Para muitos moradores dos bairros da periferia da cidade de São Paulo, manter-se em isolamento social, principal recomendação das autoridades de saúde para evitar a proliferação do novo coronavírus, é algo desafiador, quando não impossível. Há os que precisam sair de casa diariamente para trabalhar, muitas vezes em bairros distantes, e há os que, embora a rotina de atividades permita que permaneçam em seus lares, enfrentam resistência da própria família ou as limitações para o efetivo isolamento nas comunidades formadas pela aglomeração de casas e pequenos comércios.
O SÃO PAULO conversou com moradores de diferentes bairros periféricos para saber como têm convivido com as limitações sociais e os receios impostos pela pandemia do novo coronavírus.
MUITA GENTE AINDA NÃO DÁ IMPORTÂNCIA
Com a suspensão das aulas na rede estadual de ensino, a auxiliar de limpeza Natália de Oliveira Souza Sá, 34, tem ido à escola onde presta serviços, na região Noroeste da cidade, uma vez por semana, e tenta se proteger do novo coronavírus como pode.
“Tomo a lotação usando máscara e luvas e passo álcool em gel. Muitas vezes, está cheia. A maioria das pessoas não toma esses cuidados. Eu tenho medo, mas a gente que é pai e mãe de família precisa sair de casa para trabalhar”, disse à reportagem.
Natália mora no Jardim Carumbé, no distrito da Brasilândia, que lidera a quantidade de pessoas mortas com COVID-19 na cidade: são 81 óbitos, conforme dados da Prefeitura de São Paulo de 27 de abril. Com a auxiliar de limpeza convivem os três filhos, de 18, 16 e 9 anos, além da nora, que está grávida.
“Meu filho mais velho fala pra eu usar uma coleira no pé e ficar presa dentro de casa, porque eu coloquei isso na cabeça. Quando ele sai, o meu filho pequeno se sente no direito de ir pra rua também. Nossa casa fica em uma viela, então, eles se sentem aprisionados. As casas aqui são coladas umas às outras. Eu me protejo, não quero pagar pra ver, pois sei que essa doença está aí”, comentou.
Aglomerações
Também no distrito da Brasilândia está localizada a Vila Penteado, onde Israel Neto, 32, mora com a esposa. Mano Réu, como é mais conhecido, é educador e também atua na área cultural com shows, palestras e oficinas. Desde o começo do isolamento social em São Paulo, ele apenas sai de casa quando necessário, por exemplo para comprar alimentos.
“Eu procuro estabelecimentos comerciais com poucas pessoas, tenho até ‘corrido’ de alguns mercados com filas muito grandes. Por aqui, as aglomerações são frequentes. Existem pequenos armazéns, cubículos com no máximo 3 metros quadrados, onde se encontram, às vezes, coisas um pouco mais baratas. Em uma das quitandinhas, aqui na rua de casa, você entra e encontra três, quatro pessoas lá dentro, todas sem qualquer proteção. O pessoal está nesta onda: ‘Estou no meu bairro, vou ao mercado, e não preciso me proteger, vou só atravessar a rua’”, avaliou Israel Neto.
Entre a festa e a angústia
Mano Réu acredita que as pessoas que saem de casa para trabalhar estão mais conscientes acerca dos riscos da doença, diferentemente de muitos que estão apenas em isolamento doméstico. “Vejo as pessoas na porta das suas casas com som alto, reunindo quatro, seis amigos, fazendo a festa, churrasco. Muitas vezes, são pessoas com vivência de vida, que têm informação”, comentou.
Natália, embora respeite o isolamento social, faz ressalvas à medida. “É muito complicado, pois você acaba se isolando da sua família, dos seus parentes, mas para trabalhar precisa sair. Esse isolamento não é justo. Na verdade, nem sei mais o que pensar. Só sei que estou ‘ficando louca’, pois sobram coisas pra resolver, você não pode sair, e quando vai trabalhar não sabe se quem está ao seu lado tem ou não essa doença”, desabafou.
Sensibilização
Israel Neto avalia que o poder público ainda não fez todas as mobilizações possíveis para conscientizar a população sobre os riscos da pandemia. Outro complicador, em seu entender, é que muitas pessoas constroem sua opinião sobre a COVID-19 em programas televisivos que nem sempre mostram a gravidade da situação.
Natália comentou que, mesmo com o aumento do número de casos na Brasilândia, nem todos acreditam nos riscos do novo coronavírus: “Conheço um senhor aqui do lado de casa que está com suspeita de COVID-19. Ele era um dos idosos que ficavam ‘zanzando’ pela rua e falando que essa doença era coisa da nossa cabeça”.
“Talvez o aumento do número de mortes sensibilize a população, mas sou um pouco pessimista: em um país onde morrem 60 mil pessoas por ano pela violência, talvez não haja tanta sensibilização por causa de 4 mil, 5 mil mortos”, concluiu Mano Réu. (DG)
E SE NEM TODOS RESPEITAM O ISOLAMENTO?
Aposentada há 15 anos, Valkiria Lozano Gomes, 54, tem passado a maior parte do isolamento social em sua casa no Parque Santa Amélia, no distrito de Pedreira, na zona Sul, às margens da Represa Billings, na divisa com os distritos de Cidade Ademar, Campo Grande, Cidade Dutra, Grajaú e com o município de Diadema.
Ela sai apenas para ir ao mercado e não tem participado de confraternizações familiares, nem visitado outras pessoas, pois acredita que a quarentena é uma questão de organização, sendo perfeitamente possível observá-la.
Valkiria mora com os dois filhos, Leandro e Carolina, e o marido, Wilson. O filho e o esposo estão trabalhando em regime de home-office. Sua rotina não foi alterada, como contou ao O SÃO PAULO, e a aposentada procura manter a casa limpa e arejada: “Estou seguindo as orientações dos profissionais da saúde, usando um calçado para dentro de casa e outro quando tenho necessidade de sair. Quando chego, antes de entrar, tiro o calçado, as roupas e lavo as mãos na lavanderia, que fica ao lado da cozinha”.
A aposentada confia que o isolamento social é capaz de inibir a disseminação do novo coronavírus, mas lamenta que seus vizinhos estejam desobedecendo à recomendação da quarentena, mesmo que muitos estejam sem trabalhar. Um dos exemplos, segundo ela, pode ser visto nos supermercados do bairro, quase sempre lotados. (JS)
EM SERVIÇOS ESSENCIAIS
De segunda a sexta-feira, ela sai de casa, no bairro de Guaianases, na zona Leste, às 5h20, rumo ao hospital em que trabalha há 11 meses como recepcionista. O percurso de uma hora e 30 minutos é feito de ônibus, trem, metrô e caminhada de aproximadamente 10 minutos. Desde que a pandemia de coronavírus começou, Jayne Alves dos Santos, 26, utiliza máscara de proteção e leva consigo um frasco de álcool em gel para higienizar as mãos a cada integração no transporte público.
A zona Leste também é o ponto de partida para a jornada de trabalho de Antônio Augusto Lopes Júnior, 38, técnico em telecomunicações. Ele mora no distrito da Ponte Rasa e se desloca até o Bresser, bairro onde se localiza a sede da empresa prestadora de serviços na área de rede de TV a cabo. “Na rua, sempre higienizo as mãos e o carro, uma vez que muita gente tem acesso ao veículo para limpeza e manutenção na empresa. Temos recebido um produto para limpar o carro e o álcool em gel para as nossas mãos, além de máscaras e luvas. Com todas essas coisas, o trabalho fica mais lento, mas a gente usa, é importante se prevenir”, avaliou.
Também no hospital onde Jayne trabalha, os cuidados com a limpeza foram intensificados, de forma a manter os ambientes sempre organizados e arejados. As máscaras são trocadas a cada duas horas, e as mãos lavadas com frequência com água e sabão. Devido ao distanciamento social, as consultas e exames laboratoriais foram cancelados.
Ao chegar a casa
Assim que retorna do trabalho, Jayne deixa os sapatos no quintal e evita tocar em qualquer objeto antes de fazer sua higienização.
Lopes Júnior também tem redobrado os cuidados. “Antigamente, eu fazia menos trocas das roupas do uniforme. Agora, faço o revezamento das botas: saio com uma, a outra fica pra limpar. Troco a calça todo dia. Quando volto do trabalho, já busco trocar de roupa antes de entrar em casa e vou direto para o chuveiro me lavar”, detalhou.
O técnico em telecomunicações que vive com a esposa e o filho de 6 anos de idade acredita que não basta haver a quarentena sanitária. “O que resolverá é as pessoas se cuidarem, melhorarem o asseio. Eu melhorei demais em relação à lavagem das mãos, à própria roupa e limpeza da minha casa”, conta. Regularmente ele também visita os pais. “Vou à casa deles e volto pra casa, sem passar por outro lugar”, assegurou.
Jayne, além de ser recepcionista, complementa sua renda com serviços esporádicos de manicure e cabeleireira aos fins de semana. Nos poucos momentos de folga, ela, que mora com a filha, Kamila, de 9 anos, procura manter o distanciamento social, saindo de casa apenas em casos de extrema necessidade. “Sempre a oriento a ter o máximo de cuidado possível, explicando como está a situação atual. Peço que ela fique em casa e participe das aulas e atividades on-line. Também a deixo à vontade para brincar dentro de casa”, contou.
Olhando pra fora
Segundo Jayne, em Guaianases a maioria das pessoas tem respeitado o isolamento social: “Algumas pessoas estão respeitando o isolamento. Em dias anteriores à pandemia, havia pouca movimentação na rua, pois é um bairro muito tranquilo, o que ajudou no entendimento de que ficar em casa é a melhor escolha”, continuou.
Já na Ponte Rasa e no Bresser, por onde transita diariamente, Antônio observa uma realidade diferente. “Aqui na Ponte Rasa, perto da Avenida Governador Carvalho Pinto, na região mais conhecida como Tiquatira, principalmente aos sábados, é muito cheio. Os carros não param, é muita gente nas ruas sem máscara, sem proteção. Também perto da sede da empresa, no Metrô Bresser-Mooca, você vê gente aglomerada, sem proteção alguma, criança correndo e gente idosa”, relatou. (DG e JS)
DO OUTRO LADO DO CAIXA
Em uma rede de supermercados, há quatro anos e sete meses, Bruna Onória Batista, 23, trabalha como operadora de caixa. Diante do avanço da COVID-19, a jovem percebeu a adoção de algumas medidas de higiene em seu ambiente profissional.
Além do uso de máscaras ter se tornado obrigatório entre os colaboradores, o álcool em gel está ao alcance de todos: suportes com o produto foram colocados nas entradas principais do supermercado, à disposição dos clientes, bem como todos os operadores de caixa dispõem dele para higienização das mãos a cada novo consumidor atendido. Somado a isso, um suporte de acrílico foi colocado para evitar o contato entre os profissionais e as pessoas que pagam as compras, as máquinas de cartão e carrinhos são frequentemente limpos com álcool e os funcionários têm recebido formação sobre como se prevenir da doença.
No refeitório, a administração preparou o ambiente para que todos os funcionários lavem as mãos antes de ter contato com objetos e alimentos; os talheres, agora, são disponibilizados esterilizados e separados em um saco plástico, e os acentos foram dispostos com distanciamento mínimo de 1 metro.
Moradora da Vila Amália, na zona Norte, Bruna vai a pé ao trabalho em uma caminhada de cerca de 10 minutos. Ela afirmou que as medidas preventivas adotadas pela empresa lhe dão mais segurança para trabalhar, uma vez que sua função não permite cumprir o isolamento social: “Eu fico tranquila por ter todo o respaldo da empresa, como médico, enfermeira e equipamentos de proteção. Tomando esses devidos cuidados, é possível continuar a trabalhar”.
Em casa, ela não deixa de seguir as orientações das autoridades sanitárias: separa roupas e sapatos vindos da rua em um único ambiente, limpa as mãos e as superfícies com álcool em gel e lava todos os alimentos após a compra.
De hábitos caseiros, Bruna conta que tem conseguido lidar bem com a quarentena e evita receber visitas, bem como ir à casa de familiares e amigos.
A operadora de caixa acredita que o isolamento social irá diminuir o número de infectados pelo novo coronavírus, desde que haja uma maior conscientização da população em manter a quarentena e utilizar os recursos preventivos corretamente.
Bruna contou que a maioria dos moradores da Vila Amália não têm respeitado o isolamento social e permanecem nas ruas, sem máscaras ou qualquer proteção. (JS)