Paraisópolis é sinônimo de empreendedorismo e transformação social

Gilson Rodrigues, coordenador do G10 Favelas, destaca o potencial econômico de Paraisópolis
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Passava das 9h quando a reportagem do O SÃO PAULO chegou ao Pavilhão Social da Favela de Paraisópolis, na zona Sul. Algumas pessoas já se organizavam em fila para aguardar a distribuição de marmitas. Em um dos pontos mais altos da Avenida Hebe Camargo, um dos trajetos para se chegar ao Pavilhão, é possível avistar a segunda maior favela de São Paulo, um cenário de contraste ao lado do Morumbi, um dos bairros mais ricos da cidade. 

Aproximadamente 100 mil pessoas moram na favela centenária, que pertence ao Distrito da Vila Andrade, e possui uma área de quase 9 km², dividida em bairros internos.

Na estreita e íngreme Rua Itamotinga, sede do Pavilhão Social, estavam lideranças e trabalhadores de vários empreendimentos da comunidade que integram o G10 Favelas, bloco que reúne as dez favelas do Brasil com maior poder econômico e que busca organizar líderes e empreendedores para que realizem impacto social positivo.

“Antes, este lugar onde se encontra o Pavilhão era alagadiço, tinha lixo e era tachado de região violenta. Ninguém queria vir para cá. Buscamos revitalizá-lo e hoje temos várias organizações potencializando a comunidade”, recordou Jaildo Barreto dos Santos, fundador da agência Cria Brasil Comunicação, que busca desmistificar a imagem negativa da favela na mídia tradicional e cuidar do marketing de Paraisópolis. 

Ao longo de um extenso corredor na parte interna do Pavilhão, há várias salas com escritórios e uma cozinha industrial. A parte superior acomoda salas de aula, escritórios e estúdios com janelas que dão vista para o horizonte. Na parte externa, existe uma horta comunitária.

Paraisópolis

Potência da favela

Paraisópolis possui hoje potência logística, empreendedores e bancos. A força feminina é parte dessa dinâmica. Flávia Campos Rodrigues, 25, atualmente preside a União de Moradores e Comércio do Bairro. Filha de nordestinos, Flávia viveu muitas adversidades com sua família numerosa. Aos 17 anos, começou a participar da Associação de Moradores, se envolveu aos serviços voluntários e, tempos depois, começou a presidir a Associação de Mulheres do bairro. Posteriormente, foi convidada para liderar a Associação de Moradores. 

Ela foi a primeira dos 12 irmãos a fazer uma faculdade e atualmente está cursando uma segunda graduação. Flávia contou que o objetivo da Associação é dar visibilidade às mulheres pretas que movimentam a economia da comunidade, sobretudo aquelas vítimas de violência doméstica.

Flávia Campos, líder da Associação de Moradores

“Sempre tivemos aqui a ‘tia do bolo e do salgado’. São mulheres que já eram empreendedoras. Dentro da Associação, nós fortalecemos as produções dessas mulheres para que sejam independentes, porque acreditamos que a mulher com dinheiro no bolso consegue sair do ciclo de violência”, avaliou. 

Gilson Rodrigues, 36, coordenador do G10 Favelas, defende que o potencial da favela vai além da economia local.

“Observei que as pessoas saíam daqui para ir a Santo Amaro ou a Pinheiros comprar móveis, mercadorias e pagar contas no banco. Assim, buscamos os meios e em pouco tempo foi inaugurada uma loja de móveis. Depois, uma agência bancária. Percebemos que podíamos ir mais longe, buscamos ajuda de parceiros, políticas financeiras e enxergamos o nosso potencial. Hoje são 48 iniciativas, frutos de nossos sonhos”, destacou. 

Inovação para ligar pontos

Giva Pereira, 22, é nordestino e passou por muitas dificuldades com a família ao chegar a Paraisópolis, ainda criança. Ele, porém, nunca parou de estudar e de sonhar. 

Durante a pandemia, Giva coordenou a rede “Presidente de Rua”, iniciativa que com o mapeamento de ruas e vielas conseguiu monitorar a comunidade no período mais crítico e distribuir alimentos e máscaras.

Giva Pereira, criador da Favela Brasil Express

Pensando em ações para recuperar a economia da comunidade no pós-pandemia e vendo a dificuldade e bloqueios das empresas e-commerce para entregar seus produtos, Giva criou uma operação de logística para entrega de produtos comprados pela internet: a Favela Brasil Express, startup que surgiu em 2022. O projeto faz parte do G10 Favelas e já integra outras comunidades de São Paulo e Brasil. Na favela de Paraisópolis, são em média 4 mil entregas por dia e a iniciativa emprega 47 pessoas. 

“Este projeto amanhã fará transformações de vidas, gerando trabalho e renda. Paraisópolis representa tudo em minha vida, pois foi aqui que percebi que o mundo é além de onde alcanço”, assegurou Giva Pereira. 

LEIA MAIS
Favelas de São Paulo: territórios de desafios, solidariedade e oportunidades

As Marias que alimentam esperança

Há seis anos, Maria Nilde e Suéli Feio presenciaram mãe e filhos sendo agredidos por um homem. As cenas de violência motivaram as amigas a pensar ações para mudar este panorama. E foi assim que surgiu o Costurando Sonhos.

Maria Nilde e Suéli Feio

O projeto consiste em profissionalizar mulheres no campo da moda. A iniciativa começou em um pequeno espaço com quatro máquinas e capacitando dez mulheres. Hoje, mais de mil mulheres já passaram pelo projeto, que teve itens mostrados até na Fashion Week. 

“Nós furamos a bolha. Sermos vistos em Milão, no Fashion Week, é muito mais que o recurso, é a forma destas costureiras serem vistas como potência, que podem se empoderar e ter seu próprio dinheiro”, avaliou Suéli. 

“O principal objetivo é capacitar essas mulheres para que possam ter autonomia, oportunidade de gerar sua renda ou entrar no mercado da alta-costura”, afirmou Nilde. Atualmente, mais de 40% das famílias de Paraisópolis são chefiadas por mulheres.

Elizandra Cerqueira e Juliana Costa sempre tiveram interesse pelos problemas sociais da comunidade. Hoje, elas conduzem um projeto social na área da gastronomia, que surgiu por meio da Associação de Mulheres. A iniciativa possui duas bases: uma é a capacitação com cursos de panificação, confeitaria, comidas típicas brasileiras, doces e salgados; outra, é o restaurante com serviços de buffet e que atendeu mais de 4 mil mulheres. 

Juliana e Elizandra, no bistrô Mãos de Maria

“Eu acredito neste projeto porque o empreendedorismo social é um dos caminhos reais e possíveis no processo de transformação da favela. Só há desenvolvimento com o coletivo para conquistar o nosso espaço”, afirmou Elizandra. “Quando a gente transforma a vida de uma mulher no Mãos de Maria, estamos transformando a vida de uma família”, avaliou Juliana.

G10 Bank

O G10 Favelas acaba de criar o G10 Bank, primeiro banco fintech social da favela. Entre os serviços ofertados estão a abertura de contas digitais para pessoas físicas e jurídicas, com taxas menores, já tendo sido feitas mais de 90 operações de créditos para investimentos. 

Jaqueline Amorim, gerente do G10 Bank, ressalta que a proposta é atender pessoas que querem montar o próprio negócio, mas não têm dinheiro. Também há preocupação com a educação financeira, a fim de que os moradores administrem a renda e invistam de forma segura. 

“O G10 Bank é uma espécie de BNDES das favelas, que vai colaborar para as iniciativas dos projetos, vamos bancarizar as pessoas da favela, principalmente as mulheres”, afirmou Jaqueline. 

 “Vejo no G10 Bank uma possibilidade real para gerar milhares de oportunidades, pois  seremos mais vistos. Em vez de nos enxergarem com problema, estamos dizendo que podemos ser parte das soluções; em vez de doações, precisamos de investimentos para transformar vidas. Queremos moradia digna, não queremos o básico, queremos o sol que é de todos”, conclui Gilson Rodrigues. 

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários