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Entidades protestam devido a atrasos e defasagens nos convênios de assistência social com a Prefeitura

Valores dos dissídios trabalhistas de 2023 e 2024 ainda não foram repassados nem houve a reposição das perdas inflacionárias no período

Trabalhadores e gestores de Organizações da Sociedade Civil protestam em razão dos convênios com a Prefeitura na área de assistência social
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

A defasagem nos valores que recebem de convênios com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e os atrasos nos repasses referentes aos dissídios salariais de 2023 e 2024 fizeram com que trabalhadores e gestores de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) paralisassem atividades na quinta-feira, 7, e realizassem um protesto pelas ruas do centro da capital paulista. 

Em julho de 2023, o Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança, ao Adolescente e à Família do Estado de São Paulo (Sitraemfa) aprovou um dissidio salarial de 5% para estes trabalhadores; e em julho de 2024, um novo reajuste de 5%, percentuais que até agora não foram repassados pela Prefeitura às OSCs. As entidades também reclamam que não houve atualização dos valores dos convênios para repor as perdas decorrentes da inflação acumulada no período e que tem havido pagamento mensal fracionado. 

“Um gerente de um núcleo de idosos, por exemplo, que espera a verba do convênio ser paga no dia 2 de cada mês, tem recebido só a metade disso na data e o restante vem somente depois, quando a SMADS consegue o recurso na Fazenda. Isso é extremamente desgastante”, afirmou, ao O SÃO PAULO, Regina Paixão, coordenadora do Fórum de Assistência Social Oficial da Cidade de São Paulo (FAS Oficial). 

O Fórum organizou a paralisação do dia 7 em conjunto com a Rede Arquidiocesana de Promoção Humana Integral (Rearphi) e o Instituto Nacional de Defesa das Organizações da Sociedade Civil (Indosc). 

SOBREVIVENDO COM POUCOS RECURSOS 

Em toda a cidade, mais de 300 OSCs mantêm parceria com a SMADS, em quase 1,4 mil convênios para a prestação de serviços a pessoas em situação de rua, manutenção de centros para crianças e adolescentes, instituições de longa permanência para idosos, locais de acolhimento a vítimas de violência, entre outros. 

Uma das conveniadas é o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar), instituição católica com 78 anos de existência, e que atualmente mantém 26 contratos com a SMADS. À reportagem, o Padre Pierre Rodrigues da Costa, Diretor-presidente, confirmou os atrasos nos repasses referentes aos dissídios de 2023 e 2024 e disse que não aconteceram reajustes nos valores para repor as perdas com a inflação no período. 

“O que temos com a SMADS é uma parceria: eles entram com a verba e nós com a administração, além de assumirmos todas as questões trabalhistas. Entretanto, se os reajustes não são feitos, se o repasse não acompanha a inflação, se o valor referente aos dissídios não vem, nós passamos a ter um convênio que é deficitário e, assim, surge um grande problema, pois acabamos tendo de usar os recursos da instituição para manter os serviços”, detalhou o Sacerdote. 

Padre Pierre destacou que essa situação tem impactado o planejamento para realizar obras de infraestrutura em imóveis, o que coloca em risco a continuidade de alguns dos serviços. 

“Temos uma situação crítica na Morada São Martinho de Lima, que é como que uma casa de acolhida para 160 pessoas que antes viviam nas ruas, e no centro de convivência, em que atendemos diariamente cerca de 400 pessoas. Em uma época, chegamos a atender 600 pessoas, a pedido da Prefeitura, mas não recebemos por isso até hoje. Nessas duas casas, há grande chance encerrarmos o serviço”, lamentou o Sacerdote. 

Regina Paixão destacou que quase sempre as OSCs precisam remanejar recursos para pagar os trabalhadores, e que o primeiro aspecto afetado com isso é a qualidade da alimentação ofertada aos atendidos. Ela exemplificou que o valor médio per capita que a SMADS repassa para alimentação aos núcleos de idosos é de R$ 2,47; e aos serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes (Saicas), de R$ 13,27. 

“Se não houver aumento de repasse, infelizmente as organizações sociais vão ter de entregar serviços. Não há como gerir as organizações com um déficit mensal”, enfatizou Regina, que também é presidente da Sociedade Santos Mártires, no Jardim Ângela, na periferia da zona Sul. A entidade optou por não deixar em atraso os dissídios trabalhistas, mesmo sem ter recebido da SMADS ainda, e paga os adicionais de insalubridade a funcionários, mesmo não havendo repasses de verbas para tal nos convênios com a Secretaria. 

NEGOCIAÇÕES COM A PREFEITURA 

Em entrevista coletiva na quinta-feira, 7, o prefeito Ricardo Nunes se disse surpreso com a paralisação realizada pelos gestores e trabalhadores das OSCs, pois, segundo ele, já estava em curso as negociações para o reajuste nos repasses de verbas com as conveniadas. 

“Nós vamos fazer na segunda-feira [dia 11] uma reunião com os fóruns de assistência social para anunciar qual será o valor de repasse para poder corrigir, principalmente, a perda da inflação nesses convênios. Será um reajuste que pode ir de R$ 30 milhões a R$ 50 milhões, ainda estamos estudando o valor”, declarou Nunes. 

A reunião, de fato, ocorreu no dia 11, no gabinete do Prefeito, mas sem a presença de Nunes. Participaram Enrico Misasi, secretário-chefe da Casa Civil; Eliane Gomes, secretária da SMADS; representantes dos fóruns de assistência social e os vereadores da frente parlamentar em defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Segundo Regina Paixão, na ocasião a Prefeitura se comprometeu a repassar os valores referentes ao dissídio salarial de dez meses do ano de 2023 e trabalhar para que os pagamentos mensais não ocorram mais de modo fracionado. Entretanto, não houve projeções quando haverá repasses acerca do dissídio de 2024 nem da recomposição das perdas inflacionárias acumuladas desde 2023. 

Uma comissão de trabalho foi montada para calcular os repasses relativos ao dissídio de 2024 e projetar os valores dos adicionais de insalubridade nos serviços de média complexidade. Por ora, as organizações descartam realizar uma nova paralisação e estão dispostas a manter as tratativas com a Prefeitura. Uma nova reunião está agendada para o dia 25 deste mês. 

Para Regina Paixão, um dos problemas centrais nos serviços de assistência social na cidade de São Paulo é que a pasta, diferentemente de outras como a Saúde e a Educação, não tem um percentual fixo no orçamento municipal, e, assim, mês a mês, precisa requerer suplementação de verbas: “Precisaríamos garantir com vereadores, com o prefeito, um percentual anual no orçamento. Do contrário, o ano que vem a gente terá de fazer pressão outra vez, ir para a rua de novo, para não chegar neste caos atual”. 

Em nota à reportagem, a SMADS informou que “a qualidade dos serviços prestados em parceria com as organizações do terceiro setor é assegurada por um processo de monitoramento e avaliação contínuo, previsto em portaria municipal (46/SMADS/2010)”. Também disse que quando há a finalização de uma parceria de uma OSC com a Secretaria, as famílias e indivíduos atendidos recebem “a devida orientação sobre a continuidade do atendimento” e que “quando ocorre o encerramento de um serviço da rede e a demanda persiste no território, um novo serviço é aberto. Na impossibilidade de abertura, as vagas podem ser remanejadas para outras unidades na mesma região”. 

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