Na antiga capelinha dedicada a São José, próxima à Santa Casa de Misericórdia, sentados à sua frente estavam Dom Paulo Evaristo Arns, então Arcebispo Metropolitano, seu tio, o Frei João Maria de Carvalho, e alguns amigos e familiares que testemunharam a concretização
de um sonho semeado desde a infância: consagrar a vida a Deus e dedicá-la exclusivamente à Igreja particular da Arquidiocese de São Paulo.
Os detalhes daquele dia, vividos há quase cinco décadas, ainda estão na memória de Ruth Maria de Carvalho, leiga consagrada da Arquidiocese de São Paulo. E essa consagração só foi possível porque, em 31 de maio de 1970, no contexto da renovação pós-conciliar da Igreja, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, sob o pontificado de São Paulo VI, promulgou o Ritual da Consagração das Virgens, Ordo virginum, permitindo uma nova forma de consagração feminina à Igreja particular.
As mulheres que se consagram pelo rito da Ordem das Virgens emitem o santo propósito de seguir mais de perto a Cristo, desposam-se misticamente com Cristo, Filho de Deus, e dedicam-se ao serviço da Igreja, conforme consta no Código de Direito Canônico, no qual também se postula que “as virgens podem associar-se para observar mais fielmente o seu propósito e, com auxílio mútuo, realizar o serviço da Igreja, consentâneo com o seu próprio estado”.
Vale realçar que, com este rito, as leigas consagradas não se tornam freiras. O principal diferencial entre as duas formas de consagração é que essas mulheres se consagram e realizam votos de castidade perpétua, mas não se vinculam a nenhuma congregação religiosa, e sim a uma Igreja particular. Elas “permanecem em seu ambiente de vida comum, enraizadas na comunidade diocesana”, como explicado na instrução Ecclesiae sponsae imago, primeiro documento aprofundado sobre o novo rito, que foi publicado em julho de 2018, em preparação para o Encontro Mundial das Virgens Consagradas, que aconteceria entre 28 e 31 de maio deste ano, em Roma, mas foi adiado devido à pandemia de coronavírus. O texto é assinado pelo Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Cardeal. João Braz de Aviz, e pelo Secretário, Dom José Rodriguez Carballo.
NA HISTÓRIA
A mesma instrução rememora, ainda, que o ato de consagração de mulheres está indicado em algumas passagens do Novo Testamento e em escritos sobre a vivência das primeiras comunidades cristãs. Destacando que, nos três primeiros séculos, algumas das virgens consagradas foram vítimas de martírio por permanecerem fiéis à vocação, como Águeda, de Catânia; Luzia, de Siracusa; Inês e Cecília, de Roma; Tecla, de Icônio; Apolônia, de Alexandria; Restituta, de Cartago; Justa e Rufina, de Sevilha. Estima-se que, atualmente, existem cerca de 5 mil consagradas em todos os continentes.
“As virgens são pessoas sagradas, um sinal sublime do amor da Igreja por Cristo, uma imagem escatológica da Noiva celestial e da vida futura. A pertença exclusiva, ratificada pelo vínculo nupcial, mantém nelas a vigilante espera pelo retorno do glorioso Noivo (cf. Mt 25,1- 13), vincula-as de maneira peculiar ao seu sacrifício redentor e as destina à edificação e missão da Igreja no mundo (Cl 1,24)”, conforme a instrução Ecclesiae sponsae imago.
EM COMUNHÃO COM A ARQUIDIOCESE
Em carta enviada a Ruth Maria pela celebração dos 50 anos da assinatura do rito, em maio deste ano, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, frisou que tal renovação aconteceu diante das mudanças quanto à condição feminina na Igreja, e “valoriza a força de atração dessa antiga forma de vida consagrada, capaz de corresponder ao desejo de muitas mulheres, também hoje, de dedicarem sua vida inteiramente ao Senhor Jesus e aos irmãos. Ao mesmo tempo, a renovação do Rito traduz a redescoberta da identidade da própria Igreja particular, lugar onde a consagração acontece”.
Na Arquidiocese de São Paulo, o rito Ordo virginum foi instalado pelo então Arcebispo Metropolitano, Cardeal Paulo Evaristo Arns, no mesmo ano de sua promulgação. Em 31 de maio de 1972, ocorreu a primeira consagração, que foi a de Maria Ângela Borsoi. Na mesma carta, Dom Odilo contou que o número de leigas consagradas na Arquidiocese de São Paulo chegou a 64 e, hoje, segundo Ruth Maria, é de 35.
Cabe às consagradas mais antigas a formação, manutenção e estímulo da vocação, priorizando a espiritualidade, vida de oração, conhecimento bíblico, crescimento no amor à Igreja, estudo da Liturgia e a participação nos eventos da própria comunidade e da Arquidiocese.
Ruth Maria é quem costuma realizar um primeiro diálogo com as candidatas à consagração, que são apresentadas, geralmente, pelos bispos e padres. Ela destaca que, para se doar ao corpo místico de Cristo, “é preciso amar, é preciso ser feito por amor para o serviço dessa mesma Igreja”.
O RITO
Sendo o Bispo Diocesano o ministro do rito de consagração das virgens, o ato é composto por:
Chamada das virgens: Quando o bispo diz às que serão consagradas: “Vinde, filhas e escutai-me: ensinar-vos-ei o temor do Senhor”. Posteriormente, respondem, cantando a seguinte antífona: “Eis que vamos ao Vosso encontro de todo o coração, veneramos o Vosso nome, e buscamos a Vossa face; não nos confundais, Senhor, mas tratai-nos segundo a vossa mansidão e a vossa infinita misericórdia”.
Homilia ou alocução: O ministro instrui o povo e as virgens sobre o dom da virgindade para a santificação das eleitas e para o bem de toda a Igreja.
Interrogatório: O bispo inquire das virgens se estão decididas a perseverar no propósito de virgindade e receber a consagração.
Ladainhas: Nesse rito, substitui-se a Oração dos Fiéis, dirigindo súplicas a Deus Pai, e se implora a intercessão da Virgem Maria e de todos os santos.
Renovação do propósito de castidade: Momento em que as virgens, uma por sua vez, aproximam-se do bispo e se ajoelham; em seguida, põem as suas mãos juntas entre as mãos do bispo e dizem: “Recebei, Pai santo, o propósito de seguir a Cristo em perfeita castidade, que eu professo, com o auxílio do Senhor, diante de Vós e do povo santo de Deus”.
Consagração solene das virgens: A Igreja, nossa Mãe, suplica ao Pai celeste que derrame sobre as virgens a abundância dos dons do Espírito Santo, por meio do bispo que, de mãos estendidas sobre as virgens, canta ou recita a bênção da consagração.
Entrega das insígnias da consagração: Neste momento, as novas consagradas, acompanhadas pelas mulheres leigas ou virgens já consagradas anteriormente, aproximam-se do bispo, que diz: “Recebei, filhas caríssimas, o véu e a aliança, insígnias da vossa consagração. Guardai intacta a fidelidade ao vosso Esposo e nunca vos esqueçais de que fostes consagradas para o serviço de Cristo e do seu Corpo, que é a Igreja”. Em seguida, são entregues o véu, a aliança ou outra insígnia da consagração às novas consagradas que, a cada oração, respondem: “Amém”.