Sacramentais não valorizados atualmente, as relíquias santas ganharão destaque em projeto inovador, cujo objetivo é fomentar sua veneração
Com a retomada das atividades após um longo período de paralisação em virtude da pandemia de COVID-19, começam a tomar corpo na Igreja em São Paulo diversas iniciativas gestadas há pelo menos dois anos. Uma delas é considerada de fundamental importância, tanto sob o ponto de vista litúrgico e pastoral quanto do espiritual: o devido cuidado a ser dedicado às relíquias sagradas.
O projeto prevê não somente a catalogação das relíquias santas custodiadas nas paróquias do território arquidiocesano, mas também a instrução sobre sua autenticidade, a garantia de conservação e a forma correta de sua exposição aos fiéis, com o intuito de resgatar e estimular o seu culto.
Essa abordagem segue as diretrizes da Instrução sobre as Relíquias, da Congregação para as Causas dos Santos, publicada em 8 de dezembro de 2017, e do protocolo da International Crusade for Holy Relics (ICHR), um movimento internacional para propagação da importância da preservação e veneração das relíquias santas, bem como a restauração de relicários.
MEMÓRIA
Ao guardar a memória dos santos, a Igreja os propõe como exemplo para o seguimento de Cristo. O povo cristão, por sua vez, recorre à intercessão dos santos não só para obter uma determinada graça ou auxílio, mas sobretudo para se parecer mais com Jesus.
Assim, desde os primeiros séculos, a Igreja tem destacado que o motivo último da devoção e veneração às relíquias dos santos é seu forte significado espiritual.
Ao comentar o Salmo 115, São Basílio afirma que quem toca os ossos de um mártir participa de sua santidade. Por sua vez, São Gelásio I, por meio de seu código litúrgico “Sacramentário gelasiano” – que é uma coletânea de orações para recitar durante a missa, uniformizando funções e ritos das várias Igrejas –, diz que em cada relíquia é preciso considerar que está presente o corpo do santo ou beato em toda a sua integridade.
INICIATIVA EM SÃO PAULO
O culto às relíquias também está enraizado nas Sagradas Escrituras e foi bastante valorizado, tanto na Igreja primitiva quanto na maior parte de sua história. Em tempos recentes, porém, esse sacramental caiu no ostracismo. Milhares de relíquias foram engavetadas, exiladas nos sótãos ou abandonadas em porões de igrejas e santuários. Muitas foram confiadas a museus ou passaram a abastecer um lucrativo comércio, que, infelizmente, prospera na internet.
“Coordeno e apoio a iniciativa por ter tido contato com o mundo das relíquias por meio do trabalho do professor José Eduardo Câmara. Tive a atenção tocada para esta realidade da Igreja, e, pelo fato de as atividades artísticas às quais me dedico estarem alinhadas à antropovisão católica, desenvolvo um estudo dramatúrgico sobre este universo”, afirm Mariana Chiuso, diretora da Mirante Cia. de Arte – um grupo de arte de orientação católica que organiza e produz eventos culturais e oferece formação artística – e uma das responsáveis pelo projeto.
Mariana, porém, não está sozinha. Juntamente com ela, na coordenação deste trabalho – especificamente nas questões técnicas –, está Fabio Tucci Farah, jornalista especializado em Arqueologia Sacra; perito em relíquias da Arquidiocese de São Paulo; fundador do Real Instituto de Arqueologia Sacra, sediado em Fátima, Portugal; curador-adjunto da Real Lipsanotheca; delegado no Brasil da ICHR; secretário-geral da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI); e coordenador do 1º Congresso Brasileiro de Hagiologia, realizado entre 30 de outubro e 1º de novembro.
SIGNIFICADO
O termo “relíquia” provém do latim reliquiae-arum e quer dizer “resíduos, restos”, referidos, em sentido estrito, a um corpo. Por extensão, o termo se aplica também a objetos, derivado do termo reliquus, que significa “sobrante, restante”. Outros termos relacionados são “relicário” – que pode ser um recipiente de vidro, uma urna, uma teca ou objeto similar para conservar as relíquias ou expô-las à veneração dos fiéis; e “lipsanoteca” – pequeno invólucro de madeira, com tampa, destinado a conter alguma relíquia alojada na cavidade do altar de uma igreja.
Já a expressão “relíquia dos santos” faz referência, sobretudo, ao seu próprio corpo ou a partes relevantes dele, porém pode se aplicar também a objetos que lhes pertenciam, utensílios, peças do vestuário ou manuscritos e igualmente a coisas que estiveram em contato com seu corpo ou com sua sepultura. Estas, por sua vez, são denominadas “relíquias por contato”.
CLASSIFICAÇÃO
De acordo com a explicação precedente, a Igreja definiu a seguinte classificação das relíquias:
Primária, de Primeira Classe ou de Primeiro Grau: são assim chamadas aquelas derivadas de partes do corpo de um santo ou beato (ossos, unhas, cabelo, sangue etc.);
Secundária, de Segunda Classe ou de Segundo Grau: referem-se aos objetos pessoais de um santo ou beato (uma peça de roupa, um crucifixo, um utensílio etc.);
Terciária, de Terceira Classe ou de Terceiro Grau: inclui pedaços de tecido que tocaram o corpo do santo ou beato.
DINÂMICA
Numa primeira fase, será feita a catalogação de todas as relíquias custodiadas nas paróquias da Arquidiocese, discriminando-se quais delas não possuem os certificados eclesiásticos que atestam sua autenticidade, em função de perda ou extravio.
Para que possam ser veneradas pelos fiéis, as relíquias sem a devida documentação passarão por uma avaliação, segundo normas científicas rigorosas, reconhecidas mundialmente, feita por Farah e por Carlos Evaristo, fundador do Apostolado pelas Sagradas Relíquias, responsável pelo tesouro sacro e pela autenticação de relíquias, cujo trabalho é requisitado até mesmo pelos museus do Vaticano. Após esta análise, caberá ao Cardeal Odilo Pedro Scherer decidir quais relíquias poderão receber novo documento de autenticação.
Na segunda fase, após a catalogação, os fiéis serão instruídos sobre as relíquias custodiadas em suas paróquias e a importância desse sacramental. Para que haja maior engajamento da comunidade, o sacerdote poderá instituir um apostolado das relíquias, que contará com o apoio da ICHR.
ALÉM DA CATALOGAÇÃO
“O objetivo deste projeto transcende à mera catalogação de relíquias. A missão é resgatar o sacramental em nossa Arquidiocese, trazer as relíquias de nossas paróquias à luz e mostrar que, em pleno século XXI, elas são vitrais do Paraíso”, afirmou Farah.
As atividades começarão a ser feitos na Paróquia Santa Generosa, no Paraíso. No entanto, todo esse trabalho, para que alcance os resultados esperados, necessita da colaboração de voluntários, que uma vez aprovados, receberão um breve curso de formação, ministrado por Farah. Quem desejar se voluntariar ao projeto deve entrar em contato por meio do seguinte e-mail: catolicareliquia@gmail.com.
E as Relíquias particulares?
Os paroquianos da Arquidiocese de São Paulo terão acesso a esses “especialistas”?
Tenho muitas Relíquias que pertenceram a meu tio avô que foi Monsenhor.