Papa ao clero do Sudão do Sul: os pastores devem estar no meio do povo

Pontífice teve encontro com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e seminaristas, em Juba, capital do país, na manhã do sábado, 4

A Catedral de Santa Teresa, cuja construção começou em 1952, foi o local do encontro do Papa Francisco com o clero, na manhã do sábado, 4, em Juba, capital do Sudão do Sul, onde o Pontífice chegou na sexta-feira, 3, como parte de sua 40a viagem apostólica internacional. Anteriormente, o Santo Padre esteve na República Democrática do Congo no começo desta semana.

O encontro do sábado foi iniciado com um canto local, prosseguiu com o testemunho de um padre e de uma religiosa e foi concluído com a fala do Papa Francisco, que fez alusão às águas do Rio Nilo, que atravessa o Sudão do Sul, bem como recorreu à história de Moisés.

“Quero olhar de novo para as águas do Nilo mas numa perspectiva bíblica. Por um lado, no leito deste curso de água, vertem-se as lágrimas de um povo imerso no sofrimento e na dor, torturado pela violência; mas, por outro lado, as águas do grande rio fazem-nos lembrar a história de Moisés e, por isso, são sinal de libertação e salvação. Na verdade, Moisés foi salvo daquelas águas e, conduzindo o seu povo pelo meio do Mar Vermelho, tornou-se instrumento de libertação, ícone do socorro de Deus que vê a aflição dos seus filhos, ouve o seu clamor e desce para os libertar”, afirmou o Papa.

“Tendo diante dos olhos a história de Moisés, que guiou o Povo de Deus por meio do deserto, perguntemo-nos que significa ser ministros de Deus numa história permeada pela guerra, o ódio, a violência e a pobreza”, prosseguiu.

A EXEMPLO DE MOISÉS

O Papa, recordou, então, duas atitudes de Moisés: a docilidade e a intercessão. “A primeira coisa que impressiona na história de Moisés é a sua docilidade à iniciativa de Deus”. O Pontífice explicou, porém, que nem sempre foi assim, e que o profeta  por um tempo tentara combater sozinho a injustiça e a opressão chegando ao ponto de decidir fazer justiça sozinho, matando um egípcio que estava a maltratar um judeu. Por isso teve que fugir permanecendo muitos anos no deserto.

“Qual foi o erro de Moisés? Pensar que era ele o centro, contando apenas com as suas forças. Deste modo, porém, ficou prisioneiro dos piores métodos humanos, como aquele de responder à violência com a violência”, comentou o Papa, alertando: “Algo semelhante pode acontecer às vezes também na nossa vida de sacerdotes, diáconos, religiosos e seminaristas: no fundo, pensamos que somos nós o centro, que podemos confiar-nos – se não na teoria, pelo menos na prática – quase exclusivamente à nossa perícia”.

Diante disso, ressaltou: “A nossa obra vem de Deus: Ele é o Senhor e nós somos chamados a ser instrumentos dóceis nas suas mãos”.

“Moisés – continuou o Pontífice –  aprende isto quando, um dia, Deus vem ao seu encontro, aparecendo-lhe ‘numa chama de fogo, no meio da sarça’. Moisés deixa-se atrair, coloca-se numa atitude de docilidade deixando-se orientar pelo fascínio daquele fogo”.

Francisco lembrou, então, que é a docilidade que serve aos ministros ordenados: “aproximar-se de Deus cheios de maravilha e humildade, deixar-se atrair e guiar por Ele; dar a primazia não a nós, mas a Deus, para nos confiarmos à sua Palavra em vez de nos servir das nossas palavras, para acolhermos docilmente a sua iniciativa em vez de apostar nos nossos projetos pessoais e eclesiais”. E enfatizou: “Este deixar-nos plasmar docilmente é que nos faz viver de maneira renovada o ministério”.

COM DEUS, ENTRE AS REALIDADES TEMPORAIS

O Papa exortou os sacerdotes a fazer o mesmo que Moisés fez diante da presença de Deus: “descalcemos as sandálias, com humilde respeito, despojemo-nos da nossa presunção humana, deixemo-nos atrair pelo Senhor e cultivemos o encontro com Ele na oração”.

Com tal atitude, Moisés, purificado e iluminado pelo fogo divino, tornou-se instrumento de salvação para o seu povo que sofre, sendo capaz de interceder pelos seus irmãos. “Deus compassivo não fica indiferente ao clamor do seu povo, mas desce para o libertar. Deus vem para o meio de nós chegando ao ponto de assumir, em Jesus, a nossa carne, experimentar a nossa morte e descida à mansão dos mortos. Sempre desce para nos levantar”.

“Interceder não significa simplesmente ‘rezar por alguém’, como muitas vezes pensamos. Etimologicamente significa ‘dar um passo para o meio’, dar um passo de modo a colocar-se no meio duma situação”, detalhou. “Interceder é descer para se colocar no meio do povo, ‘fazer-se ponte’ que o liga a Deus”, prosseguiu, exortando:

“Os pastores são chamados a desenvolver precisamente esta arte de ‘caminhar no meio’: no meio das tribulações e das lágrimas, no meio da fome de Deus e da sede de amor aos irmãos. Nunca devemos exercer o nosso ministério visando ao prestígio religioso e social, mas caminhando juntos no meio do povo; é colaborando entre nós, ministros, e com os leigos que se aprende a ouvir e dialogar. Quero repetir aquela importante palavra: juntos. Bispos e padres, padres e diáconos, pastores e seminaristas, ministros ordenados e religiosos (nutrindo sempre respeito pela maravilhosa especificidade da vida religiosa. Procuremos entre nós vencer a tentação do individualismo, dos interesses parciais”.

TRÊS IMAGENS

Ainda falando sobre o Moisés e a intercessão, o Papa recordou três imagens que são narradas nas Sagradas Escrituras: Moisés com a vara na mão, Moisés com as mãos estendidas, Moisés com as mãos erguidas para o céu.

“A primeira imagem, Moisés com o bastão na mão, diz-nos que ele intercede com a profecia”. E Francisco faz um apelo: “Irmãos e irmãs, para interceder a favor do nosso povo, também nós somos chamados a erguer a voz contra a injustiça e a prevaricação, que esmagam as pessoas e valem-se da violência para, à sombra dos conflitos, melhor gerir os próprios negócios”.

E o Papa enfatizou: “Se queremos ser pastores que intercedem, não podemos permanecer neutrais face ao sofrimento provocado pela injustiça e as violências, porque, onde quer que uma mulher ou um homem seja ferido nos seus direitos fundamentais, é ofendido Cristo”.

Falando da segunda imagem, de Moisés com as mãos estendidas, o Papa recordou que elas são o sinal de que Deus está prestes a intervir: “As suas mãos estendidas indicam a proximidade de Deus que está em ação e acompanha o seu povo. De fato, para libertar do mal, não basta a profecia, é preciso estender os braços para os irmãos e irmãs, apoiar o seu caminho”, disse. “Também nós temos esta tarefa: estender as mãos, incitar os irmãos, recordar-lhes que Deus é fiel às suas promessas, exortá-los a prosseguir”.

“As nossas mãos foram ‘ungidas com o Espírito’ não só para os ritos sagrados, mas também para encorajar, ajudar, acompanhar as pessoas a sair daquilo que as paralisa, isola, assusta”, afirmou o Pontífice

E quanto à terceira imagem, as mãos levantadas para o céu, o Papa ressaltou que quando o povo caiu no pecado e construiu um bezerro de ouro, Moisés volta a subir ao Monte e pronunciou uma oração “que é uma verdadeira luta com Deus para que não abandone Israel”.

O Papa chama a atenção para o fato de que Moisés, “coloca-se da parte do povo até ao fim, levanta a mão em seu favor. Não pensa em salvar-se sozinho, não vende o povo em troca dos seus interesses!”. Nesse sentido, lembrou o Papa: “Sustentar as lutas do povo com a oração diante de Deus, atrair o perdão, ministrar a reconciliação como canais da misericórdia de Deus que perdoa os pecados: é a nossa tarefa de intercessores!”.

“Faço votos, queridos irmãos e irmãs, de que sejais sempre generosos pastores e testemunhas, armados apenas de oração e caridade, que docilmente se deixam surpreender pela graça de Deus e se tornam instrumentos de salvação para os outros; profetas de proximidade que acompanham o povo, intercessores com os braços erguidos”.

Fonte: Vatican News

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