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O ser humano e o agir pastoral na comunicação diante da Inteligência Artificial

Em tempos de avanços tecnológicos acelerados, a Pastoral da Comunicação é convidada a refletir sobre como usar a inteligência artificial como aliada, sem perder o olhar humano e evangélico que dá sentido à verdadeira comunicação

Por Benigno Naveira e Elias Rodrigues

Gerd Altmann/Pixabay

Vivemos um tempo em que a tecnologia avança com velocidade impressionante. Entre as inovações que mais despertam fascínio e temor está a Inteligência Artificial (IA), capaz de redigir textos, criar imagens, traduzir idiomas e até simular emoções humanas. No entanto, diante de tantas possibilidades, surge uma pergunta essencial: o que permanece verdadeiramente humano na comunicação quando as máquinas aprendem a “falar” como nós? 

A expressão “Inteligência Artificial” ainda provoca reações de espanto e até indignação. Como aceitar que uma máquina execute tarefas que consideramos exclusivas da inteligência humana? A jornalista e pesquisadora Irmã Joana Terezinha Puntel, paulina, explica que a diferença fundamental entre a IA e a inteligência humana está na origem e na finalidade de cada uma. A IA é criada por humanos para imitar processos cognitivos e automatizar tarefas; já a inteligência humana é fruto da vida, da experiência, da empatia e da criatividade – dimensões que nenhuma máquina consegue reproduzir plenamente. 

De fato, as inteligências artificiais se tornaram um novo paradigma tecnológico. Elas aprendem com quantidades gigantescas de dados e conseguem identificar padrões complexos, oferecendo eficiência e rapidez. Ao mesmo tempo, porém, revelam riscos: podem reproduzir preconceitos, gerar desinformação, invadir a privacidade e enfraquecer o pensamento crítico. A comunicação, quando mediada por algoritmos, corre o perigo de perder o rosto e a voz humana. 

Comunicar com o coração em tempos de algoritmos. Nos ecossistemas comunicativos atuais, nos quais notícias e opiniões circulam a cada segundo, cabe aos agentes da Pastoral da Comunicação (Pascom) um papel ainda mais desafiador: garantir que a comunicação permaneça espaço de encontro, escuta e serviço à verdade, tendo em conta que mais do que difundir informações, comunicar é criar cultura, promover diálogo e semear esperança. Por isso, o Papa Leão XIV convida os comunicadores a “desarmar as palavras”, a limpar a comunicação de preconceitos e agressividades, tornando-a um instrumento de paz e de proximidade. 

A IA, se bem usada, pode ser uma aliada nesse caminho, ajudando na organização de conteúdos, na tradução de mensagens, na ampliação do alcance pastoral. Entretanto, como recorda Irmã Joana, é preciso não perder o olhar evangélico: “A tecnologia deve estar a serviço da vida e da comunhão, nunca substituir a sensibilidade e o discernimento humano”. 

Em outras palavras, a IA pode escrever uma homilia, mas não pode sentir a dor de quem a escuta; pode montar uma arte bonita, mas não pode enxergar a lágrima de quem busca consolo. 

O olhar da Igreja: ética, fé e discernimento. A Igreja, em sua missão de evangelizar, tem refletido com profundidade sobre esse tema. O falecido Papa Francisco, em suas mensagens para o Dia Mundial das Comunicações e para o Dia Mundial da Paz, afirma que a tecnologia é dom de Deus quando está a serviço da dignidade humana. Ele insiste: “O valor fundamental de uma pessoa não pode ser medido por um conjunto de dados”. A ética cristã, portanto, deve orientar o uso da IA, garantindo que a primazia continue sendo do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). 

Em 2020, a Santa Sé promoveu o “Apelo por uma Ética da Inteligência Artificial”, o Rome Call for AI Ethics, reunindo cientistas, líderes religiosos e representantes das grandes empresas tecnológicas. O objetivo foi estabelecer princípios éticos, educacionais e jurídicos para um desenvolvimento responsável da IA, conceito conhecido como algorética. Trata-se de uma tentativa concreta de unir fé e ciência em favor de um futuro humano e solidário. 

Para os agentes da Pascom, esse debate é especialmente relevante. No cotidiano pastoral, é tentador recorrer a ferramentas automáticas que geram textos, posts e imagens em segundos. No entanto, a missão comunicativa da Igreja não se mede pela eficiência das máquinas, mas pela autenticidade do testemunho. A boa comunicação nasce do encontro, e o encontro requer presença, escuta e coração. 

O Papa Leão XIV, refletindo sobre o tema, recorda que a IA representa uma nova “revolução industrial” e que a resposta da Igreja deve ser guiada pelos mesmos princípios da encíclica Rerum Novarum, publicada por Leão XIII em 1891: a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho. Se na primeira revolução industrial o ser humano precisou reafirmar seu valor diante das máquinas, hoje é tempo de reafirmar o primado do humano sobre os algoritmos. 

Usar a Inteligência Artificial sem perder o olhar evangélico significa manter viva a compaixão e o compromisso com a verdade; é permitir que a técnica sirva à fraternidade e não ao isolamento; é reconhecer que a comunicação, antes de ser uma ferramenta, é um dom; e que por mais inteligente que seja a máquina, só o coração humano é capaz de transformar dados em sentido e palavras em comunhão. 

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