Com cerca de 70 peças de seu acervo, o Museu de Arte Sacra remonta à solenidade oferecida como recepção ao então príncipe regente em 1822
Interagindo com a Sé catedral de 1822. É assim que o visitante se sentirá ao entrar na exposição “Te Deum”, exibida pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS/ SP), em comemoração do bicentenário da Independência.
Sob curadoria de Beatriz Cruz e João Rossi, a mostra recorda a solenidade realizada na antiga Igreja da Sé de São Paulo para recepcionar o príncipe regente Dom Pedro de Alcântara em visita à cidade, em 25 de agosto de 1822, às vésperas da Independência do Brasil.
Na ocasião, foi entoado o hino litúrgico “Te Deum laudamus” (A Ti, Deus, louvamos), regido pelo mestre de capela da Sé, André da Silva Gomes.
Na mostra do MAS, estão reproduzidos o altar-mor e os altares laterais da Velha Sé paulistana, do bispado de Dom Matheus de Abreu Pereira.
“Tentamos recriar um ambiente religioso que lembrasse a antiga Catedral de São Paulo. Compusemos o ambiente com muitas obras que foram da antiga Sé e que são do acervo do MAS”, contou ao O SÃO PAULO João Rossi, conservador e retaurador do MAS.
“Substituímos as obras [da época] que não tínhamos e que não se sabe o paradeiro por obras do museu e de coleções para recriar a atmosfera religiosa da época”, acrescentou Rossi. “Grande parte das obras que aqui estão, Dom Pedro viu na antiga Sé, nessa vinda dele para São Paulo. Como parte da prataria, algumas poucas talhas que sobraram na antiga Igreja e mobiliário,” prosseguiu.
MAS O QUE É O ‘TE DEUM’?
O Te Deum é uma oração cantada, um hino entoado em ação de graças; um antigo costume religioso da Igreja Católica, utilizado principalmente em encerramento de cerimônias específicas, como Matinas de Santos, Páscoa, Pentecostes, Corpus Christi e Natal.
Em 2012, o Papa Bento XVI aclarou o significado do “Te Deum”: “É um hino de ação de graças que inicia com o louvor e termina com uma profissão de fé”.
Em uma palestra do MAS, que antecedeu a abertura da mostra, o professor Paulo Castagna, especialista em Patrimônio Histórico Musical Brasileiro, compartilhou que o Te Deum já foi utilizado também para celebrar acontecimentos atribuídos à intervenção divina.
“Quando grandes conflitos eram resolvidos, quando houvesse sucessos em negociações, em salvamento de governantes, eleições de papas e canonização de santos”, exemplificou.
Castagna lembrou ainda que, durante o período monárquico, Portugal e Brasil desenvolveram uma maneira própria de fazer uso político do Te Deum. “Ele era cantado por ocasião do nascimento, aniversário ou casamento de membros da família real e, posteriormente, da imperial”, contou.
Mesmo não sendo mais tão comum, o Te Deum ainda é utilizado pela Igreja. “Aqui em São Paulo, por exemplo, sei que no Mosteiro de São Bento, que tem tradição de coro monástico, é cantado em algumas ocasiões, sempre acompanhado de um ofício litúrgico”, relatou Rossi.
TE DEUM DA INDEPENDÊNCIA
Na época da visita do então príncipe regente a São Paulo, o Te Deum costumava ser utilizado para a recepção de autoridades tanto políticas quanto eclesiásticas. “O uso na recepção de uma autoridade civil ocorria por causa da proximidade Igreja-Estado. No tempo do Brasil Colônia e do Brasil Império, vivíamos um sistema chamado padroado, em que o governo civil tinha uma grande influência na Igreja”, explicou Rossi.
Por isso, ciente da visita do príncipe a São Paulo, a sociedade da época já esperava pelo uso do Te Deum como recepção de sua chegada, antes do 7 de setembro.
“Era protocolo. Uma vez que se tem a junção de Igreja e Estado, os atos são conjuntos. Assim, se a autoridade civil visitasse a cidade, ela seria recepcionada na Igreja”, contextualizou Rossi. “Por ser um hino de ação de graças, estava sendo dado graças a Deus pela presença do príncipe.”
Outra coisa que evidencia o elo da época entre Igreja e Estado é a disposição dos dois poderes dentro da antiga Catedral.
“Ao mesmo tempo que se tem a figura do Bispo debaixo do dossel, à direita do altar, que é o lugar marcado para ele, do outro lado, à sua frente, tem outro personagem, o príncipe. Estando os dois poderes frente a frente”, descreveu Rossi, advertindo que embora, hoje, algumas resoluções ou atitudes possam despertar estranheza, para a época eram comuns.
A MOSTRA
Ao chegar à exposição, o visitante se depara com um quadro que reproduz a paisagem de São Paulo de 1822, como Dom Pedro avistou.
Em meio aos sons de badaladas de sinos, o visitante é conduzido até a sala principal em que está rememorada a antiga Igreja da Sé, com suas relíquias e altares, remontados a partir de relatos da época.
“Fomos tentando compor os oragos desses altares da forma que eles eram. Com os lampadários de prata e com a prataria que Dom João V doou para criação do bispado de São Paulo”, contou Rossi.
Um lampadário de prata do século XIX foi apontado pelo curador como “a alma da exposição”. “Ele era da capela do santíssimo da antiga Catedral. Foi doado para a antiga Sé por Dom Pedro I, já quando Imperador. Ele tem o brasão do Império do Brasil”, relatou.
Ainda nesse cenário, uma seleção de vários Te Deum contribui para transmitir ao visitante a sensação de estar presente à cerimônia da recepção pública do então futuro imperador do Brasil, Dom Pedro.
Além dos objetos da época e elementos contemporâneos, esboços de partes dos altares que faltam foram utilizados para compor a exposição e assim permitir que, mesmo “o visitante muito leigo na questão religiosa”, entenda a composição como um todo. “A ideia é justamente criar esses desenhos para indicar uma composição em que o visitante consiga identificar que ele está entrando em um espaço museológico, mas que reproduz o espaço religioso.”
Por toda a exposição, manequins trajados com réplicas dos vestuários da época compõem a nave da igreja.
A exposição prossegue até 23 de outubro, de terça-feira a domingo, das 10h às 17h. Mais informações pelo site https://www.museudeartesacra.org.br.