O SÃO PAULO ouviu 4 profissionais que atuam em funções indispensáveis para a manutenção da dinâmica social em meio à pandemia
“Hoje, a nossa oração é pelas muitas pessoas que limpam os hospitais, as ruas, que esvaziam as lixeiras, que passam pelas casas para recolher o lixo: um trabalho que ninguém vê, mas que é necessário para sobreviver”.
A frase é do Papa Francisco e foi dita em 17 de maio, quando, no Vaticano, gradualmente, eram retomadas as atividades sociais após meses de quarentena em razão da pandemia de COVID-19.
Também no Brasil, o trabalho de profissionais de limpeza tem se mostrado essencial para conter a disseminação do novo coronavírus. Igualmente importantes são os que operam os sistemas de transporte público – a dinâmica de uma grande metrópole como São Paulo em muito depende deles – e, também, os que atuam nos serviços de sepultamento – em alguns países, como na Índia, por exemplo, a Igreja tem ajudado a mobilizar e treinar voluntários para que se faça o enterro dos mortos por COVID-19, em razão da quantidade insuficiente de sepultadores.
O SÃO PAULO conversou com quatro destes profissionais a respeito da dinâmica dos trabalhos e dos cuidados e receios com o novo coronavírus.
‘É um orgulho fazer parte desta linha de frente’
Referência no Brasil para o tratamento de doenças infectocontagiosas, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas é um dos locais que recebem pacientes com a COVID-19 em São Paulo. Ali, tão fundamental como o trabalho dos profissionais de saúde é aquele desenvolvido pelas equipes de limpeza.
Lucimeire Couto Silva é a encarregada da empresa Pluri, prestadora dos serviços de limpeza no Emilio Ribas: “Fico na linha de frente com os funcionários na limpeza de terminais que são dos pacientes de COVID-19, limpeza e descontaminação em geral. Temos aprendido a dar valor àquelas pessoas que estão internadas e que precisam de nós. É um orgulho fazer parte desta linha de frente durante a pandemia”, conta.
A profissional garante que se sente segura no trabalho com o uso de todos os artefatos de proteção e observação das medidas de higienização permanente. “No começo, não me sentia assim. Tive muito medo de levar a contaminação para minha casa, para minha família, mas quando comecei a entender o problema da pandemia, me preveni ainda mais: higienizando as mãos, não passando as mãos na boca, olhos e nariz e usando sempre máscara. Hoje, passo para os funcionários as técnicas corretas, a higienização correta que temos de fazer para não nos contaminar e não contaminar o próximo”, concluiu.
‘O nosso serviço de limpeza é essencial’
As ruas dos bairros Santa Inês, Vila Godói e União de Vila Nova, na zona Leste da capital paulista são o ambiente de trabalho da jovem Maiara de Souza, 24. Ela atua no serviço de limpeza urbana e conta que redobrou os cuidados para não se contaminar com o novo coronavírus.
“Não está sendo fácil. Nós, que trabalhamos na rua, temos que tomar o maior cuidado possível. Por isso, estou sempre utilizando álcool em gel e máscara. Além disso, tenho procurado sair mais cedo de casa para evitar o contato com aglomerações”, detalhou, lamentando que diariamente se depara com ônibus e trens cheios para ir ao trabalho e dele voltar.
“Mesmo tomando o maior cuidado, não dá para saber se fomos contaminados ou não quando se está na multidão, em aglomerações”, analisou.
Maiara sabe, porém, que seu esforço vale a pena, e não apenas por causa do salário que recebe: “O nosso serviço de limpeza é essencial, pois evita que as pessoas possam pegar bactérias e ajuda a combater o novo coronavírus”.
‘Não me sinto seguro, de forma alguma’
Com o afastamento do trabalho dos colegas de profissão que estão no grupo de risco para a COVID-19, Filadelfo Ribeiro Souza, 53, tem feito jornada dupla em uma das empresas de ônibus que opera no sistema de transporte público na capital paulista.
“É sobrecarregado. Já fiquei dois meses e meio fazendo ‘duas pegada’[duas jornadas no mesmo dia], e me expondo, assim, ainda mais à pandemia”, recorda.
Filadelfo lembra que, recorrentemente, precisa pedir aos passageiros que usem máscaras ao entrar no transporte coletivo e conta que trabalha com uma permanente sensação de incerteza. “Temos que encarar os ônibus lotados, com pessoas que não sabemos de onde vêm. Não me sinto seguro, de forma alguma. Dentro do coletivo, por exemplo, não existe uma divisória que me separe do passageiro. Nos períodos de grande movimentação, de manhã e à tarde, os carros andam lotados”, apontou.
‘Se não nos cuidarmos, podemos nos contaminar’
James Alan, 34, trabalha como sepultador na cidade de São Paulo, uma atividade, infelizmente, muito demandada desde o começo da pandemia. “Nosso trabalho praticamente dobrou. Abrimos mais sepulturas do que o normal, fizemos mais exumações e mais sepultamentos”, comentou.
Ele conta que convive com o receio de se contaminar com o novo coronavírus: “É muito difícil se sentir 100% seguro. Quem nos guarda mesmo é Deus. A cada sepultamento, sabemos que se não nos cuidarmos podemos nos contaminar”.
Com a experiência de quem tem visto a dor das famílias que perdem seus entes queridos para a doença, ele pede que as pessoas não se descuidem da higienização: “Todos devem se cuidar, se higienizar, utilizar a máscara e álcool em gel, lavar as mãos. Qualquer um pode se contaminar, mas muitos não levam a sério, mas nós estamos aqui fazendo 70 sepultamentos por dia, e 40 desses são de COVID-19. É algo muito assustador pra nós. Isso não é uma brincadeira”.
(Apuração: Flavio Rogério Lopes)