Santo Antônio, o pregador

Celebrado em 13 de junho, o frade franciscano se notabilizou pelos sermões que proferiu na fase final de sua vida

Conhecido, na piedade popular, por interceder a Deus para a realização de muitos milagres – isso sem contar os episódios inexplicáveis que teria feito em vida, como a pregação aos peixes quando fora ignorado por hereges – Santo Antônio, nascido em Lisboa, em 1195, e morto em Pádua, Itália, em 1231, deixou como legado uma série de sermões, que proferiu a partir de 1222, nos quais são encontradas cerca de 6 mil citações bíblicas, menções dos grandes padres da Igreja e alusões às ciências naturais.

O sermões do Santo, que morreu com apenas 36 anos e foi proclamado doutor universal da Igreja em 1946 pelo Papa Pio XII, são de grande profundidade teológica, mas compreensíveis pela maioria das pessoas, graças às muitas analogias que utilizava.

Por ocasião da memória litúrgica do Santo, 13 de junho, o jornal O SÃO PAULO apresenta trechos de alguns destes sermões (com algumas palavras em negrito, referentes às temáticas abordadas).

Ricardo-Frantz/Wikimedia Commons

“Tu, quando quiseres rezar ou fazer alguma coisa de bom – e é nisto que consiste o orar sem cessar’ – entra em teu quarto, isto é, no segredo do teu coração, e fecha a porta dos cinco sentidos para não desejar nem ser visto nem ser escutado nem ser louvado. Com efeito, diz Lucas (1,9) que Zacarias entrou no templo do Senhor na hora do incenso. No tempo da oração ‘que se eleva à presença do Senhor como o incenso’ (Salmo 140,2), tu deves entrar no templo do teu coração e orar ao teu Pai e ‘o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará’ (Mt 6,6)”.

“A Andorinha significa o demônio, por causa do seu voo muito rápido, cuja soberba vai alçar voo até as nuvens, acima dos astros do céu e até a igualdade com o Pai e a semelhança com o Filho. A Andorinha faz o ninho dos demônios, porque ela consente, realmente, na vanglória”.

“O avestruz, que tem asas, mas devido à grandeza de seu corpo, não pode voar, é a figura da hipocrisia. Inflado pelo apego às coisas terrenas, se camufla de falcão, fingindo elevar-se à contemplação com as asas de uma falsa religiosidade”.

“Deveis guardar a unidade, de modo que sejais um só corpo a servir o próximo e um só espírito com Deus, querendo o que Ele quer ou, então, um só espírito os irmãos, com os quais se tenha o mesmo querer e o mesmo não querer. O hidrópico, isto é, luxurioso e avarento não conserva esta unidade. Mancha o corpo e sufoca o espírito com os espinhos da avareza. Se fosse ligado com o vínculo da paz e com a corda da unidade, nunca teria caído no poço. Mas por crescer duma e doutra coisa, jaz no poço do desespero”.

“O pecado de Adão foi a destruição e a enfermidade do gênero humano. Consiste ele em três coisas: Gula, vangloria e avareza. Donde o verso: A vanglória, a gula e a concupiscência venceram o velho Adão. Estes três vícios aparecem no Gênesis: Disse a serpente à mulher: no dia em que dele comeres, abrir-se-ão os vossos olhos, eis a gula; sereis como deuses, eis a vanglória; conhecendo o bem e o mal, eis a avareza”

“O penitente habitua-se (porque o hábito é uma segunda natureza) a saltar os silvados, isto é, a desprezar as riquezas das coisas temporais, e os boqueirões, as delícias do corpo, e por isso se chama veado solto. Ninguém se faz de repente um às, e, por isso, pouco a pouco devemos habituar-nos a desprezar as riquezas e as delícias. O hábito adquire-se com o uso, [Ovídeo] e um filósofo escreveu: Acabarão os vícios se nos habituarmos a interrompê-los [Sêneca]. E noutro lugar: O caminho mais curto para ser rico é o desprezo das riquezas [Sêneca]. E noutro lugar ainda: Sou maior e nascido para coisas maiores do que para ser escravo do meu corpo [Sêneca]”.

“Assim  como  o  raio  do  sol  descendo  do  sol,  ilumina  o  mundo  e,  todavia,  não  se afasta nunca do sol, também o Filho de Deus, descendo do Pai, iluminou o mundo e, contudo, não se afastou nunca do Pai, porque faz um todo com o Pai; ele mesmo o disse em São João: Eu e o Pai somos um só”

“O ofício dos  anjos  é  duplo.  Uma  coisa  é  assistir  e  outra  é  servir:  Assistem  aqueles  que  não  saem  a anunciar  aos  homens;  servem  aqueles  que  vêm  executar  o  ofício  de  mensageiros”.

Padua
Estátua de Santo Antônio em Lisboa

O Batismo e o falso cristão – Há três momentos a considerar no vinagre. Primeiro, foi amargo; depois, vinho depurado; finalmente, deteriorou-se em vinagre. O mesmo acontece com o falso cristão: antes do Batismo, foi uva agreste e amarga, porque infiel. Todos, como diz o Apóstolo, nascemos filhos da ira. Recebido o Batismo, o homem tornou-se vinho odorífero por meio da fé. Mas depois deteriorou-se em vinagre pelo pecado mortal. Segundo o étimo latino, vinagre tira o nome do fato de ser picante, ou então, de se assemelhar à água. O vinho, de fato, misturado com água, toma depressa este sabor. Também dele deriva a palavra ácido, parecida aliás com agudo. Quando qualquer fiel se mistura com a água do prazer carnal, depressa se transforma no vinagre do pecado mortal. E quanto em si está, dá-o de beber a Cristo, não já pendente na cruz, mas a reinar no céu”.

“Nota que o sacerdote deve propor ao pecador na confissão quatro coisas: Se tem dor e arrependimento dos pecados por atos e omissões; se humildemente quer observar a penitência imposta por ele; se tem o firme propósito de não voltar no futuro a pecar moralmente; se está disposto a satisfazer ao próximo, a perdoar-lhe de coração e amá-lo. Se está disposto a praticar essas quatro coisas, então, deve dar-lhe penitência e absolvê-lo; de contrário, não”.

“O prelado deve ser como o pelicano, o qual, segundo se conta, mata os seus filhos, mas depois extrai o sangue do próprio corpo e o derrama sobre os filhos mortos e desta forma os faz reviver. Assim o prelado deve chamar os seus filhos, isto é, os seus súditos, os quais corrige com o flagelo da disciplina e mata com a espada da áspera reprimenda. Deve chamá-los, repito, à penitência, que é vida da alma, com o seu sangue, ou seja, com o espírito compungido e com derramamento de lágrimas, sangue da alma, no dizer de Santo Agostinho”.

“Dizem que o filho da cegonha ama tanto o pai que, ao vê-lo envelhecer, sustenta-o e alimenta-o. Isso faz por instinto. Também nós devemos sustentar o nosso Pai nos seus membros débeis e doentes e alimentá-lo nos pobres e necessitados”.

“… segundo diz Salomão nas Parábolas, a sanguessuga tem duas filhas que dizem: Traze, traze. A sanguessuga é o diabo, sequioso do sangue das nossas almas, que deseja sugar. Tem duas filhas, as riquezas e as delícias, que não cessam de dizer: Traze, traze e nunca: basta”.

Maria não afugenta nenhum pecador, antes, recebe a todos os que se refugiam nela e, por isso, é chamada Mãe de Misericórdia: é misericordiosa para com os miseráveis, é esperança para os desesperados”.

“O burro selvagem passa a ideia de quem não compreendeu nem sabe agir, por isso significa o penitente que, no átrio da Igreja, leva com paciência o peso da penitência”

Soberbo astuto -O homem prova-se na boca do adulador. A injúria recebida mostra o  que  cada  um  é  por  dentro.  Diz-se  em  Ciências  Naturais  que  um  certo  animal pequeno  vai  ao  lugar  por  onde  entram  as  abelhas,  sopra  fortemente  nele  e  fica  à espera que saiam. Quando alguma delas quiser voar, apanha-a e come-a. Também o soberbo e astuto vai ao lugar por onde entram as abelhas, isto é, considera a vida e os costumes, as palavras e as obras dos justos”.

“Hevilat interpreta-se parturiente e significa a Sagrada Escritura, a qual é como a terra, que primeiramente produz a erva, depois a espiga e, finalmente, o grão maduro na  espiga. A  erva  constitui  a  alegoria,  que  edifica  a  fé,  segundo  o  dito:  Produza  a terra  erva  verdejante;  na  espiga,  chamada  assim  de spiculus (ponta), entende-se  a moralidade, que informa os costumes e com a sua doçura transpassa e fere o ânimo; no grão maduro, figura-se a anagogia que trata da plenitude do gozo e da felicidade angélica”.

“Penitentes, Pobres e Humildes – Os três dias são a penitência, a qual consiste na contrição, na confissão e na satisfação. Acerca deste tríduo, diz Moisés no Êxodo: ‘Nós faremos viagem de três dias no deserto, para sacrificarmos ao Senhor nosso Deus’. Depois deste tríduo, José e Maria, isto é, os penitentes de espírito, os pobres e os humildes, encontrarão Jesus no templo da Jerusalém celeste. Isto é o que se diz no Gênesis: o copeiro-mor, depois de três dias, foi restituído ao seu antigo lugar”

“Parábola do anel de outo –Lê-se no Passionário de São Sebastião que um rei possuía um anel de ouro, ornado com uma joia preciosa, que lhe era muito querido. Um dia caiu-lhe do dedo a uma cloaca, o que muito o penalizou. E não encontrando alguém que lhe pudesse tirar dali o anel, depondo os vestidos da dignidade real, desceu à cloaca vestido de saco, procurou o anel durante muito tempo, encontrou finalmente o que procurava e, alegre, trouxe para o palácio o achado. O Rei é o Filho de Deus; o anel, o gênero humano; a joia no anel, a preciosa alma no homem. Este caiu do gozo do Paraíso, como do dedo de Deus, na cloaca do Inferno. O Filho de Deus muito se doeu dessa perda. Para recuperar o anel procurou entre os Anjos e entre os homens, e não encontrou, porque ninguém foi capaz. Então depôs os vestidos, aniquilou-se a si mesmo, tomou o saco da nossa miséria, procurou por trinta e três anos o anel, finalmente desceu ao inferno e aí encontrou Adão com a sua posteridade, e, muito alegre, levou consigo o achado para os gozos eternos”.

“Observe-se que uma coisa é subir, outra é ser levado. Quem sobe, sobe por própria virtude;  aquele,  porém,  que  é  levado,  é  levado  por  virtude  de  outrem.  Cristo,  por virtude própria, subiu ao céu; todos os outros são levados com o auxílio dos Anjos”.

Quem está cheio das glórias do mundo se assemelha à bexiga que, cheia de vento, parece maior do que é; basta uma picadinha da agulha da morte e se verá o pouco que é”

“O coração profundo é o coração do que ama, do que deseja, do contemplativo, do desprezador das coisas inferiores. Quando te aproximas de tal coração com passos devotos. Deus é exaltado, não em si, mas em ti; a sua exaltação é a intensidade do teu amor, é a elevação do teu espírito”.

(Com informações dos livros ‘Sermões de Santo Antônio de Pádua – Do Domingo da Septuagésima a Pentecostes’ – Paulus Editora 2021; e ‘Santo António. Obras completas’ – Lello & Irmão, 2000)

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