
Em meio às montanhas da Serra do Boturuna, apoiada em uma pedra no Rio Tietê, uma imagem de Jesus flagelado e coroado com espinhos foi encontrada pelo senhor José de Almeida Naves em 1725. Ele a levou para casa e não demorou muito para que a população de Pirapora – à época pertencente à Vila de Santana de Parnaíba – e do entorno difundisse a piedade popular ao Senhor Bom Jesus.
Em 2025, o achado da imagem completa 300 anos, e uma festa solene, que prossegue até 6 de agosto, tem levado milhares de fiéis ao Santuário criado em 1887 e erigido como Paróquia em 1897, à época pertencente à Diocese de São Paulo. De 1896 até o começo da década passada, o Santuário esteve sob os cuidados dos padres da Ordem dos Cônegos Regulares Premonstratenses; a partir de 2013, o pároco era da Diocese de Jundiaí – à qual o Santuário pertence – e desde abril de 2018 é cuidado pela Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas).

UMA HISTÓRIA DE FÉ
Na cidade de clima bucólico, distante 53km da capital paulista, tudo lembra a fé no Senhor Bom Jesus: as cruzes da via-sacra na Estrada dos Romeiros, as plaquinhas dos grupos de cavaleiros e os muitos elementos na praça em frente ao templo, como uma estátua do Senhor Bom Jesus em cima do velário, um painel que reproduz o achado da imagem e as fitinhas amarradas pelos romeiros no gradil às margens do Rio Tietê.
“Eu me lembro de quando era criança, a estrada ainda era de barro e muitos romeiros vinham de caminhão pau de arara. Muita gente também chegava a cavalo ou em charretes e carroças. A gente não conseguia andar pela cidade de tantas pessoas que havia. As procissões aconteciam com a imagem em um carro de boi no meio do povo”, recordou, ao O SÃO PAULO, Fernando Felipe, coordenador da liturgia no Santuário e catequista. Há 35 anos, ele ajuda a zelar pela imagem de madeira talhada, de 1,83m de altura, de policromia única e traços humanos bem demarcados como cabelos, olhos (de vidro), dentes, língua, ouvidos e nariz.

ITINERÁRIO CELEBRATIVO DOS 300 ANOS
As comemorações do tricentenário começaram com um tríduo às três pessoas da Santíssima Trindade: o Pai, no ano de 2022, quando a imagem recebeu uma nova coroa; o Filho, em 2023, sendo dado ao Senhor Bom Jesus uma palma, com 12 ramos de oliveira e sete orquídeas; e o Espírito Santo, em 2024, quando foi revestida com uma réplica de um de seus primeiros mantos.
“Esse caminho espiritual nos ajudou a rememorar tanto a história do encontro da imagem do Senhor Bom Jesus quanto a do Santuário, de tudo aquilo que envolveu sua construção e a edificação, e de todas as pessoas que por aqui passaram”, detalhou à reportagem o Padre Marcelo Magalhães, C.Ss.R., Pároco e Reitor.

A festa solene pelo jubileu foi iniciada no sábado, 26, com a festividade dos copadroeiros do Santuário, Sant’Ana e São Joaquim, cujas imagens restauradas retornaram ao templo. Na segunda-feira, 28, houve o início da novena em honra ao Senhor Bom Jesus, com uma das celebrações presididas pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer.
“Este é um santuário precioso na tradição religiosa e popular. A devoção, tendo como referência a imagem do Senhor Bom Jesus, ajudou o povo a cultivar a fé”, ressaltou o Arcebispo de São Paulo, destacando ainda que é neste Cristo flagelado, coroado de espinhos e ensanguentado – como é representado na imagem – que os cristãos se gloriam: “Nele está a nossa salvação, a remissão dos nossos pecados e a glória eterna que nós também buscamos e da qual temos a promessa de um dia participar”.

A RELIGIOSIDADE EM PIRAPORA
Segundo Padre Marcelo, os Redentoristas têm buscado entender melhor as peculiaridades da religiosidade vivenciada em Pirapora. Além do Santuário, que por ano recebe cerca de 600 mil pessoas, eles administram cinco comunidades, com missas e atividades pastorais.
A maioria dos romeiros é da Grande São Paulo e do interior paulista. “Uma característica forte aqui é a presença do peão, aquele romeiro sertanejo, que vem a cavalo, de charrete. E é uma fé muito bonita, que passa de geração em geração, uma herança espiritual de pais para filhos”, disse o Reitor.

Uma das tradições centenárias é a dos peregrinos que carregam grandes cruzes na Sexta-feira da Paixão. “Quase todas as cruzes são com agradecimentos, não com pedidos. Este ano, chegaram mais de 400 cruzes. Algumas delas com mais de 30 metros de altura”, detalhou o Padre. A maioria é transformada em mobiliário para as dependências do Santuário e das comunidades. Algumas, porém, permanecem em exposição.
RESTAURO DO SANTUÁRIO
O templo que guarda muitas memórias de fé, também traz, interna e externamente, as marcas do passar do tempo, com desgastes em suas paredes e no telhado.
“Será um grande presente destes 300 anos iniciar o restauro do Santuário. Nós já fizemos o projeto com uma empresa especializada e entregamos ao Condephaat [Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo] para a aprovação. O Santuário é belíssimo, mas hoje pouco do que temos é original”, disse o Reitor.

Padre Marcelo explicou que conseguiu que fosse interrompido o processo de tombamento histórico da igreja, para que somente seja retomado quando houver o restauro de suas características originais, como, por exemplo, das obras de Pedro Alexandrino, um dos expoentes da arte naturalista no Brasil, e de Arnaldo Mecozzi, artista sacro, encobertas por camadas de pinturas e revestimentos ao longo das décadas.
ONDE O SENHOR BOM JESUS QUIS PERMANECER
Em 2 de agosto, como parte da novena, haverá a procissão em memória ao “milagre do carro de boi”. Quando a fazenda que abrigava o Senhor Bom Jesus já não comportava receber tantos peregrinos, seu dono pediu que a imagem fosse transferida à Igreja de Santa Ana, em Santana do Parnaíba. No entanto, quando o translado ocorria, o carro de boi empacou em frente a uma capela onde vivia um homem surdo-mudo.
“A oralidade conta que este surdo-mudo, recobrando os sentidos, disse àqueles que conduziam o carro de boi que tirassem as juntas de boi, pois o Bom Jesus não queria ir para Santana, queria permanecer em Pirapora. E assim feito. No dia 2, partiremos de Pirapora com a imagem do Senhor Bom Jesus, e sairá de Santana de Parnaíba a imagem de Sant’Ana. Assim, vamos unir os nossos jubileus: de 300 anos do achado do Bom Jesus e dos 400 anos da Igreja de Santa Ana, criada em 1625”, detalhou o Padre Marcelo Magalhães.

“A gente agradece muito ao Senhor Bom Jesus porque foi ele quem quis ficar na cidade. Por isso, somos gratos em organizar esta festa”, declarou Fernando Felipe.
Este é o mesmo sentimento de Regiane Goulart, também coordenadora da liturgia no Santuário: “É muito emocionante ver a fé dos peregrinos. A gente escuta os milagres e isso nos dá força para continuar. A imagem do Senhor Bom Jesus fala e move muito o coração”.
Até 5 de agosto, a festividade do Senhor Bom Jesus terá celebrações da novena às 15h e 19h, e missas às 17h. No dia 6, festa da Transfiguração do Senhor, as missas serão às 5h, 7h, 9h, 11h, 13h, 15h, 17h (antecedida de procissão) e 20h. Mais detalhes podem ser vistos pelo Instagram (@santuariobomjesusdepirapora).
(Colaborou: Padre Bruno Muta Vivas)