Após a cratera, como ficam as obras da linha 6 do Metrô?

Governo paulista monta comitê para averiguar razões do acidente do dia 1º; moradora vizinha a uma das futuras estações relata sensação de insegurança

Preenchimento da cratera, perto da futura estação Santa Mariana, começou já no dia 1º (Governo do Estado de São Paulo)

Uma semana após o acidente nas obras da futura estação Santa Marina da linha 6-Laranja do Metrô, as condições do trânsito na Marginal do Tietê, entre as pontes do Piqueri e da Freguesia do Ó, estão voltando à normalidade depois da inauguração, na segunda-feira, 7, de uma via emergencial nas proximidades do local do acidente.

No dia 1º, uma tubulação de esgoto se rompeu perto da estação e resultou na abertura de uma cratera nas pistas local e central da Marginal, no sentido da Rodovia Ayrton Senna. Não houve feridos. O trânsito na pista local continua interrompido, mas com a estabilização do solo e o fechamento da cratera, a via central foi liberada. A pista expressa não foi afetada. As obras da futura estação estão temporariamente suspensas.

APURAÇÕES E RESPONSABILIZAÇÕES

O Governo de São Paulo criou um comitê para investigar as causas do acidente e fazer estudos para soluções técnicas voltadas à realização da drenagem, retomada da construção da estação e o conserto da tubulação de esgoto e da Marginal do Tietê. O grupo irá monitorar o cumprimento de providências pela construtora espanhola Acciona, responsável pelas obras. Também o Instituto de Pesquisas Tecnológicas foi contratado para apurar os fatos e as responsabilidades do acidente. Todos os custos dessas operações serão pagos pela Acciona.

O Ministério Público de São Paulo também instaurou inquérito civil para investigar as causas do acidente e os decorrentes danos ambientais e urbanísticos. Deverão prestar esclarecimentos a Acciona, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) – sobre a rede de esgoto; a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) – sobre o ordenamento do trânsito; e a Defesa Civil estadual – a respeito da existência de risco nos imóveis do entorno.

Ainda no dia 1º, o diretor da Defesa Civil da Lapa, Robson da Silva Bertolotto, descartou haver risco de que o acidente tenha afetado a estrutura de prédios próximos, como o Condomínio Terazza Marina. A mesma garantia foi dada pelo secretário estadual de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Paulo José Galli, e confirmada por uma perícia particular contratada por esse condomínio.

SENSAÇÃO DE INSEGURANÇA

Para quem vive próximo às obras da linha 6 do Metrô, entretanto, a sensação não é de tranquilidade, em especial quando há sinais evidentes do impacto das obras.

Amanda Telles de Souza Valério mora, com o esposo e os filhos de 11 e 14 anos, em uma casa na Rua Ameliópolis, vizinha à futura estação João Paulo I. Ela relatou à reportagem que desde 2021, com a intensificação das ações de detonação das rochas no terreno da futura estação, ela e outros moradores têm percebido os impactos nas casas.

“O meu portão é de trilho, e percebermos que a estrutura dele ficou abalada, pois para puxá-lo está mais difícil. Depois, surgiram rachaduras na minha garagem [foto ao lado]. Como as detonações continuaram, apareceram mais, e por uma das rachaduras conseguimos até ver o quintal da vizinha”, detalhou.

“Ver o acidente na estação Santa Marina, tão próxima, nos deixou completamente inseguros. É uma situação que preocupa todo o bairro. A primeira coisa que deveriam ter feito era dar um parecer claro à comunidade, pois ainda há pessoas em pânico. Não temos conseguido dormir em paz, pois imaginamos que pode acontecer aqui o que houve na Marginal. Ninguém se preocupou em vir conversar conosco”, lamentou.

Amanda relatou que a Acciona disponibiliza uma central de atendimento para que os moradores relatem a ocorrência de problemas estruturais nas casas, e que regularmente uma equipe da empresa vista as residências. “O que nos preocupa, porém, é que a Acciona diz que só conseguirá fazer os reparos nas casas depois que forem finalizadas as obras. A equipe vem, tira fotos, usa alguns equipamentos, faz laudos e os manda para o departamento de Engenharia da empresa. No entanto, documento algum nos é passado, cópia alguma dos laudos fica conosco”, assegurou.

Procurada pela reportagem, a Acciona não respondeu aos questionamentos sobre vistorias e orientações às famílias que moram próximas às obras. Em nota à imprensa, no dia 1º, a empresa informou que, em caso de dúvidas, a população pode entrar em contato por uma central de atendimento pela internet ou pelo telefone 0800-580-3172. Comunicou, ainda, que “o incidente [ocorrido na Marginal] é pontual e não interfere nas demais frentes de trabalho do projeto, que seguem em execução”.

É NECESSÁRIO REDOBRAR O MONITORAMENTO

Casa próxima à futura estação João Paulo I (Arquivo pessoal)

Na avaliação do engenheiro Emiliano Stanislau Affonso Neto, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, o acidente na Marginal em si não coloca em risco as comunidades próximas a outras estações. Entretanto, as ocorrências de problemas estruturais sempre devem ser averiguadas, apesar de nem todas as rachaduras serem motivo para preocupação.

“Existem dois tipos de trinca: uma delas é reta, aos poucos se abre uma fenda, geralmente perpendicular ao chão, e que não representa maiores riscos. O problema maior ocorre quando uma fenda apresenta algum ângulo, pois isso indica que uma parte da fundação do imóvel está se mexendo de um jeito diferente, ou seja, está havendo impacto na estrutura”, explicou o engenheiro, que trabalha na Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) há 39 anos.

Affonso Neto comentou, ainda, que a ocorrência de vibrações no entorno das obras é algo comum, mas se o trabalho for bem executado não há impactos posteriores. Porém, devido ao recente acidente, ele avalia que é preciso redobrar o acompanhamento: “Deve-se fazer uma análise mais profunda sobre aquilo que foi atingido e também é importante verificar o que está acontecendo com a obra, afinal encheu de esgoto no túnel aberto pela tuneladora. A Acciona e o governo do estado precisam estar em alerta”.

Arquivo pessoal

O QUE FAZER DIANTE DE PROBLEMAS NA ESTRUTURA DA CASA?

O advogado Antonio Carlos de Freitas Junior, especialista em Direito Constitucional, explicou à reportagem que como a linha 6 do Metrô é uma concessão feita no modelo de Parceria Público-Privada (PPP), a responsabilidade primeira por quaisquer acidentes é da empresa concessionária.

Arquivo pessoal

No entanto, quando o morador próximo de uma das obras perceber eventuais danos estruturais significativos em sua casa, o recomendável é que acione inicialmente a Defesa Civil do Município: “É ela que vai ver as condições do local, avaliar se precisa retirar as pessoas e se há algum tipo de emergência”.

O advogado explicou, ainda, que nessas situações deve haver uma perícia inicial para se estimar o que tem provocado os problemas. “É importante que, imediatamente, seja feita essa perícia técnica, pois daqui há um ano, por exemplo, não será possível saber, tecnicamente, de quem foi a culpa.”

Outra atitude indispensável é registrar a evolução dos fatos. “As pessoas, às vezes, notam o problema e não tiram uma foto, não mandam um e-mail para os responsáveis, e assim as responsabilidades não vão sendo provadas. É importante registrar ao longo do tempo a evolução desse deterioramento”, destacou Freitas Junior.

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