Aprovado pelo Senado em 24 de junho, o novo marco legal do saneamento básico (PL 4162/2019) foi sancionado na quarta-feira, 15, pelo presidente Jair Bolsonaro. Um dos focos é garantir, até 2033, a universalização dos serviços, com fornecimento de água potável a 99% da população e coleta e tratamento de esgoto a 90% dos brasileiros. Hoje, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada no Brasil, e quase a metade dos habitantes não dispõe dos serviços de esgotamento.
NOVOS CONTRATOS
Atualmente, a maioria das cidades tem contratos de serviços de água e esgoto com empresas estatais. A iniciativa privada opera em apenas 6% dos municípios do País. O novo marco regulatório estabelece que todos os contratos deverão ser de concessão, firmados após licitação, com concorrência de empresas públicas ou privadas. Aqueles já em vigor serão mantidos, desde que se comprove sua viabilidade econômico-financeira.
“Hoje, na maioria dos municípios, a empresa não tem uma meta determinada para atingir em relação à água e ao esgoto. O que o marco regulatório determina, independentemente de ela ser pública ou privada, é que haverá a obrigatoriedade de atingir a universalização”, explicou ao O SÃO PAULO Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.
A TODOS OS MUNICÍPIOS E PESSOAS
A fim de evitar que o modelo de concessão privilegie apenas as grandes cidades, o novo marco dá autonomia a cada governo estadual para compor grupos ou blocos de municípios para a contratação dos serviços de saneamento básico. Contudo, caso a cidade não concorde com o bloco a que foi agrupada, poderá realizar a licitação sozinha.
“Isso afastou um pouco o risco de que os municípios pequenos fiquem desassistidos. Vale lembrar que hoje esses municípios, operados por empresas públicas, estão desassistidos”, observou Édison Carlos, destacando, também, que garantias às pessoas mais pobres, como as tarifas sociais, serão mantidas, e o serviço de saneamento chegará a mais locais: “Haverá um esforço para que a água chegue às comunidades mais vulneráveis, pois isso é um ganha- -ganha: a empresa passa a receber pelo fornecimento a um local de onde não recebe nada hoje, e o morador terá uma água de qualidade, que poderá beber sem riscos”.
REDE DE ESGOTO: O MAIOR DESAFIO
Ampliar em 90% os serviços de esgoto no País é a parte mais desafiadora para a implantação do novo marco legal, na avaliação do engenheiro sanitarista José Everaldo Vanzo, especialista em Gestão de Saneamento voltado para a saúde pública e que atua no setor desde os anos 1970, já tendo ocupado cargos de direção em empresas de saneamento.
Vanzo, que também integra o conselho consultivo da Universidade da Água, assegurou que a implantação, operação e manutenção de sistemas de esgotamento sanitário é muito mais cara que o sistema de água, e que há muitos trâmites burocráticos para a realização das obras. “Por exemplo: para se instalar uma estação de tratamento de esgoto – entre projetar, executar a obra e colocar em operação –, há toda uma exigência legal que nem sempre pode ser cumprida em três, quatro ou cinco anos”, alertou, destacando ainda que aproximadamente 36 milhões de brasileiros contam com o serviço completo de esgotamento, ou seja, a coleta e seu devido tratamento: “Falta incluir, isso falando apenas da área urbana do País, 144 milhões de pessoas nos serviços”.
O engenheiro sanitarista também avaliou que deve haver um programa de financiamento para as obras necessárias, pois o repasse dos custos ao consumidor levaria à cobrança de tarifas inviáveis.
“Suponhamos que em um sistema de esgotamento sanitário seja preciso investir R$ 13,5 bilhões, que serão financiados em, no máximo, 20 anos. Quando se fizer essa conta para repassar à tarifa, o cliente não terá renda familiar para arcar comesse aumento”, observou. “Em 13 anos, em todo o Brasil, seria necessário algo em torno de R$ 400 bilhões a R$ 500 bilhões para universalizar os serviços. De onde virá essa poupança? A lei não esclarece isso”, concluiu, alertando que esse cenário de incertezas pode afastar as empresas privadas de concorrer às concessões.
REGULAÇÃO E OUTRAS TARIFAS
O cumprimento das metas estabelecidas nos contratos será verificado constantemente pelas agências locais reguladoras de águas. Haverá, ainda, um órgão regulador federal – a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico –, criado com a ampliação das atribuições da atual Agência Nacional de Águas (ANA). As empresas que descumprirem contratos não poderão distribuir lucros e dividendos.
Será também criado o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisab), presidido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, para assegurar a implementação da política federal de saneamento básico e coordenar a alocação de recursos financeiros.
“O marco regulatório cria um sistema de planejamento e controle que vai favorecer muito a governança corporativa das empresas, que vai ter que ser profissionalizada, assim como a gestão”, lembrou Vanzo.
Ainda de acordo com a legislação, os municípios deverão cobrar tarifas para serviços como poda de árvores, varrição de ruas e limpeza de estruturas de drenagem de água da chuva, mas essas atividades também podem estar no pacote de concessões. Além disso, até 2021 deverão ser encerrados os espaços conhecidos como lixões nas capitais e regiões metropolitanas. Para municípios com menos de 50 mil habitantes, este prazo é até 2024.
IMPACTOS SOCIAIS DO SANEAMENTO BÁSICO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada R$ 1 investido em saneamento básico, gera-se uma economia de R$ 4 em gastos com saúde. Apenas no Brasil, anualmente, 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas em razão de doenças ligadas à ineficácia do saneamento básico.
“Quando há água potável para as pessoas, esgoto coletado e tratado, os casos de doenças diminuem muito, bem como as ocupações de leitos e internações por diarreia, verminose, leptospirose, esquistossomose, hepatites. Com a saúde melhorando, as crianças nascem em um ambiente mais favorável, há melhorias no aproveitamento escolar, as pessoas deixam de faltar ao trabalho por causa dessas doenças, o valor dos imóveis melhoram, além de haver ganhos no turismo”, ressaltou Édison Carlos.
(Com informações da Agência Senado e OMS)