Não há dúvidas de que a população mais pobre é a que mais sofre com os impactos da pandemia de COVID-19. Essa situação se agrava ainda mais quando cresce a quantidade de famílias que passam por necessidades econômicas em decorrência da paralisação de muitas atividades.
O aumento do desemprego formal e informal, a suspensão dos contratos de trabalho, a redução de jornadas e salários e a dificuldade para obter a ajuda emergencial do Governo Federal: tudo isso impacta diretamente os lares brasileiros e exige maior sensibilidade das comunidades e organizações para identificar as pessoas que precisam de uma ajuda concreta.
FAMÍLIAS NECESSITADAS
Inês Regina Vieira, presidente do Conselho Metropolitano de São Paulo da Sociedade São Vicente de Paulo, ressaltou ao O SÃO PAULO que essa realidade tem sido percebida nas 196 conferências vicentinas que realizam serviços de solidariedade e assistência às famílias na Arquidiocese de São Paulo.
Ela relatou que, além das famílias em situação de extrema vulnerabilidade social que o grupo costuma atender, tem crescido a quantidade de pessoas que procuram alguma forma de ajuda, pessoas que tinham certa estabilidade e, de repente, se veem sem condições de arcar com as despesas básicas de suas famílias, como pagar contas e comprar mantimentos.
CUIDADO INTEGRAL
A vicentina destacou, ainda, que muitas dessas famílias, por nunca terem passado por situação semelhante, sentem certo constrangimento em pedir ajuda ou até mesmo não sabem onde obtê-la. “É preciso ter bastante sensibilidade. Muitas vezes, são os vizinhos que acabam nos ajudando a chegar a essas pessoas que estão precisando”, afirmou Inês.
Nesse sentido, a percepção dos membros da comunidade é essencial para que os párocos possam identificar as famílias que sofrem mais com a crise e, assim, se fazerem próximos delas. “O cuidado tem que ser integral. Não se trata apenas de assistencialismo, mas de uma atenção humana e espiritual, isto é, da promoção das famílias”, afirmou a vicentina.
PERCEBER O OUTRO
Inês também destacou a importância de as pessoas cultivarem a atenção para com os mais próximos, interessando- -se sinceramente em saber como estão. “Uma das formas é estar atento para perceber se houve alguma mudança no comportamento ou na fisionomia dessas pessoas, perguntar se elas estão bem e, quando há abertura, se precisam de algo”, afirmou.
Ela aconselhou pequenos “gestos de delicadeza”. “Por exemplo, quando encontrar uma promoção de algum produto no supermercado, comprar duas unidades e oferecer a esse vizinho ou amigo. Ou, então, quando for fazer compras, dizer a essa pessoa: ‘Já que eu estou indo às compras, você não quer que eu lhe traga algo? Assim, você não precisa sair de casa’”, sugeriu.
NA SIMPLICIDADE
Na Comunidade Bom Pastor, que pertence à Paróquia Nossa Senhora das Dores, na Região Episcopal Brasilândia, Maria Fernandes da Silva busca olhar para as diferentes realidades do bairro em que mora, no Jardim Brasília.
Foi assim que ela percebeu que uma amiga de comunidade, em decorrência da pandemia, perdeu os poucos trabalhos que vinha fazendo e começava a passar necessidade e, então, decidiu unir forças e pedir ajuda aos outros membros, que colaboraram com doações.
Maria contou que sua amiga sentiu vergonha em pedir ajuda, porém, mesmo assim, ela acreditou no significado da palavra partilha: “Nós fazemos a força quando nos juntamos”, refletiu.
Ela disse acreditar em “uma igreja viva, em que conhecemos um ao outro” para que as boas obras continuem a acontecer. Maria enfatizou que essa ação foi possível graças à generosidade e confiança dos demais fiéis da comunidade.
“Se cada um partilha um pouco daquilo que tem, percebemos que é muito diante das dificuldades e conseguimos atender muitas famílias. Temos percebido muitas pessoas promovendo essa rede de solidariedade por meio de grupos de WhatsApp para arrecadar doações”, completou a vicentina Inês, enfatizando que, se ainda não há cura para o coronavírus nem para a crise econômica, há, porém, por meio do amor ao próximo.
Números da crise
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) COVID-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período entre dezembro de 2019 e maio de 2020, 3,98 milhões de trabalhadores informais perderam sua principal fonte de renda. Sem acesso à rede de proteção social dos trabalhadores com carteira assinada, os informais estão mais expostos aos efeitos das crises.
A situação, no entanto, também não é favorável para os trabalhadores formais. Segundo o mesmo levantamento, 1,99 milhão de trabalhadores com carteira assinada ficaram desocupados e mais da metade da população brasileira em idade para trabalhar estava sem ocupação até a segunda semana de junho.
Muitos desses desempregados ainda enfrentam dificuldades para receber suas indenizações trabalhistas, uma vez que as empresas alegam não ter recursos no momento, o que obriga os trabalhadores a recorrer à Justiça para ter seus direitos garantidos.
Os trabalhadores que perderam o emprego em plena pandemia também relatam dificuldades para conseguir dar entrada no seguro-desemprego. Com o fechamento das superintendências regionais do trabalho, os desempregados estão tendo que fazer o pedido on-line. Entre as queixas, está a impossibilidade de concluir o pedido no site e aplicativo “Carteira de Trabalho Digital” e de obter informações pela Central 158.
REDUÇÃO DA RENDA
Até mesmo as famílias que não sofrem com o desemprego sentem o impacto da perda de renda, causada pela suspensão temporária dos contratos de trabalho ou pela redução das jornadas, com a consequente diminuição de salário. Um levantamento feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, aponta que, em função da redução de salário por causa da pandemia, 3,8% das famílias acabaram atrasando o pagamento de contas, enquanto 9,1% ficaram inadimplentes por terem perdido o emprego. Em maio, a Pnad COVID-19 constatou que 27,9% da população ocupada (ou 18,3 milhões de pessoas) trabalhou menos do que a sua jornada habitual.
Efeito similar foi observado no rendimento efetivo dos trabalhadores (R$ 1.899), que ficou 18,1% abaixo do rendimento habitual (R$ 2.320). Em maio, 38,7% dos domicílios do País receberam algum auxílio monetário do Governo relacionado à pandemia, no valor médio de R$ 847.
De acordo com a Caixa Econômica Federal, 1,9 milhão de pessoas que se cadastraram para obter o Auxílio Emergencial estão com o pedido em análise para saber se são aptas a receber o benefício. Deste total, 1,2 milhão estão em primeira análise e 700 mil estão em reanálise.
(Com informações de IBGE e O Estado de S. Paulo)