Será a primeira vez que um papa visita o país, marcado não só pela guerra, mas por milênios de presença cristã
A viagem do Papa Francisco ao Iraque será histórica. O motivo mais óbvio: é a primeira vez que um pontífice visita o país, que tem profundas raízes cristãs. Além disso, ocorre no meio da pandemia de COVID-19, algo que será lembrado para sempre, e num momento em que ali se vive grande instabilidade política e econômica.
O ponto central da visita, que ocorre entre 5 e 8 de março, é o desejo do Papa de estar próximo da comunidade cristã dizimada ou expulsa do Iraque de modo agressivo nas últimas duas décadas. Também pesa muito o desejo de “fraternidade” com o Islã e seus líderes na região.
Os riscos em relação à segurança existem, mas o Papa está confiante nas autoridades locais, afirma o Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, e “como pastor, como pai, vai ao encontro daqueles que estão em dificuldade”, conforme entrevista à America Magazine.
PRESENÇA ANTIGA
O Iraque não deixa de ser uma “terra santa”. Os cristãos chegaram lá já no primeiro século, segundo a tradição, levados pelos discípulos Tomé e Judas Tadeu, que evangelizaram comunidades assírias de língua aramaica na Mesopotâmia. Algumas existem até hoje.
Especialmente no Norte do Iraque, mas também em outros países, os cristãos se espalharam ao longo dos séculos, porém gradualmente se consolidaram como minoria com as conquistas dos árabes muçulmanos no século VII.
Há também relatos bíblicos, como a própria origem do profeta Abraão, pai das três maiores religiões monoteístas – o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo –, que era de Ur. São João Paulo II quis visitar o local no Jubileu do Ano 2000, mas não foi possível.
Do que hoje é o Iraque também vieram Rebeca, Daniel e o profeta Ezequiel. Algumas tradições relatam que até mesmo Adão e Eva viveram na região.
Ao visitar o país, o Papa Francisco reconhece essa história antiga, que une mais do que separa, e manifesta sua unidade não só com os cristãos de hoje, mas com todos os que vieram antes deles. De acordo com o Cardeal Sandri, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, o Iraque é uma “terra martirizada” e o Papa quer levar “consolação, proximidade, fraternidade, abertura e amizade”.
PERSEGUIÇÃO CRISTÃ
Sabe-se que a população cristã do Iraque era de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas até 2003. Com a invasão das forças militares lideradas pelos Estados Unidos, com o objetivo de derrubar o governo de Saddam Hussein – por motivos políticos e econômicos –, o país entrou numa era de profunda violência, disputas entre grupos religiosos e invasões de extremistas.
À época, os cristãos foram perse- guidos principalmente pelo grupo terrorista Al Qaeda. Mais recentemente, o herdeiro Estado Islâmico dominou áreas extensas e, até 2017, forçou muitos cristãos a mudarem de região ou até abandonarem o país. Alguns retornaram nos últimos anos, mas a situação jamais foi a mesma.
Segundo a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), dos 40 milhões de habitantes no Iraque, certamente menos de 300 mil deles hoje são cristãos. O Arcebispo Caldeu Warda de Erbil disse à ACN em 2019: “Nos anos anteriores a 2003, éramos 1,5 milhão, ou 6% da população iraquiana. Hoje, somos apenas 250 mil. Talvez menos”.
Hoje, os cristãos no Iraque são caldeus, assírios, latinos, armênios e melquitas, além dos assírios ortodoxos. Também há uma pequena presença de luteranos e anglicanos.
DESTAQUES DA VIAGEM
Francisco começa o percurso na capital Bagdá, depois segue para Ur, Erbil, Mosul e Qaraqosh, em Nínive. Nessas cidades, encontrará cristãos que tentam reconstruir suas vidas. O Papa rezará em sufrágio pelas vítimas da guerra, em Mosul. A Catedral de Santa Maria Al-Tahira é talvez o cenário de destruição e reconstrução mais emblemático, em Mosul. Missas serão celebradas em Bagdá e em Erbil.
Também será muito importante seu encontro com o aiatolá Ali al-Sistani, clérigo do Islã xiita, e um dos mais influentes. Já foi nomeado ao Nobel da Paz por seus esforços de pacificação. Assim, Francisco, que já tem boas relações com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad al-Tayyib, maior referência intelectual do Islã sunita, se aproxima dos xiitas.
Os cristãos iraquianos estão muito ocupados nestes dias, limpando as igrejas e preparando hinos para celebrar a viagem do Papa ao país. Apesar das preocupações com o coronavírus, estão dispostos a fazer o melhor para recebê-lo com segurança. Eles esperam que após a visita do Papa possam viver com mais liberdade.