, e plenárias para os que o impõem na festa de Nossa Senhora do Carmo (16/07), de São Simão Stock (16/05), de Santo Elias (20/07), de Santa Teresinha (01/10), de Santa Teresa D’Ávila (15/10), de todos os santos carmelitas (14/11) e de São João da Cruz (14/12).
Se você ainda não recebeu a imposição do santo Escapulário, procure recebê-la. Nossa Senhora do Carmo, Flor do Carmelo, rogai por nós!
Por Frei Gregório-Henrique Pinho Chiozzotto, OP
[1] “Origem do Carmelo”, site do Carmelo Cristo Redentor (São José – SC). Disponível em: <https://carmelocristoredentor.org.br/nossa-historia/origem-do-carmelo/>.
[2] Fr. Edimar Fernando Moreira, O. Carm, “Escapulário de Nossa Senhora do Carmo: Uma reflexão pastoral e espiritual”. Disponível em: <https://carmelitas.org.br/escapulario-de-nossa-senhora/>.
[3] Uma monja carmelita, “O Escapulário de Nossa Senhora do Carmo”. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/o-escapulario-de-nossa-senhora-do-carmo?gad_source=1&gclid=Cj0KCQjwir2xBhC_ARIsAMTXk87pFNpgsV5BfuqHFBEyB6sDANBojyF5aIIuAqd-13yi8U0pOZrGwskaAugMEALw_wcB>.