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E o que aconteceu com a água da torneira?

Sabesp reduz a pressão do fornecimento da água por oito horas diárias; também há relatos sobre problemas com a qualidade do serviço prestado

Sintaema/Reprodução

“Estava com um cheiro estranho, chei­ro de peixe, e gosto ruim”. No começo de julho, foi assim que Adriana Estevão Au­gusto encontrou a água que chegava à sua residência na Cidade Tiradentes, na zona Leste da capital paulista. Por duas vezes, ela tentou registrar o ocorrido nos canais de atendimento da Companhia de Sane­amento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), mas sem conseguir fazê-lo, em razão da quantidade de informações so­licitadas pelo atendimento automatizado, foi às redes sociais para entender o que es­tava acontecendo e se deparou com posts de outros moradores da região com recla­mações similares nos bairros de Ermelino Matarazzo, Cangaíba, Itaquera, Vila In­dustrial, Vila Formosa e Penha.

“Não dá nem para cozinhar com a água da Sabesp que a comida fica com gosto ruim”; “a água está com o cheiro horrível e gosto de terra”; “cheiro de terra e um gosto ruim, até no filtro não resol­ve”, foram alguns dos comentários em um post na página do Facebook “Aconteceu na Zona Leste Agora SP”. Em agosto, também nas redes sociais, houve relatos parecidos de outros moradores da zona Leste e de cidades como Francisco Morato e Taboão da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

“Optei por ferver a água, deixar esfriar e conservá-la em garrafas de água para be­ber. Também comprei algumas garrafas de água mineral”, contou Adriana ao O SÃO PAULO, assegurando, ainda, que ela e uma das filhas tiveram vômito e diarreia após beber da água malcheirosa e com gos­to. A moradora detalhou que o problema foi percebido dias após o conserto em um duto de água na região: “Toda vez que eles [Sabesp] fazem algum tipo de manutenção, isso reflete na qualidade da nossa água”.

EXPLICAÇÕES

Em nota à reportagem, a assessoria de imprensa da Sabesp informou que “nos meses de julho e agosto, foram realizadas manobras no Sistema Flex, entre os re­servatórios Cantareira e Alto Tietê, o que pode ter afetado os bairros da Penha e Vila Formosa. Essa operação permite alternar entre diferentes mananciais para atender à demanda de determinadas regiões, preser­vando aqueles com níveis mais baixos. De­vido às características específicas de cada manancial, pode haver alterações no gosto e no odor da água. Essas mudanças são normais e não comprometem a alta qua­lidade da água fornecida pela Sabesp, que segue todos os padrões de potabilidade”.

Segundo o engenheiro sanitarista José Everaldo Vanzo, que foi diretor de en­genharia e de operações da Sabesp entre 2002 e 2007, o problema relatado pelos moradores é típico de uma pós-interven­ção na rede em que não foram seguidos os devidos protocolos: “Quando se conclui um conserto, a boa norma manda que sê dê a descarga de ponta de rede antes de se começar a distribuir a água para as casas, o que parece não ter sido feito”, comentou, explicando que o procedimento é como que abrir um registro até que toda a água com sujeiras saia da rede de abastecimento.

Vanzo, que já presidiu uma empresa privada de saneamento básico no Nor­te do País, avaliou que o ocorrido se ex­plica pela lógica que rege a privatização desse serviço: “O erro de essência foi o de privatizar o controle de um monopó­lio natural, como é o caso do saneamento básico, cujo controle precisa ser feito pelo Estado. Estando na mão de particulares, e sem concorrência, a empresa põe o preço que quer e produz do jeito que quiser”.

A Sabesp foi desestatizada em julho de 2024, quando o governo do estado de São Paulo deixou de ser o acionista majoritário.

REDUÇÃO NA PRESSÃO DA ÁGUA

Rovena Rosa/Agência Brasil

Em 27 de agosto, a Sabesp iniciou a política de redução na pressão da água na RMSP no período das 21h às 5h. Segundo a companhia, a medida se faz necessária “diante do cenário de estiagem e do baixo nível dos mananciais”, e se trata de uma ação “preventiva e temporária” que atende a uma deliberação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), “com o objetivo de reduzir perdas e evitar vazamentos, preservando, assim, os reservatórios que abastecem a região”.

Conforme dados do Portal dos Manan­ciais, em 1º de setembro o volume arma­zenado nos sete sistemas produtores que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo estava em 36,9%, sendo os percentu­ais mais baixos os dos sistemas Rio Claro (20,9%), Alto Tietê (29,3%) e Cantareira (34,4%). Trata-se do pior panorama desde a crise hídrica de 2015, quando o volume dos reservatórios ficou abaixo dos 10%.

“A Sabesp ressalta que imóveis que possuem suas instalações conectadas à caixa-d’água devem sentir menos os efei­tos da redução de pressão e lembra ainda a importância do uso consciente da água por toda a população”, informou a com­panhia em nota. “Conforme determinam a norma ABNT 5626 e o decreto estadual 12.342/78, é necessário que cada imóvel tenha um reservatório capaz de garantir o abastecimento por no mínimo 24 horas”, lê-se em outro trecho.

Na avaliação de Vanzo, a atual medida será apenas benéfica à Sabesp, pois durante 1/3 de seu período diário de operação terá redução nos custos com energia elétrica e com materiais para o tratamento da água.

“Esse manejo inevitavelmente vai pre­judicar quem mora nas zonas altas, na periferia, principalmente, em razão da pressão reduzida da água. O que está se fazendo agora é colocar uma pressão su­ficiente para não deixar entrar ar na rede, e muitos consumidores neste período não vão ter água chegando na torneira, nem vão conseguir encher suas caixas d’água ao longo do dia. É obrigação da concessioná­ria manter vazão e pressão diária de água. O que está se fazendo é um retrocesso do ponto de vista sanitário”, enfatizou.

QUE PODERIA SER FEITO?

Vanzo comentou que antes de a Sa­besp adotar a redução da pressão da água, outras ações poderiam ser priorizadas, entre as quais uma bonificação a quem reduzisse o consumo mensal; campanhas de conscientização, com alertas de que é no banheiro das residências que as famí­lias consomem 60% deste recurso natural; além do redimensionamento da operação de descarga dos reservatórios.

O engenheiro sanitarista também lem­brou que obras que já deveriam ter sido feitas desde a época da crise hídrica da década passada, como a captação de águas do Rio Itapanhaú, que reforçariam o siste­ma Alto Tietê, ainda não foram viabiliza­das, neste caso específico por questões de licenciamento ambiental.

O QUE FAZER SE A ÁGUA ESTIVER COM COLORAÇÃO DIFERENTE?

O morador deve registrar o ocor­rido por um destes canais de atendimento da Sabesp: Telefone (0800 055 0195); WhatsApp (11) 3388-8000 e pela Agência Virtual (www.sabesp.com.br).

“Para os bairros da Vila Industrial e Cidade Tiradentes, pedimos que sejam informados endereço completo e altura (número), para que possamos realizar a verifica­ção completa. Ressaltamos que os endereços completos são es­senciais, pois uma equipe da Sa­besp precisa se deslocar ao local para apurar a ocorrência”, infor­ma a companhia.

“Em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso [água], tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos” (Papa Francisco, encíclica Laudato si’, 30)

Veja qual o tamanho da caixa de água ideal para sua casa:

Imagens gráficas: Sabesp

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