Abrindo portas do mercado de trabalho às pessoas com TEA e com deficiência intelectual

Serviço de inclusão profissional do Instituto Jô Clemente já ajudou a mudar a vida de mais de 4 mil jovens e adultos

Divulgação

Flávia Aquilino Marcondes Cezar, 35, trabalha como auxiliar administrativa em uma grande rede de medicina diagnósti­ca em São Paulo. Ela está entre os 4 mil beneficiados pelo programa de inclusão profissional para pessoas com deficiência intelectual e com transtorno do espectro autista (TEA) do Instituto Jô Clemente, instituição que conheceu em 2010, quan­do concluiu o ensino fundamental. Desde então, teve oportunidades de trabalho em diferentes empresas parceiras.

A auxiliar administrativa, que tem deficiência intelectual, contou ao O SÃO PAULO que sempre recebe dos colabora­dores do Instituto as orientações sobre a vaga e a empresa em questão. Se ela e a mãe acham a proposta oportuna, tem iní­cio o processo seletivo, conforme os parâ­metros de contratações convencionais.

“O dia a dia é prazeroso. Eu percebi que sou útil e que faria falta se não estives­se lá. Cada empresa me ensina muito nas tarefas que faço. Os aprendizados são inú­meros: como aprender a me comunicar, a trabalhar em equipe e me tornar uma funcionária confiável”, salientou Flávia, que comemora o fato de nunca ter sido reprovada em uma entrevista de emprego.

DEMANDA NÃO PREENCHIDA

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Bra­sil possui mais de 2,6 milhões de pessoas com deficiência intelectual, cerca de 1,4% da população.

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um direito asse­gurado pela Lei 8.213/91, segundo a qual empresas de grande porte, ou seja, a partir de 100 funcionários, devem ter, no míni­mo, 2% de colaboradores com deficiência em seus quadros.

Contudo, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2019, o setor privado preencheu 389,2 mil das 768,7 mil vagas reservadas às pesso­as com deficiência (50,63% do total), en­quanto este percentual no setor público foi de apenas 10%.

As pessoas com deficiência possuem os mesmos direitos trabalhistas dos de­mais colaboradores registrados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As empresas devem assegurar to­das as adaptações necessárias de estrutura físicas, comportamentais ou tecnológicas a esses funcionários, incluindo o direito a horários flexíveis ou reduzidos.

PROCESSO INTEGRAL

Iniciado em 2013, o programa de in­clusão profissional para pessoas com de­ficiência intelectual e com transtorno do espectro autista do Instituto Jô Clemente é desenvolvido por uma equipe interdis­ciplinar que busca conhecer e orientar os atendidos e suas famílias por meio da rea­lização de alinhamento de perfil, rodas de conversa de sensibilização nas empresas e acompanhamento de cada pessoa con­tratada durante todo o primeiro ano de contrato.

O trabalho tem o objetivo de apoiar o desenvolvimento da autonomia, promo­ver a qualificação profissional e garantir que cada contemplado tenha a oportuni­dade de construir um projeto de vida que contemple a geração de renda e a inclusão social.

Flávia, por exemplo, recebe o acompa­nhamento de um representante do Insti­tuto, o que lhe traz mais segurança para desempenhar suas funções. Além disso, estar inserida no ambiente corporativo e sentir de perto o respeito dos demais colaboradores aumentou sua confiança e autoestima e lhe trouxe amizades.

“Pessoas com deficiência intelectu­al são capazes de trabalhar em qualquer empresa, desde que respeitada sua capa­cidade. Podemos ajudar e realizar muito. Quanto mais confiarem em nós, mais confiantes seremos e melhor faremos as nossas funções. O trabalho me ensinou muito, me trouxe uma autonomia que nunca imaginei. Eu me sinto uma cidadã como qualquer outra pessoa”, manifestou.

Segundo Nara Lucia de Sousa, super­visora do serviço de inclusão profissional, o Instituto descobre o perfil do candida­to e, por meio de uma etapa chamada de “Emprego Apoiado”, realiza a identifica­ção das habilidades e da necessidade de apoio que cada pessoa necessita para in­gressar no mercado de trabalho.

Dentro da descoberta de perfil, as pessoas com deficiência intelectual e com transtorno do espectro autista participam de atividades, entrevistas e recebem apoio para a aquisição da documentação neces­sária para a efetivação da contratação.

Todo o percurso tem início com o preenchimento do formulário no site https://ijc.org.br, no qual também há in­formações para as pessoas e as empresas sobre como participar do programa.

MAIS DE 90% DE SUCESSO

Além da coleta de dados e seleção dos candidatos, o Instituto busca desenvolver um trabalho de formação contínua den­tro das empresas parceiras para garantir um ambiente verdadeiramente inclusivo e acolhedor.

Esta etapa ocorre por meio da prepa­ração da equipe e da gestão que acom­panhará os profissionais no mercado de trabalho, o que, segundo a supervisora, é essencial para disseminar “o conhecimen­to, diminuir o capacitismo e para que o processo de inclusão aconteça de forma verdadeira”.

Somente em 2023, mais de 530 pesso­as foram contratadas por meio do progra­ ma e a taxa de permanência desses cola­boradores chegou a 92%.

Fundado há mais de seis décadas, o Instituto Jô Clemente é uma organização da sociedade civil que visa à promoção da autonomia e a inclusão das pessoas com deficiência intelectual, doenças raras e transtorno do espectro autista, apoiando a inclusão social, a defesa de direitos e pro­duzindo e disseminando conhecimento sobre este tema, sempre ancorada no viés de mobilizar, incluir, realizar e concretizar.

O PEDIDO DO PAPA FRANCISCO

O Papa Francisco, em vídeo publicado em dezembro de 2023, destacou que as pessoas com deficiência sofrem com a re­jeição da sociedade e pediu que haja pro­jetos que favoreçam a inclusão daqueles que são os “mais frágeis no meio de nós”.

“Muitas delas (pessoas com deficiên­cia) sofrem rejeição, baseada na ignorân­cia ou baseada nos preconceitos, que as transformam em marginalizadas. As ins­tituições civis têm que apoiar seus projetos com acessibilidade à educação, ao empre­go e aos espaços onde possam exprimir sua criatividade (…) há necessidade de grandes corações que queiram acompa­nhar. É mudar um pouco nossa mentali­dade para abrirmo-nos às contribuições e aos talentos dessas pessoas com capacida­des diferentes”, exortou o Santo Padre.

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