Perseguidos, presos e mortos por serem cristãos

Relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) mapeia situações de encarceramento injusto e sequestro dos que professam a fé cristã

Usar um símbolo da fé cristã, participar da missa ou do culto ou simplesmente ser reconhecido como cristão é altamente perigoso para mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Elas têm sofrido perseguições de grupos radicais e governos e são ameaçadas para que se convertam forçosamente à religião predominante de uma nação, na maioria dos casos o Islã. Também são acusadas, injustamente e sem provas, de blasfemar contra uma expressão de fé. Não raro, o desfecho é que esses cristãos sejam presos, sequestrados, violentados e até mortos.

Situações como essas estão mapeadas no relatório “Presos em nome da fé”, produzido pela Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), que atua em auxílio aos cristãos perseguidos, oprimidos ou em necessidade pastoral. O documento detalha situações verificadas na China, Eritreia, Nigéria e Paquistão, além de mencionar casos no Irã, Mianmar, Coreia do Norte e Egito.

A íntegra pode ser acessada no link a seguir: https://cutt.ly/YmqVCNG.

Ainda pior com a COVID-19

O estudo, lançado em novembro de 2020, traz também uma análise dos efeitos dos primeiros meses da pandemia de COVID-19 para esses cristãos perseguidos.

Encarcerados em condições insalubres, eles estão mais expostos ao coronavírus. Além disso, com o fechamento total ou parcial dos tribunais, tem havido atraso no julgamento dos que estão presos.

O noticiário sobre a COVID-19 também fez com que diminuísse a atenção da comunidade internacional para o problema, abrindo caminho para o aumento da perseguição.

Outro complicador é que com a transmissão dos cultos pela internet, em decorrência das limitações para a participação presencial, os governos autoritários aumentaram a vigilância e a repressão daqueles que participam de atividades religiosas consideradas ilegais. Somados à repressão estatual, há os ataques de grupos radicais – em especial de extremistas islâmicos – às comunidades cristãs.

Padre Denny George é preso pela polícia indiana em frente à Catedral do Sagrado Coração, em Nova Deli, na Índia, em fevereiro de 5 de fevereiro, após participar de protesto contra o ataque a igrejas no país (foto: ACN)

Sequestros de jovens cristãs e conversão forçada na Nigéria

De acordo com o relatório, a cada ano mais de 220 cristãos são capturados e aprisionados por milícias jihadistas na Nigéria, no continente africano. Em abril de 2020, radicais Fulani sequestraram 13 cristãos no estado de Kaduna, mataram outros 13 e fizeram com que mil pessoas fugissem de suas casas.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) calcula que, entre 2013 e 2018, o Boko Haram, organização terrorista e fundamentalista que procura impor a lei islâmica no país, sequestrou mais de mil menores. Foi o que aconteceu com 110 alunas adolescentes de um colégio em Dapchi, em fevereiro de 2018. Leah Sharibu era a única cristã entre elas. Todas foram libertadas tempos depois, menos Leah, que se recusou a renunciar à fé cristã. Sua mãe, Rebecca Sharibu, ainda hoje espera que sua filha seja resgatada.

Também no início de 2020, quatro seminaristas católicos foram sequestrados em Kaduna. Três deles foram libertados, menos Michael Nnadi, de 18 anos, que foi morto, segundo o assassino, por não ter parado de pregar o Evangelho. “Para nós, cristãos, parece correto dizer que somos todos hoje homens e mulheres marcados”, disse Dom Matthew Kukah, Bispo de Sokoto, no funeral do seminarista.

Prisões e julgamentos injustos no Paquistão

A detenção injusta de cristãos também ocorre no Paquistão, no sul da Ásia. “No que diz respeito ao Estado, o uso indevido institucional das leis de blasfêmia do Paquistão resulta em um número desproporcional de cristãos acusados de crimes em que as evidências contra eles são fracas”, aponta o relatório da ACN.

Outra situação preocupante é o sequestro de meninas cristãs e hindus que são violentadas sexualmente, lançadas à prostituição, sofrem violência doméstica ou são traficadas.

Em 2018, na província de Sindh, aconteceram mil casos de conversão forçada dessas meninas, que depois eram dadas em casamento a homens muçulmanos.

Um caso emblemático é o de Maira Shahbaz (foto acima). Aos 14 anos, ela foi sequestrada, estuprada, forçada a renunciar à fé cristã e obrigada a um casamento falso. O caso chegou à Justiça do país. O abusador apresentou um falso certificado de casamento com Maira e disse que ela já tinha 19 anos. O tribunal deu a ele ganho da causa por mais de uma vez. Somente após Maira ter fugido do cativeiro e relatado os abusos e tentativas de conversão forçada é que o Supremo Tribunal de Lahore, em agosto de 2020, ordenou que a polícia lhe oferecesse segurança. Ela e a família estão escondidas, temendo por suas vidas.

“Embora em alguns casos as famílias tenham sucesso em libertar suas meninas nos tribunais, frequentemente as cortes favorecem o sequestrador, especialmente nos casos em que a idade exata da menina é colocada em questão”, informa o relatório.

Tratamento desumano a cristãos presos na Eritreia

Na Eritreia, na África oriental, estima-se que ao menos mil cristãos estejam presos injustamente, em condições insalubres, e sofrendo violências físicas e assédios para renunciar à fé. “Além de contêineres de transporte, esses centros de detenção incluem celas subterrâneas e prisões ao ar livre, no deserto. O acesso ao atendimento médico é insuficiente e, muitas vezes, negado, como punição”, informa a ACN.

Um exemplo é o que ocorre com Abunas Antonios, atualmente com 91 anos. Logo após ter se tornado Patriarca da Igreja Ortodoxa Tawahedo, em 2004, o governo local pediu que excomungasse 3 mil pessoas de uma escola dominical ortodoxa. Ele não o fez. Meses depois, criticou o encarceramento de três padres ortodoxos e exigiu que o governo libertasse os cristãos acusados de traição. Em janeiro de 2006, ele foi removido do cargo por se opor à interferência do governo nos assuntos eclesiásticos. No ano seguinte, sua insígnia de patriarca foi confiscada. Em maio de 2007, foi removido à força de sua casa e permanece detido em local não revelado.

Prisão aos que se opõem à interferência do governo chinês na Igreja

Na China, o Partido Comunista busca controlar as ações da Igreja Católica e tem forçado os clérigos e leigos a ingressar na Associação Patriótica Católica (CPA), controlada pelo governo.

“Prisões de grupos cristãos que frequentavam cultos em igreja domiciliar foram registradas em abril e junho de 2020 – com um total de 45 pessoas detidas”, informa o relatório da ACN. Padres e pastores encarcerados têm sido torturados, passado fome e até impedidos de dormir regularmente. Existem ainda relatos de extração de órgãos, sem a autorização da família, dos que falecem nos cárceres.

Dom James Su Zhimin, Bispo de Baoding, está preso desde 1996. Há rumores de que já tenha morrido, mas o governo chinês se recusa a dar informações aos familiares. Se vivo estiver, está com 88 anos de idade. Naquele ano, ele enviou uma carta ao governo chinês, pedindo liberdade religiosa e respeito aos direitos humanos básicos. Foi preso enquanto participava de uma procissão.

Os Padres Zhang Guilin e Wang Zhong, da Diocese de Chongli-Xiwanzi, foram detidos pelas autoridades chinesas em outubro de 2018. Eles se recusaram a ingressar na CPA. Até hoje, nada se sabe sobre o paradeiro dos sacerdotes.


Cristãos são atacados, em 2013, por extremistas islâmicos em Colônia Joseph, no Paquistão, após serem acusados de blasfemar contra o Islã (foto: Michael Massey – extraído do relatório ‘Presos em nome da fé’, produzido pela ACN)

EM OUTROS PAÍSES

No texto de apresentação do relatório “Presos em nome da fé”, são mencionados sequestros e prisões injustas de cristãos em outros quatro países:

Egito: jovens cristãs cooptas têm sido sequestradas e obrigadas a se casar com sequestradores não cristãos. Estima-se que entre 2 mil e 3 mil meninas desaparecem por dia na Faixa de Gaza.

Coreia do Norte: cerca de 50 mil cristãos são mantidos em campos de trabalho, vivendo sob péssimas condições e trabalhando forçosamente na produção de itens para o programa nuclear e balístico daquele país.

Mianmar: os cristãos têm sido vítimas de campanhas de perseguição. Desde 2018, as autoridades locais interrogaram e detiveram cem pastores e recrutaram à força estudantes cristãos.

Irã: em julho de 2020, agentes de inteligência da Guarda Revolucionária do país realizaram uma operação coordenada em três cidades – Karaj, Malayer e na capital Teerã –, que resultou na prisão de 12 cristãos.

PRÁTICAS E TERMINOLOGIAS RELACIONADAS À DETENÇÃO INJUSTA:
 
Prisioneiros de consciência: encarcerados por suas crenças religiosas, de forma pacífica e sem indício de violência;
 
–  Detenção arbitrária: presos sem acusação (sem processo legal devido);
 
– Julgamento injusto: os que estão sujeitos a um julgamento de ‘show’ [em que o rito legal é apenas aparentemente seguido], ou que estão impedidos de se defender em julgamento;
 
– Condições de prisão inadequada: superpopulação, confinamento solitário, falta de comida, facilidades de higiene ou água limpa, privações de sono;
 
– Tortura: prática de abusos físicos, incluindo espancamento;
 
– Pressão à conversão: aqueles que são forçados por seus captores a escolher entre sua fé e a liberdade; ou que estão sujeitos ao ridículo ou atormentados por sua fé.
 
Fonte: ACN
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