Papa Francisco vai à Mongólia, um país entre a Rússia e a China e de minoria católica

Viagem apostólica prossegue até a segunda-feira, 4. Não mais do que 1,5 mil pessoas são batizadas na Igreja Católica, que tem feito um trabalho evangelizador intenso após o Cristianismo ser cerceado por sete décadas, devido ao alinhamento do país ao regime soviético

Papa durante a audiência geral da quarta-feira, 30 de agosto

O Papa Francisco embarca para a Mongólia, no continente asiático, na tarde da quinta-feira, 31, para a 43a viagem apostólica de seu pontificado.

O país, cujos católicos não perfazem mais do que 1,5 mil batizados, receberá um pontífice pela primeira vez em sua história.

A chegada do Papa à Mongólia está prevista para a manhã da sexta-feira,  dia 1o  (no horário local – ainda noite de quinta-feira no Brasil). No sábado, 2, pela manhã, haverá a cerimônia de boas-vindas, além de encontros com as autoridades locais, membros da sociedade civil e do corpo diplomático.

Ainda no sábado, o Papa se encontrará com bispos, sacerdotes, missionários, consagrados e agentes pastorais na Catedral dos Santos Pedro e Paulo. No domingo, 3, pela manhã, o Pontífice participará de um encontro ecumênico e inter-religioso; e à tarde, presidirá missa no espaço “Steppe Arena”.

A visita será concluída na segunda-feira, 4, com um encontro com agentes de caridade e a inauguração da casa da misericórdia. No começo da tarde, no horário local, o Papa retornará a Roma. Todas as atividades do Papa serão realizadas na capital Ulan Bator (com 11 horas a frente do horário de Brasília) – veja a programação completa ao fim da reportagem.

“Essa é uma visita muito desejada que será uma oportunidade para abraçar uma Igreja pequena em números, mas vivaz na fé e grande na caridade; e também para conhecer de perto um povo nobre e sábio, com uma grande tradição religiosa que terei a honra de conhecer, especialmente no contexto de um evento inter-religioso. Gostaria agora de me dirigir a vocês, irmãos e irmãs da Mongólia, dizendo que estou feliz por viajar para estar entre vocês como um irmão de todos”, afirmou o Papa, no domingo, 27, na oração do Angelus.

EXPECTATIVAS

O lema desta viagem apostólica é “Esperar juntos”, pelo qual se deseja destacar seu duplo significado: uma visita tanto pastoral quanto de estado. Portanto, a escolha foi por uma “virtude puramente cristã (a esperança), mas amplamente partilhada também em ambientes não cristãos, associando-a ao advérbio juntos, para sublinhar a importância da colaboração bilateral entre a Santa Sé e a Mongólia”, explica o comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé.

“Esperar juntos” é “um ideal comum e também um elemento” que pode marcar a viagem, ressalta a Santa Sé: “A presença do Santo Padre representa para esta pequena porção do povo de Deus um sinal de grande esperança e incentivo e, por outro lado, a Igreja na Mongólia, com a sua pequenez e marginalidade, pode oferecer um sinal de esperança para a Igreja universal”.

O Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, em entrevista às mídias do Vaticano, lembrou que apesar de a comunidade católica ser reduzida na Mongólia, ela é “jovem, viva, fascinante por sua história e composição peculiares. Além disso, a dimensão inter-religiosa será muito significativa, em um país que tem uma grande tradição budista”, observou.

O Cardeal Parolin recordou, ainda, que após séculos de ausência do catolicismo no país – já que a Mongólia viveu sobre a influência geopolítica da União Soviética, embora não tenha sido parte de seu território – os primeiros missionários chegaram na década de 1990 e começaram a celebrar nos lares e “sentiram que o caminho a seguir deveria ser o caminho da caridade e abraçaram a população local como se fosse seu próprio povo. Assim, depois de apenas algumas décadas, existe uma comunidade católica no sentido literal do termo, ou seja, uma comunidade ‘universal’, composta por membros locais, mas também por membros de vários países, que, com humildade, mansidão e senso de pertença, desejam ser uma pequena semente de fraternidade”.

O Secretário de Estado do Vaticano lembra ainda que a própria presença do Papa na Mongólia, que faz fronteira com a Rússia, é um convite à paz. “Esta visita traz em si o apelo ao respeito por todos os países, sejam eles pequenos ou grandes, à observância do direito internacional, à renúncia ao princípio da força para resolver as controvérsias, à construção de relações de colaboração, de solidariedade e de fraternidade entre vizinhos e com todos os países do mundo”.

Um dos momentos centrais da visita acontecerá no domingo, 3, quando o Papa participará de um evento ecumênico e inter-religioso no Teatro Hun com representantes do xamanismo, xintoísmo, budismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo e outras confissões. De acordo com Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, a atividade será um sinal da vocação da humanidade para a coexistência pacífica.

Catedral dos Santos Pedro e Paulo

O CRONOGRAMA DA VISITA DO PAPA À MONGÓLIA

*Conforme o horário de Brasília

Quinta-feira, 31
13h30 –  Saída do Aeroporto de Roma
23h – Chegada ao Aeroporto Chinggis Khaan e recepção oficial

Sexta-feira, 1
22h – Cerimônia de boas vindas
22h30 – Visita de cortesia ao presidente da Mogólia no Palácio de Estado
23h20 – Encontro com as autoridades, com a sociedade civil e com o corpo diplomático na Sala ‘Ikh Mongol’ do Palácio de Estado

Sábado, 2
0h – Encontro com o presidente da grande assembleia estatal
0h10 – Encontro com primeiro ministro
5h – Encontro com bispos, sacerdotes, missionários, consagrados e agentes de pastoral na Catedral dos Santos Pedro e Paulo
23h – Encontro Ecumênico e Inter-religioso no ‘Hun Theatre”

Domingo, 3
5h – Missa na Steppe Arena
22h30  – Encontro com os agentes da Caridade e Inauguração da Casa de Misericórdia

Segunda-feira, 4
0h30 – Cerimônia de despedida no Aeroporto Chinggis Khaan
1h – Partida do Aeroporto
12h30  – Chegada a Roma

UM PERFIL SOBRE A MONGÓLIA

A Mongólia é um país da Ásia Centro-Oriental sem saída para o mar e faz fronteira com a Rússia e a China.  Tem uma população de 3,3 milhões de habitantes, que vive em um território cinco vezes menor do que a Itália.

Na capital, Ulan Bator, vivem 1,452 milhão de habitantes. A maioria da população da Mongólia é budista (53%). Há ainda muçulmanos (3%), xamãs (3%), cristãos (2%), católicos (0,04%) e ateus (39%).

A Mongólia foi uma província chinesa entre o século XVII e o ano de 1921, quando se tornou independente com a ajuda da União Soviética. A República Popular da Mongólia foi proclamada em 1924. Ao longo das décadas, o país sempre se manteve sob influência soviética, com atualizações de acordos geopolíticos e comerciais. A democracia, porém, só seria instaurada no fim dos anos 1980, com o colapso da União Soviética, e efetivada em 1992, com a proclamação de uma nova constituição. 

Desde então, houve transição de poder por meio de eleições. O atual presidente da Mongólia, Ukhnaagiin Khürelsükh, tomou posse em 25 de junho de 2021. O país mantem relações com a Rússia e a China, por meio de tratados geopolíticos e comerciais. Também tem acordos com o Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e a União Europeia.

A IGREJA NA MONGÓLIA

Cardeal Giorgio Marengo com católicos em Ulan Bator

As raízes do Cristianismo na Mongólia remontam ao século X, graças à difusão até ao Extremo Oriente das comunidades nestorianas de tradição siríaca, embora a sua presença no território ao longo dos séculos tenha sido descontínua.

O primeiro missionário cristão do Ocidente autorizado a entrar no país foi o padre dominicano francês Barthélémy de Crèmone, que chegou em Karakorum em 1253 durante uma missão diplomática em nome do rei da França.

Em 1922, o Papa Pio XI erigiu a Missão sui iuris da Mongólia Exterior (correspondente à atual República da Mongólia), diminuindo o território do Vicariato Apostólico da Mongólia Central, na China (hoje Diocese de Chongli-Xiwanzi), renomeada em 1924 Missão sui iuris de Urga.

Com o surgimento da República Popular da Mongólia, em 1924, alinhada à União Soviética, toda presença cristã no território foi cancelada, algo só revertido a partir de 1992, quando a nova República da Mongólia, nascida da Revolução Democrática de 1990, estabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé e foi erigida na Missio sui iuris de Ulan Bator, confiada aos Missionários do Imaculado Coração de Maria (conhecidos como Missionários de Scheut). À frente da missão desde o seu início estava o missionário filipino Wenceslao Padilla (falecido em 2018), nomeado por São João Paulo II em 2002 vigário apostólico e depois prefeito apostólico de Ulan Bator em 2003.

Quando os três primeiros missionários de Scheut chegaram à capital mongol em 1992, não havia sequer um único católico na Mongólia e o trabalho da “implantatio Ecclesiae” teve que começar do zero, no meio a dificuldades linguísticas e culturais.

O seu trabalho de apostolado e o de outras congregações religiosas que neste meio tempo chegaram à Mongólia, apoiado também financeiramente pela Igreja coreana deu seus frutos, como indica o lento mas constante aumento de convertidos ao catolicismo neste país de tradição budista e o interesse manifestado por um número crescente de jovens fiéis pelo sacerdócio e pela vida consagrada. Em 1995, havia apenas 14 católicos mongóis.

Como explicou o atual prefeito apostólico de Ulan Bator, o Cardeal Giorgio Marengo, a história da Igreja na Mongólia nestas três décadas pode ser dividida aproximadamente em três fases. A primeira, de 1992 a 2002 (quando a Missão foi elevada por São João Paulo II a Vicariato Apostólico), marcada por pequenos mas significativos progressos, sobretudo no campo da promoção humana. A segunda década viu o nascimento e o enraizamento das primeiras comunidades cristãs locais, enquanto a terceira década é simbolizada pela ordenação do primeiro sacerdote mongol, Padre Joseph Enkhee-Baatar, em 2016.

Hoje são cerca de 1,5 mil batizados na Igreja Católica, distribuídos por oito paróquias e uma capela, num total de mais de 60 mil cristãos de várias denominações. Eles são assistidos por um bispo, 25 sacerdotes, incluindo dois mongóis, seis seminaristas, mais de 30 religiosas, cinco religiosos não sacerdotes e 35 catequistas. Os agentes pastorais são de cerca 30 nacionalidades.

A atividade predominante na obra missionária continua a ser o empenho nos campos social, educacional e de saúde. Em 2020 existia um instituto técnico, duas escolas primárias e duas creches, uma clínica médica que oferece tratamento e medicamentos aos mais carentes, um centro para pessoas com deficiência e dois institutos para acolher idosos abandonados e pobres. Cada paróquia também iniciou projetos de caridade que se somam aos da Caritas Mongolia, abrindo refeitório e chuveiros públicos, serviços de reforço escolar, cursos destinados à população feminina.

Este trabalho de promoção humana é apreciado pelas autoridades locais e tem contribuído para consolidar as boas relações entre o governo local e a Santa Sé, como confirma o acordo assinado em 2020 pelo Embaixador da Mongólia junto à Santa Sé e o Arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais, para intensificar a colaboração no âmbito cultural entre os dois Estados, por meio da abertura do Arquivo Apostólico do Vaticano aos pesquisadores mongóis.

As relações com outras religiões também são boas e em particular com as autoridades religiosas budistas, enraizadas na antiga tradição de tolerância e abertura que remonta ao império de Genghis Khan e confirmadas pela primeira visita oficial ao Vaticano, em 28 de maio de 2022, de uma delegação da Autoridade Budista da Mongólia acompanhada pelo cardeal Giorgio Marengo.

De acordo com o Cardeal Marengo, um dos principais desafios da Igreja Católica no país é ajudar os fiéis a aprofundar a sua fé e a torná-la cada vez mais ligada à vida cotidiana. Outra tarefa é promover a comunhão e a fraternidade entre os missionários das diversas congregações e as demais comunidades cristãs presentes no país. E, não menos importante, continuar a proclamar corajosamente o Evangelho à sociedade mongol, onde, após longas décadas de ateísmo estatal durante o regime comunista, 39% da população ainda se declara não religiosa.

(Com informações de Vatican News – edição de texto: Daniel Gomes/O SÃO PAULO)

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