Defensores da causa ambiental e aqueles que vivem ou já viveram próximos a um aterro falam sobre os impactos inerentes a essa solução utilizada pelos municípios para o descarte de resíduos sólidos
Qual o destino do lixo após ser recolhido nas residências? Talvez poucos saibam essa resposta com precisão ou nem pensem no impacto que o resíduo que descartam causa no meio ambiente e nas vidas de quem mora próximo aos aterros sanitários.
Um grande volume de resíduos sólidos chega todos os dias a esses locais. Somente a Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), situada no bairro da Terceira Divisão, em São Mateus, na zona Leste da capital, recebe diariamente cerca de 7 mil toneladas de resíduos gerados por quase 6,5 milhões de moradores.
Atualmente, a CTL é único aterro sanitário localizado na capital paulista. Não faz muito tempo, porém, o município contava com outros dois grandes aterros, hoje desativados e em fase de monitoramento, que recebiam cerca de 6 mil toneladas de lixo por dia, cada um. São eles: o Aterro São João, localizado ao lado da CTL, em São Mateus, que funcionou até 2009, e o Aterro Bandeirantes, em Perus, na zona Noroeste, inativo desde 2007, conhecido popularmente como “Lixão de Perus”.
Tanto os aterros em funciona- mento quanto os inativos são fiscalizados e licenciados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), que assegurou à reportagem que “vem atuando continuamente para a implantação das Políticas Federal e Estadual de Resíduos Sólidos, buscando a melhoria da gestão dos resíduos sólidos no estado, incluindo a definição do regramento para o licenciamento de outras tecnologias de recuperação e tratamento de resíduos”.
IMPACTOS
“Ainda que legalizado e em conformidade com as normas da Cetesb, um aterro causa impactos ambientais na vizinhança em que está inserido, pois os moradores dessas regiões sofrem com desconfortos como, por exemplo, o barulho de caminhões que circulam dia e noite”, afirmou, ao O SÃO PAULO, Éder Francisco Silva, 43, especialista em educação ambiental, gestão da água e de resíduos sólidos.
Para Silva, os desconfortos gerados pelos aterros impactam diferentes áreas da vida daqueles que residem em suas proximidades, “como o lazer, a saúde e a segurança. Em especial na vida dos mais velhos que lá estão e que sofreram com os primeiros anos da atividade do aterro, com doenças virais e bacterianas”, diz o membro da coordenação da Pastoral da Ecologia Integral da Região Episcopal Belém e do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Outro alerta é para os riscos trazidos para as comunidades pelo intenso tráfego de caminhões. “Na periferia, onde geralmente estão os aterros, muitas crianças brincam nas ruas por falta de espaços de lazer e, assim, ficam vulneráveis a acidentes [de trânsito]”, comentou Silva.
O especialista em gestão ambiental alerta, ainda, que há a possibilidade do contato dessa população com o lixo: “Muitas vezes, caem [resíduos] no caminho ou até mesmo são derramados líquidos de materiais que são prensados nos caminhões coletores.”
TER O ATERRO COMO ‘VIZINHO’
Os apontamentos de Silva são reforçados pelas queixas de quem vive ou já viveu próximo a um aterro sanitário.
A assistente social Marcela Barbosa de L. Servilha, 39, mora no Jardim Arantes, a 900 metros do Aterro São João.
Embora avalie a gestão do aterro como eficiente, uma vez que, segundo ela, “não ocorrem vazamentos de substâncias tóxicas para a natureza, ao contrário dos antigos lixões”, Marcela, que cresceu nessa região, diz que ainda existem demandas a serem resolvidas.
“Há a questão do constante odor, que, na verdade, advém dos gases tóxicos. São males que não são visíveis a olho nu, mas que precisam ser sanados”, diz.
A moradora acredita que as soluções para essas demandas “devem ser pensadas e analisadas por equipes especializadas, a fim de diminuir os impactos ambientais”.
O gerente de serviços, Gilson Vieira, 48, mora no Jardim Bandeirantes, a cerca de 3km da Central de Tratamento de Resíduos Leste. Ele assegura que o fluxo de caminhões de lixo é intenso nas principais vias da região e que a comunidade tem buscado reivindicar políticas compensatórias do poder público. “Principalmente a melhoria do [sistema] viário, que é danificado com frequência por causa do grande volume de caminhões”, acentua.
Vieira acrescenta que “a comunidade reivindica que o lixo seja devidamente tratado, uma vez que ainda é possível sentir forte odor, principalmente no período noturno”.
Para ele, essas são demandas que exigem soluções em médio e longo prazo, entre as quais “investir fortemente na coleta seletiva do lixo, bem como fazer um trabalho de educação ambiental no território”.
O morador do Jardim Bandeirantes frisa, ainda, que seria importante “o poder público mapear áreas que estejam fora do conglomerado urbano, de forma a diminuir a quantidade de lixo que é destinada para esse aterro”.
LIDANDO COM OS PROBLEMAS
Em Perus, quando o Aterro Bandeirantes ainda estava ativo, a população também enfrentava problemas em decorrência das atividades.
Severina Maria de Souza Neta, 70, que há dois anos mora em Caruaru (PE), viveu com a família cerca de 40 anos na Vila Cidade das Crianças, nas proximidades do Aterro Bandeirantes.
“Passávamos muito mal por causa do mau cheiro, e as crianças sofriam com alergias na pele, com coceira. Havia muitas moscas”, recorda à reportagem.
Ela destaca que eram visíveis no aterro as labaredas oriundas da extração dos gases produzidos pela decomposição do lixo: “Existiam tubos para puxar e queimar os gases para não haver risco de explosão. Mesmo com os seguranças vigiando o local, as crianças do bairro costumavam brincar no terreno do lixão. Tínhamos medo de que elas caíssem naqueles tubos ou se queimassem”.
A dona de casa Sandrelma Teotônio de Souza, 50, é filha de Severina. Ela mora no Jardim do Russo, em Perus, mas passou a adolescência e parte da vida adulta vivendo com a família próxima ao aterro.
“Era muita poeira no ar, que entrava nas casas com a circulação dos caminhões”, relembra. “Sem falar do odor, que era ainda mais forte quando eles mexiam na área, principalmente no período de calor. Ficava muito abafado e subia aquele mormaço”, acrescenta.
O jornalista e líder comunitário Cláudio Oliveira de Messias, 62, mais conhecido como Cláudio do Valença, menciona outros impactos. “Por causa da quantidade de caminhões, o trânsito em nossa região era difícil. Sem falar que houve desvalorização de imóveis, como na Vila Nova Perus”, relata.
Na época, para lidar com todas essas questões, os moradores se organizaram por meio dos movimentos “SOS Fora Lixão” e “Lixão, Mais Um Não”, exigindo o fechamento do Aterro Bandeirantes.
Messias, integrante da comissão que organizou os movimentos, conta que na ocasião já estava no planejamento do município tirar o lixão de Perus, mas, em contrapartida, seria instalada uma usina de compostagem e incineração próxima ao Parque Anhanguera: “Fizemos vários manifestos. O primeiro, do qual participaram cerca de 4 mil pessoas, foi feito para que se fechasse o lixão. E conseguimos acelerar o bloqueio de seu funcionamento no nosso bairro”.
“Mas não foi uma conquista imediata. Como havia a questão da implantação da usina, tivemos que continuar a fazer manifestos mais fortes”, relata.
“Passamos a nos manifestar de outra forma. Acampamos em frente à entrada do lixão, onde permanecemos cerca de 60 dias. Até que saiu o resultado favorável ao encerramento de suas atividades”, recorda.
CONSCIENTIZAÇÃO
Luiz Antônio R. dos Santos, 70, membro do atual Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz, em São Mateus, na zona Leste, avalia a manutenção de aterros sanitários como “uma luta vencida”, uma vez que “tem ocorrido o crescimento da população no entorno das regiões em que os aterros estão localizados, e o aumento de consumo que, consequentemente, resulta na geração de mais lixo”.
Contudo, Santos, que integra a Pastoral da Ecologia Integral da Região Episcopal Belém, acredita que “conscientizar ambientalmente a população é a solução” para reduzir a quantidade de resíduos enviados aos aterros e os impactos causados por eles. “Uma sensibilização por meio de uma educação ambiental nas escolas, nas comunidades católicas e em empresas”, enfatiza.
“Aqui na região, o ‘fundão’ de São Mateus, vivemos de modo muito forte essa problemática do lixo. São montanhas de lixo nos aterros, que vêm de várias partes da cidade e que poucas pessoas têm consciência da existência”, comenta o homem, que mora em São Mateus há mais de 40 anos.
“Se trabalharmos a questão ambiental, partindo da separação do lixo, encaminhando materiais para reciclagem, poderíamos diminuir ao menos 50% de todo o lixo recebido aqui na Central de Tratamento de Resíduos Leste”, analisa, acrescentando que o maior incentivo à reciclagem também pode representar mais ganhos aos catadores desses materiais.
Outro ponto frisado por Santos é o de conscientizar a população para que fiscalize se o aterro em atividade está trabalhando em conformidade com a lei e, ainda, que esteja atenta para impedir o surgimento de lixões irregulares.
Questionada pela reportagem como ocorre efetivamente o trabalho de fiscalização, a Cetesb informou que esses empreendimentos “são rotineiramente fiscalizados por meio da realização de vistorias periódicas”, e acrescentou que, “em caso de qualquer registro de reclamações da população ou demandas de outros órgãos, são realizadas vistorias por agentes credenciados da Companhia para verificar a ocorrência de alguma desconformidade”.
ENVOLVIMENTO PASTORAL
Na visão de Santos, para que haja uma conscientização efetiva da população a partir do trabalho da Pastoral da Ecologia, é fundamental que os membros atuem em parceria com outras pastorais, sobretudo as sociais, como as da Juventude, do Menor e Fé e Política.
Ele comenta que o trabalho da Pastoral da Ecologia tem a perspectiva de conscientizar as comunidades, católicas ou não, para a necessidade da preservação da natureza, não só na região, mas em toda a cidade.
Por fim, Santos espera que os cristãos possam se engajar muito mais na causa ambiental. “O Papa Francisco nos orienta que levemos a preservação do meio ambiente em respeito à vida para os trabalhos pastorais. Precisamos seguir essa orientação”, conclui.
Acredito que é preciso ser exposto, publicamente, os planos municipais para o destino dos resíduos sólidos, observando as legislaçoes, como também a organização e participação, direta, das comunidades.