Há mais de 800 anos, a Ordem dos Frades Menores (franciscanos) está presente na Terra Santa. Em uma região historicamente marcada por conflitos e guerras, esses religiosos têm enfrentado perseguições e até o martírio, não apenas para preservar os lugares sagrados por onde Jesus passou, mas também para manterem vivas a tradição e a fé no berço do Cristianismo.
A Custódia da Terra Santa, como é chamada a instituição da Igreja Católica mantida pelos franciscanos, é responsável pelo cuidado da maioria dos lugares santos na Palestina, em Israel, na Jordânia, na Síria, no Chipre, em Rhodes e no Egito.
História
Em 1217, ao organizar os frades de sua ordem em províncias pelo mundo, São Francisco criou a Província da Terra Santa, no lugar onde “o verbo de Deus se encarnou”. Em 1219, o próprio Santo de Assis quis ir a essa região, acompanhando a Quinta Cruzada. Nessa ocasião, manifestou o desejo de encontrar-se com o Sultão Egípcio, Melek-el-Kamel, com quem estabeleceu uma relação de amizade que garantiu a permissão da presença dos frades em Jerusalém. “São Francisco foi um cruzado sem armas”, afirmou, ao O SÃO PAULO, o Frei Bruno Varriano, Guardião da Basílica da Anunciação.
Em 1333, o Rei Roberto d’Angiò e a Rainha Sancia di Maiorca, de Nápoles, na Itália, adquiriram junto aos muçulmanos a possibilidade de os franciscanos celebrarem missa no local do Santo Sepulcro, além de providenciar a construção de uma igreja no Cenáculo, local da Última Ceia e da vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos, em Pentecostes. O reconhecimento jurídico por parte da Santa Sé, estendido aos outros santuários, veio apenas em novembro de 1342, pelo Papa Clemente VI. Até então, os frades atuavam na região de forma “clandestina”.
‘Status quo’
Ao longo da história, a vida nos lugares santos foi diretamente influenciada pelos diferentes momentos políticos da Terra Santa, sobretudo durante o período entre 1500 e 1800, quando os turcos otomanos comercializaram diversas vezes os locais dos santuários. Durante os séculos XVII e XVIII, os cristãos gregos ortodoxos e católicos mantiveram contínua disputa sobre a posse de alguns santuários, como o Santo Sepulcro, o Túmulo de Maria e Belém. Somente em 8 de fevereiro de 1852, foi assinado um acordo com o nome de “Status quo”, que define a quem pertence a propriedade dos lugares santos.
O “Status quo” determina, ainda, de forma concreta, os espaços de cada igreja cristã dentro dos santuários, os horários e os tempos das funções, os deslocamentos, os percursos, bem como o modo pelo qual devem ser realizados. Além dos católicos romanos, as comunidades oficiais no Santo Sepulcro são: os ortodoxos gregos, armênios, coptas e sírios. Essas comunidades se orientam segundo um calendário próprio para cada rito.
Na Terra Santa também há a presença das igrejas católicas de rito oriental, como os católicos greco-melquitas, além de cristãos luteranos e anglicanos.
Pedras vivas
Dentre as missões da Custódia estão a de promover a liturgia na Terra Santa, acolher os peregrinos que chegam de todas as partes do mundo para rezar, manter as estruturas dos lugares santos e o seu correto funcionamento. Ali trabalham cerca de 300 religiosos em 58 santuários que sustentam iniciativas culturais, como a Escola Bíblica e de Arqueologia do Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém.
Primeiro Papa a visitar a Terra Santa, em 1964, São Paulo VI definiu que as pedras dos lugares santos são o “Quinto Evangelho”.
“Deus nos amou na história, na encarnação, nos amou em sua morte de cruz, do nascimento crescendo em Nazaré. É a vida de Jesus concreta que nós tocamos, não só os lugares santos”, ressaltou Frei Bruno.
Além de cuidar das pedras que guardam a memória de Jesus, é também responsabilidade da Custódia da Terra Santa zelar pelas “pedras vivas”: as comunidades cristãs que, embora sejam minoria, vivem ali. São numerosas as atividades formativas e sociais da Custódia para o suporte da presença cristã na Terra Santa: paróquias, escolas, ambulatórios, construção de casas, ajuda para combater as diversas formas de pobreza.
Para manter todas essas obras, na Sexta-feira Santa, a Igreja Católica no mundo todo participa da coleta destinada aos lugares santos.
Atividades
A evangelização na Terra Santa, em alguns momentos da história, foi promovida até em favor dos fiéis da religião islâmica, seja em forma de evangelização pessoal como coletiva. Empenho este que sempre trouxe resultados diferentes, algumas vezes tendo como consequência a morte de alguns frades. Foram mortos, em 1391, os quatro mártires canonizados pelo Beato Paulo VI no dia 21 de julho de 1970: Nicolò Tavelich (croata), Stefano da Cuneo (italiano) e Deodato da Rodez e Pietro da Narbona (franceses).
“Nós temos uma lista de 2.800 franciscanos mártires em 800 anos. Mártires de sangue e mártires de caridade”, acrescentou Frei Bruno, reforçando que os últimos pontífices que visitaram a Terra Santa – São João Paulo II, Papa Bento XVI e Papa Francisco – reforçaram que a presença dos frades da Custódia não é apenas franciscana, mas é a presença da Igreja Católica.
(Reportagem publicada originalmente em 13 de setembro de 2017)