Nova legislação em SP explicita o direito à liberdade religiosa

Garantido pela Constituição federal, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e por diferentes pactos internacionais, o direito de cada ser humano de professar e vivenciar a fé passou a ser mais bem detalhado no estado de São Paulo, com a lei 17.346/21, sancionada em 12 de março.

Fotos: Luciney Martins/ O SÃO PAULO (registros anteriores à pandemia de COVID-19)

Aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo como projeto de lei 854/2019, de autoria da deputada Damaris Moura (PHS), a Lei Estadual de Liberdade Religiosa “se destina a combater toda e qualquer forma de intolerância religiosa, discriminação religiosa e desigualdades motivadas em função da fé e do credo religioso que possam atingir, coletiva ou individualmente, os membros da sociedade civil, protegendo e garantindo, assim, o direito constitucional fundamental à liberdade religiosa a toda população do Estado de São Paulo”, conforme consta no Artigo 1o.

A legislação assegura, ainda, que “a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos” (Art. 2o) e que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa” (Art. 3o).

A nova lei também apresenta definições sobre intolerância, discriminação e desigualdade religiosa e estabelece ações e políticas públicas de enfrentamento à intolerância religiosa.

De acordo com o jurista Ives Gandra Martins, doutor em Direito e presidente emérito da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), a nova legislação reafirma, de modo explícito, o que já consta na Constituição federal: que não pode haver forma alguma de discriminação religiosa; que o Estado é laico e não laicista; e a garantia à liberdade de culto.

7 COISAS A SABER SOBRE A LEI ESTADUAL DE LIBERDADE RELIGIOSA

1) Combate toda e qualquer forma de intolerância, discriminação e desigualdade em função da fé e do credo religioso

2) Assegura ao indivíduo a liberdade de manifestar sua religiosidade ou convicções, individual ou coletivamente, tanto em público quanto privativamente

3) Garante que cada pessoa possa professar a própria crença religiosa, divulgá-la e buscar novos adeptos

4) Impede que o poder público estadual interfira na realização de cultos e cerimônias

5) Permite que as organizações religiosas recebam contribuições voluntárias financeiras de particulares ou instituições privadas ou públicas (neste caso, mediante interesse público justificado)

6) Aponta que a laicidade do Estado não significa ausência de religião ou o banimento de manifestações religiosas, mas, sim, respeito, visando ao favorecimento da expressão religiosa

7) Estabelece punições a pessoas e instituições que cometam atos de discriminação ou de intolerância religiosa

Direitos individuais

O Artigo 9o da lei assegura a todo o indivíduo “a liberdade de manifestar sua religiosidade ou convicções, individual ou coletivamente, tanto em público quanto em privado, mediante o culto, o cumprimento de regras comportamentais, a observância de dias de guarda, a prática litúrgica e o ensino”.

No Artigo 15, há detalhamentos sobre tais direitos individuais, entre os quais o de “professar a própria crença religiosa, procurar para ela novos adeptos, exprimir e divulgar livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento em matéria religiosa” (IV), “externar a sua crença, opinar, criticar, concordar e elogiar fatos e acontecimentos científicos, sociais, políticos ou qualquer ato, baseados nesta crença, nos limites constitucionais e legais” (XIII) e “externar a sua crença por meio de símbolos religiosos junto ao próprio corpo” (XIV).

Em dias de guarda religiosa, os servidores e demais agentes públicos estaduais têm o direito de faltar ao trabalho, desde que comuniquem previamente e compensem, posteriormente, o período não trabalhado (Art. 18); e os estudantes, nas redes pública e privada, podem se ausentar das aulas (Art. 20).

Não interferência e parcerias

O Artigo 4o da lei indica que “as entidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”; a legislação também detalha que o poder público estadual não pode interferir na realização de cultos e cerimônias ou criar quaisquer obstáculos para o exercício da fé religiosa (cf. Art. 14, §1º).

A esse respeito, Gandra Martins observa, porém, que em situações de calamidade pública, como a atual pandemia, o governo estadual pode adotar medidas com o recente decreto nº 65.563/21, que entre outras deliberações, suspendeu temporariamente a realização de cultos religiosos com a presença dos fiéis.

“Em uma situação de calamidade, o estado tem o poder de preservar a população. Assim, uma medida como essa não afeta a liberdade religiosa nem a liberdade de culto. Isso seria afetado caso estivéssemos em um período normal e houvesse alguma restrição”, detalhou o jurista.  

A Lei Estadual de Liberdade Religiosa também assegura que as organizações religiosas possam “solicitar e receber contribuições voluntárias financeiras e de outro tipo, de particulares ou instituições privadas ou públicas, existindo, no caso de instituições públicas, parceria e interesse público justificado, nos termos do artigo 19, inciso I, da Constituição Federal” (Art. 25, IX).

No Artigo 37 é apontado que o estado de São Paulo poderá estabelecer com as instituições religiosas cooperações de interesse público, e que isso “não constitui proselitismo religioso nem fere a laicidade estatal”.

A laicidade do Estado é detalhada no Artigo 28. O estado de São Paulo não tem uma religião oficial, não interfere nas instituições religiosas nem destas sofre interferências em assuntos de ordem pública. Entretanto, “a laicidade do Estado não significa a ausência de religião ou o banimento de manifestações religiosas nos espaços públicos ou privados, antes compreende o respeito, sempre visando ao favorecimento da expressão religiosa, individual ou coletivamente” (parágrafo único).

Gandra Martins ressalta este artigo deixa mais explícito o que já consta na Constituição federal: “A legislação estadual aponta que as instituições religiosas têm a sua própria condução, assim como as instituições públicas. É uma lei pela qual se garante o funcionamento com autonomia sem qualquer tipo de restrição ou pressão, e, assim, aplica-se o Artigo 19, inciso I da Constituição, com bastante abertura”.

Ações em defesa da liberdade religiosa

A nova legislação pontua, ainda, as medidas a serem adotadas para a garantia da liberdade religiosa e o enfrentamento de práticas de intolerância, entre as quais campanhas de conscientização sobre o respeito às expressões religiosas, defesa do direito de liberdade religiosa para todas as pessoas e em todos os lugares (cf. Art. 34); e prevenção e combate a casos de violência, discriminação e intolerância, fundadas na religião ou crença (cf. Art. 41).

Ato inter-religioso na Catedral da Sé em 2017

“Nenhum indivíduo ou grupo religioso, majoritário ou minoritário, será objeto de discriminação por motivos de religião ou crenças por parte do Estado, seja pela administração direta e indireta, concessionários, permissionários, entidades parceiras e conveniadas com o Estado, escolas privadas com funcionamento autorizado pelo Estado, outros contratados pelo Estado, ou por parte de quaisquer instituições, organizações religiosas, grupo de pessoas ou particulares”, aponta o Artigo 57 da lei.

Há, ainda, um amplo detalhamento sobre punições para quem cometa atos de discriminação ou intolerância religiosa em órgãos públicos, unidades de ensino, transportes públicos, edifícios, estabelecimentos comerciais e esportivos, bem como para atos de escárnio, injúria, proibição da livre expressão ou restrição de uso de trajes religiosos em qualquer ambiente. Para tais casos, poderão ser adotadas sanções administrativas e multas, que podem ser elevadas em até dez vezes caso tais situações sejam cometidas por intermédio dos meios de comunicação, redes sociais ou publicações de qualquer natureza (cf. Art. 58 a 72).

A Lei Estadual de Liberdade Religiosa estabelece, ainda, a data de 25  de maio como o Dia Estadual da Liberdade Religiosa, quando haverá a entrega do Prêmio Promoção da Liberdade Religiosa; e o 21 de janeiro como o Dia Estadual de Combate à Intolerância Religiosa.

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