A Espiritualidade Carmelita a partir de seus doutores

Nossa Senhora do Carmo é comemorada no dia 16 de julho. Padroeira da Ordem do Carmo, o São Paulo apresenta a grande contribuição dessa ordem para a espiritualidade a partir da obra dos seus três doutores da Igreja: Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face.

Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em Ouro Preto, Minas Gerais (crédito: Prefeitura de Ouro Preto)

A história da espiritualidade é composta por diversas escolas que ensinaram caminhos distintos para chegar ao fim comum a todos os batizados: a santidade. Se a doutrina católica, como expresso pelo documento Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, afirma que todos são chamados à santidade, a história das diferentes correntes de espiritualidade pode ajudar na concretização dessa vocação. O exemplo e os ensinamentos daqueles que nos precederam e atingiram esse objetivo podem nos iluminar, incentivar e guiar para que nós, também, alcancemos o mesmo fim.

A espiritualidade da Escola Carmelita, da Ordem dos Carmelitas, certamente, é uma das mais relevantes. O teólogo Royo Marín chega a afirmar que é a “mais importante escola de mística experimental que os séculos conheceram”. A sua importância decorre, principalmente, da vida e doutrina de três santos e doutores da Igreja: Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face. O que há de comum nos escritos dos três santos é o que caracteriza o cerne da Escola Carmelita: uma espiritualidade contemplativa, que se ordena a uma união íntima com Deus por meio do desprendimento, do recolhimento e da vida contínua de oração.

Entretanto, apesar de, num primeiro momento, a espiritualidade carmelita aplicar-se mais a monges do que a leigos que vivem no mundo, uma de suas características mais marcantes e que faz dela uma escola relevante é que seus ensinamentos podem ser aplicados por todos, independentemente do estado de vida de cada batizado. Principalmente a partir de Santa Teresinha, a compreensão do que é a vida contemplativa se expandiu para que todos pudessem ter acesso a ela. Dessa forma, conhecer a doutrina desses três santos poderá ser útil a todos que buscam a santidade.

SANTA TERESA DE JESUS (1515-1582)

Santa Teresa de Jesus nasceu em 1515 na cidade de Ávila. Desde criança, demonstrou um grande desejo pela santidade. Entrou no Carmelo de Ávila em 1536. Quando tinha 39 anos, teve uma experiência mística com Jesus a partir da contemplação de uma imagem do Cristo chagado e, a partir desse momento, entregou-se com ardor redobrado à vida espiritual. Após essa experiência, Santa Teresa começou a obra de reforma do Carmelo, com o intuito de renovar a espiritualidade carmelita que, à época, tinha se desviado de suas raízes.

A vida de Santa Teresa não pode ser resumida em poucas linhas, entretanto é a partir dela que é possível entender sua doutrina, que expressou, principalmente, em três de seus livros: o Livro da Vida; o Caminho de Perfeição e o Castelo Interior. Sua preocupação nessas obras não era apresentar uma teologia acabada e detalhada sobre a vida espiritual, mas, simplesmente, descrever seu caminho pessoal até a união íntima com Deus.

Por isso mesmo, seus livros contêm um caráter prático, que ajuda as almas a entender o estado em que se encontram e a superar as dificuldades para a atingirem a santidade de vida. A sua famosa descrição da alma como um castelo, que contém sete moradas, influência até hoje a espiritualidade. Teresa descreve a vida espiritual como um caminho das primeiras moradas do castelo interior até a sétima morada, que se localiza no centro do edifício, onde o próprio Deus habita e de onde Ele nos chama.

A Santa concebeu a vida cristã como um processo de interiorização do homem até unir-se inteiramente a Deus no centro do castelo interior. Para atingir as moradas mais profundas, Teresa aponta a oração como meio essencial, pois a santidade é, antes de tudo, obra de Deus, e a oração é o meio que abre a alma para a Sua graça. Nesse ponto, a doutrina de Santa Teresa atinge sua maior profundidade e utilidade para os cristãos, o que lhe rendeu o epíteto de “mestra da oração”.

A classificação dos diferentes tipos e graus de oração feita pela Santa, principalmente no Livro da Vida e no Castelo Interior, segundo Royo Marín, não pode ser comparada a de ninguém que precedeu Teresa. Conceitos ainda recorrentes na espiritualidade atual, como oração vocal, mental, meditação, recolhimento e tantos outros foram expressos com maestria por Santa Teresa, o que justifica seu título de Doutora da Igreja, concedido por São Paulo VI em 1970.

A utilidade de Santa Teresa se estende a todos os cristãos, inclusive aos leigos, pelo fato de ela ser contra esquemas rígidos e regras fixas para a vida espiritual. Teresa sempre valorizou a individualidade de cada alma e, se aponta um caminho para a santidade, entendeu que cada pessoa pode trilhá-lo a partir de seu estado de vida e de suas particularidades. Todos são chamados à vida contemplativa e, nisso, Santa Teresa precedeu em séculos a doutrina que seria reafirmada no Concílio Vaticano II.

SÃO JOÃO DA CRUZ (1542-1591)

A vida e doutrina de São João da Cruz sempre estiveram unidas a Santa Teresa. Ambos empreenderam juntamente a reforma do Carmelo. Além disso, as doutrinas de ambos se explicam e complementam mutuamente.

Em primeiro lugar, Santa Teresa, apesar de, em muitos lugares, descrever a necessidade do esforço e do desprendimento para atingir a santidade de vida, destaca mais os graus de oração e suas experiências profundas de amor a Deus. São João, por sua vez, em seus livros, descreve com mais profundidade e detalhes a necessidade do asceticismo e do desprendimento das coisas criadas para que a alma viva somente de Deus e de Seu amor.

Além disso, São João da Cruz não se contenta em descrever a vida espiritual a partir de sua experiência particular, como faz Santa Teresa. Ele procura, também, dar os fundamentos teológicos e filosóficos de sua doutrina. Precisamente por seu caráter científico, é mais fácil resumir a doutrina de São João da Cruz que a de Santa Teresa. Os livros a Subida do Monte Carmelo e Noite Escura são os mais conhecidos do Santo, nos quais descreve e explica a sua espiritualidade.

São João da Cruz parte de dois princípios fundamentais: Deus é tudo; a criatura, nada. Disso, depreendem-se duas consequências: é necessário desprender-se totalmente das criaturas, que são nada; e a alma deve unir-se intimamente a Deus por amor, pois Ele é Tudo.

Entretanto, quando o Santo afirma que é necessário desprender-se totalmente das criaturas, ele não afirma que todos os batizados devem abandonar efetivamente todas as coisas para serem santos. Ao contrário, sua doutrina prioriza o desprendimento afetivo ou de coração. Isso quer dizer que o pensamento de São João da Cruz, como o de Santa Teresa, também pode ser colocado em prática por todos os batizados. Poucos são chamados a abandonar efetivamente todas as coisas para seguir Jesus; entretanto, todos são chamados a desprender seu coração das criaturas para amar, em primeiro lugar, a Deus.

O esforço de desprender-se das criaturas não significa um desprezo egoísta pelo coisas e pelas pessoas. Ao contrário, leva a um amor ao próximo e à criação de Deus que não se fundamenta nos apegos, mas, sim, no próprio amor generoso de Deus por todos. 

O desprendimento que a alma deve ter das coisas criadas leva ao ponto central da espiritualidade de São João da Cruz: a união com Deus pelo amor. Na obra Cântico Espiritual, o Santo expõe a união íntima de amor que Deus deseja ter com todas as pessoas. Essa união transforma a alma, faze-a participar da vida divina de amor, de tal forma que a “alma mais parece Deus que alma”. É a vida que São Paulo expressou quando disse: “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).

Essa segunda parte da doutrina de São João da Cruz faz perceber que ele não é apenas o Santo dos nadas e do desprendimento, como, às vezes, costuma-se afirmar; ao contrário, ele é o santo da união perfeita da alma com Deus, a que todos são chamados, desde que se entreguem a Ele com generosidade.  

SANTA TERESA DO MENINO JESUS E DA SAGRADA FACE (1873-1897)

Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, conhecida popularmente como Santa Teresinha, pode ser considerada a santa que, de maneira mais clara e evidente, universalizou a todos os batizados a vida contemplativa e a santidade.

Sua obra, comparada às de Santa Teresa e São João da Cruz, é pequena, apesar de não perder em profundidade em relação a elas. O cerne da doutrina de Teresinha é a chamada Infância Espiritual.

A primeira constatação da Santa é de que Deus é amor e, por esse motivo, alegra-se quando vê uma alma pequena que dependa inteiramente d’Ele, como uma mãe que se alegra ao cuidar do filho pequeno. Disso, surgem a confiança e o abandono filial da alma em relação a Deus.

A humildade, portanto, é a virtude que a Santa buscou primeiro possuir, já que é por meio dela que se pode atingir a pequenez necessária para permitir que Deus demonstre Seu amor por nós. Para atingir essa humildade, é necessária uma grande fidelidade ao pequeno e às obrigações do próprio estado de vida. A alma reconhece ser incapaz de realizar as grandes obras dos santos e, por isso, se empenha em cumprir as pequenas obrigações cotidianas.

Assim, Santa Teresinha não concebe os deveres cotidianos como um fim em si mesmo, mas como um meio para atingir a pequenez e humildade necessárias para tocar diretamente o coração amoroso de Deus.

O sonho da Santa era apresentar-se a Deus com “as mãos vazias”, pois, dessa forma, Deus poderia derramar todo o seu Amor em sua alma. Isso não significa que a alma não deve fazer nada, mas que ela deve, antes de tudo, fazer-se pequena.

No que diz respeito à oração, a espiritualidade de Teresinha abre as portas da contemplação, de vez, a todos os batizados. A oração consiste, antes, em estar na presença de Deus com extrema confiança, como uma criança diante de seu pai. Não consiste em falar muito ou em sentir muito, mas, simplesmente, em amar e confiar muito. É uma oração que consiste, antes de tudo, em um simples olhar a Deus. Por essa razão, Santa Teresinha adicionou a seu nome a “Sagrada Face”, pois sua oração consistia em contemplar, sem palavras, a face amorosa de Deus. Entretanto, para atingir esse simples olhar, é necessário procurar constantemente a Deus, sem desanimar.

Assim, Teresinha pode ser considerada a Doutora da Igreja que abriu um caminho, que ela chamou de Pequena Via, de santidade e contemplação aos batizados de todos os estados de vida, sejam religiosos, padres, casados ou celibatários, pois seu caminho não é o das grandes obras ou mortificações, mas da pequenez e da humildade.

FONTES: Os grandes mestres da vida Espiritual – Royo Marín, editora Eclessiae; Teu amor cresceu comigo – Beato Maria-Eugênio, Editora Paulus

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