Comunicação acessível: Um direito e uma possibilidade

Na segunda-feira, 21, comemorou-se o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, que tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do desenvolvimento de meios de inclusão das pessoas com deficiência (PcDs) na sociedade.

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/15), também conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é considerada PcD quem “tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. A deficiência atinge diferentes níveis e pode ser classificada em quatro tipos: física, auditiva, visual e mental.

O atual contexto da pandemia apenas evidenciou os muitos desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência.

O principal deles é a acessibilidade. Se antes as dificuldades mais percebidas eram em relação à mobilidade, o isolamento social mostrou outro grande obstáculo: o da comunicação.

Confinadas em casa, como a maioria da população, as PcDs também precisam recorrer aos meios e tecnologias da comunicação para realizar atividades cotidianas, relacionadas ao trabalho, educação, compras, relacionamentos, vivência da fé, lazer. No entanto, assim como ainda há insuficiência de rampas, corrimãos, elevadores, calçadas niveladas e sinalização nas ruas para as pessoas com deficiência, faltam recursos e, mais do que isso, uma cultura da comunicação que lhes favoreça a acessibilidade, sobretudo daquelas que têm deficiência auditiva e visual.

DIREITO

A Lei Brasileira de Inclusão considera, ainda, a comunicação como uma “forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos, os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações”.

“É fundamental que cada um olhe o outro como a si mesmo, colocando-se no seu lugar e agindo da forma mais adequada. Os ouvintes, quando se comunicam com pessoas surdas, devem interpretar a Libras como uma das linguagens essenciais à comunicação, e não achar que é algo secundário; afinal, ela é a primeira língua de mais de 160 mil pessoas apenas no Brasil”, destacou Adriana Peres Almeida Santos, uma das autoras de um estudo publicado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) sobre a acessibilidade da informação para PcDs.

O SÃO PAULO apresenta, a seguir, os principais recursos e linguagens de acessibilidade de comunicação.

BRAILLE

O sistema Braille é um processo de escrita e leitura baseado em símbolos em relevo, resultantes da combinação de pontos dispostos em colunas, por meio dos quais é possível fazer a representação tanto de letras quanto de algarismos e sinais de pontuação.

Há mais de 70 anos, a Fundação Dorina Nowill, em São Paulo, tem um trabalho voltado à integração social do cego na sociedade. Na área de acesso à comunicação, a instituição conta com uma das maiores gráficas braille do mundo. Além de livros didáticos e literários, são impressos cardápios, catálogos, cartões de visita, contas de consumo, entre outros materiais.

Para as pessoas com baixa visão, são produzidos impressos com fonte ampliada (letras grandes) e alto contraste. Outro formato é o tinta-braille, que une os dois recursos, permitindo que pessoas cegas, com baixa visão e disléxicos utilizem o mesmo material.

ÁUDIO

Outro recurso essencial é o áudio, que consiste na conversão do conteúdo de materiais impressos, como livros, bulas, contratos, jornais e revistas para uma versão gravada na voz humana.

A audiodescrição traduz imagens em palavras, permitindo que pessoas cegas ou com baixa visão consigam compreender conteúdos audiovisuais, como filmes, fotografias, peças de teatro, liturgias e eventos em geral. Feito ao vivo ou gravado, esse recurso é mais do que simplesmente ouvir o que está sendo dito nos diálogos ou discursos, mas, como o nome diz, descrever o que está acontecendo, de modo que a pessoa “veja” os detalhes daquilo que não é audível.

Também é desenvolvido, na Fundação Dorina Nowill, o trabalho de adaptação de conteúdos para a versão em áudio. Com o auxílio de locutores profissionais, é feita a gravação de impressos diversos. No caso da gravação de uma revista, por exemplo, o locutor não apenas lê em voz alta o que está escrito nas reportagens e artigos, mas descreve os elementos gráficos, como fotografias, diagramação e cores.

LIBRAS

As pessoas com deficiência auditiva contam com o recurso da Língua Brasileira de Sinais, de modalidade gesto-visual, por meio da qual é possível se comunicar com gestos, expressões faciais e corporais. É considerada uma língua oficial do Brasil desde 2002, sendo, portanto, uma importante ferramenta de inclusão social.

Atualmente, o Ministério das Comunicações exige “recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência, na programação veiculada nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e de retransmissão de televisão”. Além da janela de Libras, os recursos de acessibilidade obrigatórios na televisão brasileira incluem a legenda oculta (closed caption), a dublagem e a audiodescrição.

SOFTWARES DE LEITURA

Também as novas tecnologias oferecem recursos indispensáveis para a comunicação das PcDs. Os leitores de tela são softwares que transformam automaticamente os textos em áudios, permitindo que uma pessoa com deficiência visual tenha acesso ao que está sendo apresentado pela mídia digital.

Esses recursos podem funcionar de três formas: lendo toda a página, somente os links ou apenas os cabeçalhos. Vai depender da maneira como o usuário opta por fazer a navegação.

Para facilitar o funcionamento desses softwares, é importante que os sites sejam desenvolvidos de forma que permitam a “leitura” e conversão do texto em áudio. Um desses cuidados é, por exemplo, com a descrição das imagens publicadas na página, que pode ser feita por meio de uma legenda visível ou por meio de um formato que somente esses leitores digitais reconhecem.

#PRACEGOVER

Muitos sites de páginas nas redes sociais adotam a prática de, ao divulgar uma imagem ou vídeo, disponibilizar uma descrição daquele material para que a pessoa com deficiência visual tenha acesso ao que foi publicado, acompanhada da hashtag que já se popularizou: #PraCegoVer.

PARA OS SURDOS

Também existem ferramentas tecnológicas criadas para suprir as necessidades das pessoas com deficiência auditiva. “Como alguns surdos possuem dificuldade para formular a mensagem e a estrutura de frases mediante a linguagem escrita, foram desenvolvidos programas que possibilitam escrever por meio de símbolos, que imitam gestos utilizados na Libras. Estes recursos se baseiam nos mecanismos dos chats, messengers ou softwares que possibilitam a conversa instantânea entre duas pessoas”, destacou Adriana Peres.

Aplicativo Hand Talk traduz textos e áudios para Libras

CELULARES

Cada vez mais indispensáveis, os smartphones também possuem recursos de acessibilidade para as pessoas com deficiência. São várias as opções e interfaces que dão acesso às funções para que esse público utilize os celulares de forma adaptável.

Para pessoas com deficiência auditiva, existem alguns recursos de fábrica, como: compatibilidade com aparelhos auditivos; alternativas visuais ao som, como legendas e transcrições; alertas visuais para diversas funções, como ligar e desligar, bateria fraca, recebimento de chamada etc.; e ajuste do volume automático de acordo com o nível de ruído externo.

Para os usuários de Libras, existe um aplicativo que traduz simultaneamente texto e áudio em linguagem de sinais e vice-versa, sendo útil para surdos e ouvintes que desejam se comunicar com pessoas com deficiência auditiva. Todo o texto digitado ou falado no aplicativo é interpretado por uma personagem virtual que dá vida a essa funcionalidade.

NA TELA

Já as pessoas com deficiência visual contam com recursos como: resposta tátil e sonora das teclas; identificação sonora de cada tecla quando pressionada; reconhecimento de fala para realização de chamadas; menu acessível por comando de voz; controle de brilho e de contraste da tela; zoom no navegador; leitura de SMS integrada.

Os smartphones também oferecem recursos de leitores de tela que descrevem tudo o que aparece no visor. Por meio do comando de voz, também é possível enviar mensagens, fazer ligações ou pesquisar na internet.

Alguns sistemas operacionais oferecem um recurso que apresenta respostas por voz aos usuários com deficiência visual. Além de ajudar na navegação do celular, o aplicativo descreve as ações e alertas de notificações recebidas e permite o uso de gestos simples para ativar funções mais complexas.

(Colaborou: Jenniffer Silva)

Acessibilidade econômica

Arthur Acosta Baldin

Além do desenvolvimento de tecnologias e linguagens, as pessoas com deficiência precisam de acessibilidade às condições para usufruir desses equipamentos e recursos. Concretamente, isso significa a necessidade de políticas públicas inclusivas. Contudo, em um País que, por exemplo, ocupa o 34ª lugar no ranking mundial de inclusão digital da população, esse é um longo caminho a ser percorrido.

A atriz cadeirante Mona Rikumbi destacou à reportagem que, enquanto se discute, por exemplo, a isenção de taxas para a aquisição de um carro zero-quilômetro, “não se pensa em um celular mais acessível, ainda que este seja essencial para uma pessoa com deficiência estar conectada com o mundo?”.

Bruna Barros e Morais, que atua no Projeto Cadê Você, do Instituto Mara Gabrilli, que atende pessoas com deficiência e moradores de comunidades carentes, chamou a atenção para o impacto da falta de acessibilidade de comunicação das PcDs nas escolas públicas, o que se agravou neste momento de pandemia.

Ela relatou que, recentemente, perguntou à coordenadora pedagógica de uma escola na Grande São Paulo sobre como estavam seus alunos com deficiência.

“Sua resposta foi: ‘Ligo com frequência, converso com os pais e acompanhamos dessa forma. Não tenho recursos tecnológicos disponíveis para eles no momento e sinto que eles perderam com o convívio social’. Conversar com os pais não é dar acesso, é apenas monitorar se estão lá ou não. Como incluir, neste momento de pandemia, quem não tem recursos, quem já é historicamente violado de direitos?”, contou.

Marina Guimarães, bailarina cega da Associação de Ballet Fernanda Bianchini, também citou como exemplo o desafio da acessibilidade na educação, pois muitas escolas possuem materiais específicos para ajudar as pessoas com deficiência visual no processo de educação, contudo, para serem utilizados exclusivamente em sala de aula. Uma vez em casa, não há tais recursos.

UMA DATA PARA REMEMORAR OS DESAFIOS

Para Ana Laura Schliemann, professora do curso superior de Psicologia da PUC-SP, a data de 21 de setembro deve sempre colocar em destaque as questões que envolvem a vida das pessoas com deficiência, e a busca de uma sociedade mais inclusiva. “Qual foi a militância de Jesus? Olhar para estas pessoas e aceitá-las”, afirmou, destacando a necessidade de que todos se aproximem das pessoas com deficiência e entendam suas questões.

Talvez essa compreensão possa ser alcançada a partir da arte, que lida com o sensível: quando uma orquestra, um grupo de balé, uma companhia de teatro e de dança se apresenta tendo integrantes com e sem deficiência, há um impacto em cada pessoa na plateia, que pode se disseminar em uma percepção coletiva sobre as peculiaridades das pessoas com deficiência, levando à maior conscientização e luta por políticas públicas inclusivas.

(Colaborou: Maria Aparecida Valença)

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários