“Bento XVI: ‘Simplesmente um peregrino’” é o título do primeiro volume de uma trilogia que reúne reflexões do Pontífice que conduziu a Igreja entre 2005 e 2013, falecido há pouco mais de um ano.
Publicado pela Angelus Editora, a obra é de autoria de Silvonei José Protz, jornalista brasileiro, doutor em Comunicação e diretor-responsável do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano – Vatican News, onde trabalha há quase 34 anos.
Conhecido popularmente como a “Voz do Papa”, por conduzir as transmissões das celebrações pontifícias em língua portuguesa, Silvonei visitou os estúdios da rádio 9 de Julho e a redação do jornal O SÃO PAULO, no dia 1º, durante sua passagem por São Paulo para o lançamento do livro.
O jornalista explicou que a obra tem o objetivo de ajudar os leitores, por meio das catequeses e discursos de Bento XVI, a aprofundarem o seu amor pela Igreja e a adesão à fé católica. Os textos selecionados ajudam a mergulhar na intimidade e sabedoria desse grande Papa, que também ensinou muito com seus gestos, como a histórica decisão de renunciar ao pontificado, em 2013.
O livro tem o prefácio do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, e conta com comentários de nomes como o do Cardeal Orani João Tempesta, Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ), e de Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre (RS) e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Como surgiu a iniciativa de escrever essa obra?
Silvonei José Protz – Essa ideia nasceu há muito tempo, quando eu comecei a organizar textos para algumas transmissões sobre conteúdos de Bento XVI. Eu refletia como poderíamos colocar conceitos que ele nos trouxe e deixou, um legado, de uma maneira simples. Sua opera omnia [obras completas] é enorme. Então, pensamos sobre como colocar todas essas temáticas, não todas, mas a grande parcela daquilo que eu acho que possa ser interessante para as pessoas, de uma maneira simples. Daí, eu comecei a ler seus textos, mais de 400. O subtítulo, “simplesmente um peregrino”, nasce do discurso como pontífice [em 28 de fevereiro de 2013, antes de concluir o pontificado, em Castel Gandolfo], quando ele afirma: “Sou simplesmente um peregrino […] nesta terra. Mas quero ainda, com o meu coração, o meu amor, com a minha oração, a minha reflexão, com todas as minhas forças interiores, trabalhar para o bem comum, o bem da Igreja e da humanidade”. A ideia é que Bento XVI continua a caminhar conosco, por meio de seu enorme legado.
Este, portanto, é o primeiro de três volumes?
Sim, são três volumes que tratam sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por exemplo, o primeiro texto que encontramos no livro fala justamente da primeira graça que recebemos: a fé. Bento XVI disse, em um Angelus na Praça São Pedro em 2 de janeiro de 2011:“Quando lemos ‘no princípio já existia o verbo e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus’, o evangelista, tradicionalmente comparado com uma águia, eleva-se acima da história humana perscrutando a profundidade de Deus. Mas, muito cedo, seguindo o seu mestre, regressa à dimensão terrena dizendo: ‘E o verbo se fez homem. O verbo é uma realidade vivente, um Deus que se comunica tornando-se ele próprio homem, ele veio habitar no meio de nós e nós contemplamos a sua glória. Ele se abaixou para assumir a humildade da nossa condição, explica São Leão Magno, sem que fosse diminuída a Sua Majestade. Lemos, ainda, da sua plenitude é que todos nós recebemos graças sobre graça. Então, qual é a primeira graça que recebemos, questiona-se até mesmo Santo Agostinho e responde: é a fé. E a segunda graça, logo acrescenta, é a vida eterna”. Isso é para nos estimular a termos um gosto por uma leitura simples, naturalmente, e que possa deixar alguma coisa, aquelas sementinhas de que tanto precisamos nos dias de hoje. E junto com isso há uma variável importante: um QRCode dentro do livro que leva para uma plataforma na qual eu gravei todos esses textos. Neste primeiro volume são 74 textos.
O livro também recorda a renúncia e a morte de Bento XVI?
Na introdução deste volume, eu conto um pouco dessa extrema gentileza e humildade de Bento XVI que foi sua renúncia. Imediatamente, reproduzo a tradução da Declaratio, isto é, a declaração de renúncia dele, no dia 11 de fevereiro de 2013. Depois, vem uma frase que para mim é emblemática e eu gravei no meu coração: “Crer é tocar a mão de Deus”. Em seguida, reproduzo seu discurso de despedida. Também pesquisei o seu último tuíte como Papa: “Obrigado pelo vosso amor e pelo vosso apoio. Coloquem Cristo no centro de suas vidas”. Nessa introdução, eu também abordo a morte do Papa Bento XVI, reproduzindo o Rogito, isto é, o texto colocado dentro do seu caixão, que trata, inclusive, de aspectos da sua vida. Logo em seguida, é reproduzido o seu breve testamento espiritual, escrito em 2006, em cujas palavras finais diz: “Orai por mim, de tal modo que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e insuficiências, receba-me nas moradas eternas. A todos aqueles que me são confiados dia após dia dirijo sempre a minha oração e a minha prece”. Esse é o testamento.
O livro, portanto, mostra que Bento XVI ensinou não apenas com palavras, mas também com gestos?
Nós falamos muito, agora, do nosso querido Papa Francisco e dos seus gestos e, às vezes, relegamos Bento XVI à sua escrivaninha com seus textos. Não é verdade. Eu posso dizer para vocês que ele era uma pessoa extremamente humilde e, às vezes, era humildade até desarmante. Ao mesmo passo, ele teve a coragem misturada com o amor infinito pela Igreja, com uma esperança ainda maior do que aquilo é simplesmente uma continuação: a sua renúncia. Bento XVI mostrou liberdade em relação ao cargo e grande amor a Jesus Cristo e à sua Igreja, e uma fé inquebrantável na providência, além de autêntica humildade. Seu exemplo serve para todos nós, principalmente para aqueles que ocupam cargos importantes e, apesar dos grandes limites sentidos e manifestados, não imaginam que Deus pode colocar alguém com tal amor na função e no cargo que ocupa. Quem, hoje, em um cargo, um serviço, uma autoridade tão importante para bilhões de pessoas no mundo, que esperam sempre da sua boca alguma coisa que possa confirmá-los e mudar suas vidas, diz: “Eu não tenho mais força para isso”? Só quem tem essa humildade extrema para reconhecer isso.
A obra também destaca o testemunho e os ensinamentos de Bento XVI sobre a fé?
Sem dúvida. Nós temos a Profissão de Fé que, muitas vezes, é rezada sem uma compreensão profunda das palavras e daquilo que elas exprimem: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra…” É uma afirmação muito grande! “Em Jesus Cristo, seu único filho…” Um livro como esse é para ajudar as pessoas a refletirem: “Por que eu tenho fé?” Qual resposta daríamos? Há um fato muito especial dos últimos momentos de vida de Bento XVI, e quem nos contou foi Dom Georg Gänswein [seu secretário pessoal]. Antes de morrer, por volta das 3h, estava com ele apenas o enfermeiro que ouviu as últimas palavras do Papa emérito: “Senhor, eu te amo”. A pergunta que faço diante dessa cena é: quantas vezes nós dissemos isso a Jesus hoje?