Oito séculos depois, os presépios continuam a renovar a esperança da humanidade

Surgida na Itália no século XIII, a tradição se mantém viva e ganha novas interpretações ao longo do tempo

Giacomo Podetti/visittrentino.info

Um casal, um recém-nascido, animais ao redor, um local simples e improvisado: retratar a realidade daquela Noite Santa em que Jesus veio para ficar entre os homens sempre foi motivo de interesse ao longo das gerações. 

Os primeiros registros históricos do presépio datam do século III, quando os cristãos se reuniam nas catacumbas e, por meio de cenas simples com inscrições simbólicas, desenhavam imagens de Maria com o Menino Jesus no colo. 

A partir do século XV e ao longo da Idade Média, presépios foram pintados por artistas como Botticelli, Giotto e Piero della Francesca e exibidos em igrejas. Como a população não sabia ler, era necessária uma descrição visual não somente do nascimento de Jesus, como também de outras passagens de sua vida. 

No entanto, o primeiro presépio no sentido moderno da palavra é atribuído a São Francisco de Assis. Em 1220, ele fez uma peregrinação à Terra Santa para visitar o local do nascimento de Jesus. Ficou tão impressionado que pediu permissão ao Papa Honório III para deixar seu mosteiro e encenar um presépio, o que aconteceu na cidade de Greccio, na região do Lazio, em 1223, quando o fundador da Ordem Franciscana representou a Natividade em um pequeno bosque da região. 

Passados mais de 800 anos, os presépios continuam a ser uma fonte de encantamento e esperança para pessoas em todo o mundo, e a maneira de se retratar o nascimento de Jesus ganha novos contornos, sobretudo na Itália, berço desta tradição, conforme O SÃO PAULO apresenta em alguns exemplos a seguir. 

Giacomo Podetti/visittrentino.info

OSSANA: A ALDEIA DOS PRESÉPIOS 

O período de Natal em Ossana (foto), uma pequena aldeia com apenas 850 habitantes no Norte da Itália, se torna ainda mais evocativo pela 25ª edição de seu festival de presépios, que este ano conta com mais de 1,6 mil versões, nas ruas e becos que desembocam no Castelo de San Michele, uma edificação medieval que foi reaberta ao público em 2014. 

Todos os presépios são feitos à mão por associações de voluntários, escolas, artistas e moradores locais, em criações únicas e irrepetíveis, com materiais que vão da madeira ao tecido, e utilizam também folhas e sementes. Muitos deles são visíveis tanto durante o dia quanto à noite, quando tudo é iluminado apenas por lamparinas a óleo e o itinerário de visitação é indicado por uma corda vermelha, o que torna o cenário na vila da montanha ainda mais agradável. 

Entre os presépios mais significativos, destacam-se a Natividade Móvel (ao lado da Igreja de San Vigilio, retratando cenas da vida cotidiana que remontam a várias décadas), a Natividade da Grande Guerra (dentro do Castelo de San Michele, conta uma história real que aconteceu na véspera de Natal durante a Primeira Guerra Mundial em uma trincheira), a Natividade Monte Giner (criado para marcar o 60º aniversário do trágico acidente de avião que ocorreu em 22 de dezembro de 1956 no Monte Giner), o Presépio dos Direitos das Mulheres (na exposição, todas as mulheres vítimas de violência e feminicídio são particularmente lembradas) e também a coleção de 900 presépios expostos na Casa dos Afrescos. Aos fins de semana, há concertos e encenações natalinos. 

La Gazzeta Italiana/Reprodução da Internet

NÁPOLES: DIFUSORA DA TRADIÇÃO 

Embora a tradição tenha surgido na cidade de Greccio, na região do Lazio, é a cidade de Nápoles que carrega fama mundial por esse costume. Essa herança é tão grande que a capital da Campânia abriga uma rua dedicada a lojas de itens para presépios, a via San Gregorio Armeno, com movimento intenso de janeiro a dezembro, e trabalha para inaugurar futuramente um museu permanente sobre o tema. 

Rosario Bianco, professor da Universidade Pegaso e membro do Conselho Administrativo da Fundação Santo Afonso Maria de Ligório – Museu Permanente dos Presépios de Nápoles, afirmou à revista Comunità Italiana que as reproduções são mais que uma tradição na cidade e representam sua “arte, história e espiritualidade”. 

Todos os anos, artesãos napolitanos criam figuras em homenagem a personalidades importantes, como políticos, músicos e esportistas, e as colocam nos presépios da cidade. “É curioso como esses personagens estão ao lado de pastores ou figuras históricas e lendárias. Acho que é uma maneira de a cidade homenagear figuras que têm um significado importante no imaginário coletivo, ou expressar aquela veia satírica que sempre caracterizou esse povo”, contou Bianco. 

AS VERSÕES FLUTUANTES DE CESENATICO 

Desde 1986, na cidade costeira de Cesenatico, na Emilia-Romagna, cujo porto foi projetado por Leonardo da Vinci, é montado um presépio único no mundo: não há grutas, sinos, montanhas com neve ou ovelhas que servem como cenário para a Natividade, mas antigas e coloridas embarcações do Mar Adriático que, sobre as águas, abrigam a Sagrada Família, os Reis Magos e todos os outros personagens do presépio, em companhia de golfinhos esculpidos que anunciam o nascimento do Menino Jesus, e podem ser admiradas do cais. 

Não se trata somente de imagens tradicionais encontradas nos presépios, mas de escorços inspirados na vida das pessoas comuns de um vilarejo de pescadores que contam, por meio dessas estátuas, a vida de uma cidade: pescadores, carpinteiros, crianças, músicos, feirantes, entre outros. 

NA LOMBARDIA, UM PRESÉPIO SUBMERSO 

Na cidade de Laveno-Mombello, na Lombardia, em 1975, na noite de Natal, o mergulhador Ovidio Garolla decidiu colocar uma imagem de Jesus de 40 centímetros, intitulada “Cristo do abismo”, em uma gruta natural submersa, escavada na rocha. 

No ano seguinte, a imagem foi trazida à tona e abençoada pelo padre local, antes de ser colocada de volta na água. Esta simples cerimônia repetiu-se durante mais três anos, até 1979, ano em que um grupo de mergulhadores decidiu montar um presépio submerso e visível a todos nas águas do Lago Maggiore. 

Foram esculpidas as três primeiras estátuas em tamanho natural com pedra branca de Vicenza, representando Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus. 

Nos anos seguintes, graças às generosas doações, o presépio submerso foi enriquecido com novos personagens, atingindo a sua composição atual: 42 estátuas de pedra branca em tamanho natural, colocadas em cinco plataformas diferentes, que atraem milhares de devotos e turistas de todo o mundo. 

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