A Inteligência Artificial já faz parte do dia a dia da sociedade: das redes sociais aos ambientes de trabalho; dos aplicativos de mensagens às celebrações transmitidas pela internet. Diante deste cenário, cresce a necessidade de refletir sobre como usar essa tecnologia sem perder o olhar humano e cristão.
Por Thayna Franzo e Juliana Fontanari

O olhar da Igreja sobre a tecnologia. Para o Padre Arnaldo Rodrigues, Assessor de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), teólogo e doutor em Comunicação, a Igreja tem se posicionado de forma clara sobre o tema: a tecnologia deve servir à vida, e não a substituir. Segundo ele, diversos documentos do Dicastério para a Comunicação e mensagens oficiais reforçam esse compromisso ético e pastoral.
O Sacerdote lembra que o Papa Francisco, em um de seus discursos, reconheceu na Inteligência Artificial um grande potencial, tanto para o bem quanto para o mal. Por isso, a Igreja insiste na importância de discernir e educar para o bom uso da tecnologia, para que promova o bem comum, a verdade e a dignidade humana.
A missão da Pascom diante da IA. Nesse contexto, a Pastoral da Comunicação (Pascom) ganha um papel de destaque para que ajude a todos na Igreja a compreender a Inteligência Artificial e o ambiente digital.
“Não se trata apenas de operar equipamentos ou redes, mas de ser presença viva da Palavra de Deus nesse novo espaço.”, ressalta Padre Arnaldo, comentando, ainda, que o ambiente digital é hoje um verdadeiro campo de evangelização, exigindo tanto preparo técnico quanto discernimento espiritual: “A nossa vida já é um pouco digital, e a Pascom tem a missão de ajudar as pessoas a se situarem nessa realidade, sempre com respeito à dignidade humana e ao valor da pessoa”.
“A IA pode ser uma aliada da missão evangelizadora, desde que guiada por princípios humanos e espirituais”, prossegue o Sacerdote. Ele considera que a IA é uma cópia da inteligência humana, com capacidade de se aprimorar conforme as diretrizes que recebe do ser humano. “No futuro, teremos uma integração maior entre o humano e a máquina, mas nunca uma substituição. A IA deve servir ao homem, e não o contrário”, sublinhou.
Nesse sentido, o uso ético da inteligência artificial na comunicação pastoral passa também pela transparência e veracidade. É preciso reconhecer quando imagens, textos ou vídeos foram gerados com o apoio de IA, para que o público saiba diferenciar a produção humana da automatizada. A comunicação cristã – lembra Padre Arnaldo – deve refletir a verdade, não apenas em conteúdo, mas também em intenção e método.
Riscos éticos e o imaginário da tecnologia. Essa discussão se torna ainda mais urgente diante das IAs capazes de gerar imagens e textos automaticamente. O professor Léo Peruzzo, advogado e doutor em Filosofia pela PUC-PR, observa que o debate não deve se limitar à ideia de que a IA apenas “diz a verdade” ou “manipula a realidade”.
“Existem programas de IA que são capazes de produzir imagens a partir de textos e talvez a pergunta não seja se eles produzem a verdade ou manipulam a realidade, mas como essas criações são utilizadas.”
Segundo ele, a IA pode tanto democratizar o acesso ao conhecimento quanto ser usada para manipular dados e difundir desinformação, dependendo da intenção de quem opera os sistemas. Por isso, Peruzzo comenta que é preciso pensar os usos conscientes e investir em uma educação digital capaz de fazer frente a essas novas fronteiras.
Em sua visão, esse processo cria uma espécie de dependência invisível, em que as máquinas passam a interferir silenciosamente na liberdade das pessoas. “A Inteligência Artificial é capaz de simular, produzir e copiar decisões humanas”, comenta.
Além disso, Peruzzo chama a atenção para o imaginário otimista em torno da IA, que tende a apresentar a tecnologia como solução para todos os problemas humanos. Essa visão, segundo ele, ignora os impactos invisíveis sobre a memória, o senso crítico e a dignidade das pessoas.
Uma tecnologia a serviço do bem comum. Por trás da eficiência e do encantamento, há riscos éticos profundos que atingem, principalmente, os mais vulneráveis. Para Peruzzo, o caminho está em promover uma educação digital ética, que una conhecimento técnico, reflexão crítica e valores espirituais. Essa formação deve ajudar as pessoas a entenderem não apenas “o que é” a Inteligência Artificial, mas “para que serve”, e “de que forma” pode contribuir para o bem comum.
A convergência entre a visão pastoral e a filosófica aponta para um mesmo horizonte: humanizar a tecnologia. A ética cristã convida comunicadores, educadores e agentes pastorais a fazer da Inteligência Artificial um instrumento de comunhão, não de afastamento; de verdade, não de manipulação; de serviço, não de dominação.



