Cardeal Cantalamessa: Jesus Cristo não é uma ideia, mas uma pessoa

Cardeal Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia (Foto: Vatican Media)

“Jesus de Nazaré: uma pessoa” foi o tema da quarta e última pregação da Quaresma proferida pelo pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, ao Papa e aos membros da Cúria Romana, na manhã desta sexta-feira, 26, na Sala Paulo VI.

“Jesus de Nazaré está vivo! Não é uma memória do passado; não é apenas um personagem, mas uma pessoa. Vive ‘segundo o Espírito’, certo, mas este é um modo de viver mais forte do que aquele ‘segundo a carne’, porque lhe permite viver dentro de nós, não fora, ou ao lado”, disse o Frade capuchinho.

Duas naturezas

O purpurado explicou que a fórmula “uma pessoa” aplicada a Cristo remete-se a Tertuliano, mas foram necessários dois séculos de reflexão para entender o que ela significava de fato e como podia se conciliar com a afirmação de que Jesus era verdadeiro homem e verdadeiro Deus, isto é “de duas naturezas”.

“O dogma da única pessoa de Cristo é uma ‘estrutura aberta’, ou seja, capaz de falar-nos hoje, de responder às novas necessidades da fé, que não são as mesmas do quinto século. Hoje, ninguém nega que Cristo seja ‘uma pessoa’. Há alguns que negam que seja uma pessoa ‘divina’, preferindo dizer que é uma pessoa ‘humana’  na qual Deus habita, ou opera, de modo único e excelso. Mas a própria unidade da pessoa de Cristo, repito, não é contestada por ninguém”, frisou o Pregador.

“A coisa mais importante hoje, a respeito do dogma de Cristo ‘uma pessoa’, não é tanto o adjetivo ‘uma’, mas o substantivo ‘pessoa’. Não tanto o fato de que seja ‘um e idêntico em si mesmo’  (unus et idem), mas que seja ‘pessoa’. Isto significa descobrir e proclamar que Jesus Cristo não é uma ideia, um problema histórico, e nem mesmo apenas um personagem, mas uma pessoa e uma pessoa viva! Isto, de fato, é o que falta e do que temos extrema necessidade, para não deixar que o cristianismo se reduza a ideologia, ou simplesmente a teologia”, acrescentou o Cardeal.

Trindade

“Refletindo sobre o conceito de pessoa no âmbito da Trindade, Santo Agostinho e, depois dele, Santo Tomás de Aquino, chegaram à conclusão de que ‘pessoa’, em Deus, significa relação. O Pai é tal pela sua relação com Filho: todo o seu ser consiste nesta relação, como o Filho é tal pela sua relação com o Pai”, ressaltou Cantalamessa.

Em seguida, o Capuchinho acrescentou que isso vale de modo eminente para as pessoas divinas da Trindade, que são “puras relações”, ou, como se diz na Teologia, “relações subsistentes”. “Mas vale também para cada pessoa no âmbito criado. Não se conhece a pessoa na sua realidade, a não ser entrando em relação com ela. Eis porque não se pode conhecer Jesus como pessoa, a não ser entrando em uma relação pessoal, do eu ao tu, com ele”, complementou.

 “‘O ato do crente não termina em um juízo, mas em uma realidade’, disse Santo Tomás de Aquino. Nós não podemos nos contentar em crer na fórmula ‘uma pessoa’; devemos alcançar a própria pessoa e, mediante a fé e a oração, ‘tocá-la’”, sublinhou o Pregador.

Relação

“Devemos nos pôr seriamente uma pergunta: para mim, Jesus é uma pessoa, ou somente um personagem?”, disse o Frei Raniero, reconhecendo que, para a grande maioria dos cristãos, Jesus é um personagem, não uma pessoa. “É o objeto de um conjunto de dogmas, doutrinas ou heresias; alguém de quem celebramos a memória na liturgia, que cremos realmente presente na Eucaristia, tudo o que se quiser. Mas, se permanecermos no plano da fé objetiva, sem desenvolver uma relação existencial com ele, ele permanece externo a nós, toca-nos a mente, mas não aquece o coração. Permanece, apesar de tudo, no passado; entre nós e ele se interpõem, inconscientemente, vinte séculos de distância”, observou.  

Nese sentido, o Cardeal recordou o convite feito pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii gaudium, para todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, renove o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, tome a decisão “de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar”.

O Capuchinho concluiu a meditação, recordando que daqui a uma semana será Sexta-feira Santa e, logo depois, Domingo da Ressurreição. “Ressurgindo, Jesus não voltou à vida de antes como Lázaro, mas a uma vida melhor, livre de todo afã. Esperemos que seja assim também para nós. Que do sepulcro em que a pandemia nos manteve encerrados por um ano, o mundo – como nos repete continuamente o Santo Padre – saia melhor, não o mesmo de antes”, afirmou.

(Fonte: Vatican News)

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