Reportagem especial: Quando só resta a informalidade

O SÃO PAULO esteve no Brás e no Largo 13 de maio para entender a dinâmica que tem levado mais pessoas ao trabalho informal

Fotos: Cláudia Pereira

Quarta maior cidade do mundo, a capital paulista apresenta um cenário visível em suas ruas, centros comerciais populares e nos bairros mais distantes da região central: o crescimento do trabalho informal, uma alternativa para quem perdeu o emprego com carteira assinada nos últimos anos, principalmente durante a pandemia de COVID-19. 

“Eu tentei emprego em vários lugares, e as coisas foram piorando. Agora, vendo doces, bolo e café para sobreviver”, conta Maria Suelen Silveira, 38, que há quase um ano vende bolos e doces no Largo da Concórdia, na região central. Ela perdeu o emprego de serviço doméstico em 2019. 

Antes da pandemia, Maria Suelen tentou trabalhar com serviços de manicure, mas por dificuldade financeira desistiu. “Não tenho estudo e as pessoas têm preconceito. Vender doces foi a alternativa que encontrei. Moro com a minha mãe, que recebe uma aposentadoria, mas não é suficiente para viver e pagar o aluguel”, afirma. 

PANORAMA GERAL 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define como trabalhador informal a pessoa que presta serviços no setor privado e doméstico sem carteira assinada, bem como os trabalhadores que buscam renda por conta própria e não possuem o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). 

Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, a taxa de desemprego no País no primeiro trimestre do ano ficou em 11,1%. São quase 12 milhões de desempregados. Além disso, 40,1% dos trabalhadores estão na informalidade; em números absolutos, 38,2 milhões de pessoas trabalhando sem carteira assinada. 

IMPACTO PARA DIFERENTES IDADES 

A reportagem esteve em dois centros comerciais muito conhecidos de São Paulo: região central, no bairro do Brás, que concentra o comércio de moda atacadista, e no Largo 13 de Maio, na zona Sul, que tem um forte comércio de rua. 

Entre as lonas coloridas estendidas na calçada com roupas e outros produtos à venda, a haitiana Anieze Jerone, 38, tentava vender roupas sob o forte sol no bairro do Brás às vésperas da Páscoa. 

“Esta semana acredito que será melhor, mas no geral as vendas não são lucrativas, mas dá para ir vivendo”, diz Anieze. Morando há cinco anos em São Paulo, ela trabalhou com carteira assinada por dois anos, mas com a pandemia foi despedida. Ela, o marido e os filhos moram em um pequeno cômodo alugado, recebem cestas básicas e um auxílio financeiro. A haitiana acredita que, com o retorno das atividades presenciais, ela e o marido conseguirão voltar a trabalhar como auxiliares de limpeza. 

Kauan Alexandre Santos (foto acima), 20, há três anos vende plantas em uma banca improvisada na região do Largo 13 de Maio. Nunca trabalhou com carteira assinada e diz não conhecer os direitos do trabalhador, garantidos na legislação brasileira. Com o que vende por semana, consegue ajudar na compra de alimentos e despesas básicas familiares. Ele e o pai trabalham de maneira informal. Já a mãe está desempregada e desistiu de emprego. “Já faz muito tempo que meus pais não trabalham com carteira assinada e acho que todos nós vamos continuar trabalhando desse jeito”, declara Santos. 

Ao lado dele trabalha Camila Leite, 41. Em sua lona estendida na calçada, ela vende meias e roupas masculinas e femininas. Até tentou se formalizar como Microempreendedor Individual (MEI), mas pela categoria de serviços que realiza, não conseguiu, e desistiu. “Não vou contribuir com a Previdência e nenhum tipo de imposto. É um valor que falta na nossa mesa, e o governo não garante uma aposentadoria justa pra gente que é pobre. Tenho visto pessoas aposentadas recebendo um salário mínimo e tendo que trabalhar para viver”, lamenta. 

Perto de Camila estava Valdomiro Souza, 72, entregador de panfletos. “Sou aposentado, mas dependo do trabalho informal’’, afirma. De segunda-feira a sábado, ele trabalha em frente a uma loja segurando um banner e distribuindo panfletos na região de Santo Amaro. Dependendo do fluxo de clientes na loja, ele recebe um valor semanal. “Os trocados são para tentar viver mesmo. Tenho minha casinha própria, mas a aposentadoria não dá para nada. Fiz um empréstimo durante a pandemia e vou levar um tempo para pagar”, conta. 

DO EMPREGO FIXO À INFORMALIDADE 

No bairro Piraporinha, zona Sul, Cristiane Rodrigues, 36, busca sobreviver trabalhando como confeiteira. Já o marido atua como motorista de transporte por aplicativo. 

Cristiane trabalhou por 12 anos com carteira assinada como analista de atendimento. Recebia menos de três salários mínimos. Ficou desempregada em maio de 2021, na fase mais aguda da pandemia no Brasil. Até o momento, não conseguiu recolocação profissional. Além de sua confeitaria, ela faz “bicos” quando surgem. Seu marido, Flávio Xavier, trabalha mais de 12 horas diárias prestando serviço de motorista. Ele é técnico em Eletrônica, mas está desempregado desde 2019. O casal tem uma filha de 10 anos. 

“Eu quero regularizar meu trabalho de confeitaria e pretendemos contribuir com o seguro social, apesar das mudanças na legislação da Previdência Social. Não tenho certeza se no futuro teremos aposentadoria. A nossa preocupação agora é com este momento crítico. Os ingredientes para produzir meu trabalho estão mais caros, todos os dias os preços são alterados. Para não perder a clientela, tenho que diminuir os preços dos meus produtos”, desabafa Cristiane. 

POR SOBREVIVÊNCIA 

Na avaliação do economista José Dari Krein, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a constante alta dos preços de pro- dutos, aliada ao aumento do desemprego, impede o crescimento econômico no Brasil. 

“É preciso observar os aspectos no indicador da taxa do desemprego, uma vez que não há uma política pública de retomada mais consistente na atividade econômica. Temos uma retomada do emprego, mas sem melhoras e em processo de adaptação do mercado. O que há é um crescimento de pessoas trabalhando por conta própria, isto é, na verdade, estratégia de sobrevivência que elas se submetem nessas situações por necessidade, não por opção”, assegura. 

Krein considera que o cenário para os próximos meses é de instabilidade econômica, decorrente de fatores do mercado externo, e, também, dos preços administrados, a exemplo do combustível e energia elétrica, que são pressionados pela inflação. 

“Resolver o problema do mercado de trabalho exige uma intervenção pública mais organizada, um projeto de desenvolvimento que seja capaz de gerar atividades empregadoras de força de trabalho”, diz o economista. 

Ele acredita que, com um mercado de trabalho reorganizado, será possível alcançar produtividade, reduzir jornada de serviços e direcionar trabalhos que podem agregar soluções para problemas das desigualdades sociais existentes. 

ALTERNATIVAS PARA MELHOR CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL 

SEBRAE 

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apontou um crescimento recorde de abertura de pequenos negócios em 2021. Um registro significativo de 3,1 milhões de microempreendedores individuais (MEI). Na capital paulista, o aumento foi de 30%, e três categorias são as mais procuradas para a formalização como MEI: alimentação, transportador de cargas e vestuário. 

Os postos do Sebrae da capital oferecem um serviço de apoio e cursos de capacitação gratuitos, mesmo para quem tem dificuldade de acesso à internet. Ao participar dos cursos, o trabalhador pode pleitear uma linha de crédito de até R$ 23 mil. 

Segundo o analista de negócios do Sebrae de São Paulo, Diego Pereira, a instituição oferece algumas saídas e serviços para quem precisa formalizar um negócio. Uma delas são parcerias com organizações sociais e coletivos que desenvolvem formação. Um dos destaques é o movimento “Sebrae Delas”, realizado na cidade de São Paulo, voltado para mulheres, para que alcancem independência econômica.


Pereira considera que a alta de trabalhadores que formalizam sua fonte de renda pode contribuir positivamente com a economia, ainda que gradativamente. Formalizando-se como MEI, além de validar o seu negócio, o trabalhador terá acesso a direitos. Entre os acessos estão os serviços bancários, linha de crédito e contribuição de impostos que garantem segurança social. O Sebrae disponibiliza ao trabalhador orientações para executar suas vendas e serviços por meio das redes sociais. O comércio eletrônico é uma das saídas para quem trabalha por conta própria. 

Pereira lembra que o WhatsApp é uma das plataformas bastante eficazes e não precisa de grande investimento para começar uma vitrine de vendas e serviços. A rede de mensagens favorece um relacionamento com o cliente em todo o processo de compra. 

Saiba mais em: 

https://digital.sebraesp.com.br

OBRA SOCIAL DOM BOSCO 

Na zona Leste da cidade, a Obra Social Dom Bosco, em Itaquera, oferece diversos cursos a pessoas em situação de vulnerabilidade. O critério e prioridade é estar inserido em programas sociais do governo. A instituição, que tem convênio com a Prefeitura de São Paulo e parceria com empresas privadas, incentiva os cursos de capacitação a autonomia e inclusão digital para que as pessoas possam desenvolver seus trabalhos. 

Entre os cursos de capacitação e formação profissional, um dos destaques é para produtos de confeitaria. Nele, os alunos têm acesso a conhecimentos de autoempreendedorismo e a conteúdos de formação profissional da indústria alimentícia. Com carga horária de 300 horas, dividida em dois módulos, o curso presencial é um dos mais procurados. Para participar, é preciso estar cadastrado em programas sociais do governo, obter o Número de Identificação Social (NIS), documentos de identificação e ter de 15 a 59 anos de idade. As inscrições são realizadas na unidade I do Centro de Desenvolvimento Social e Produtivo (Cedesp), que fica na Rua Álvaro Mendonça, 456, Itaquera. 

Outros cursos oferecidos na Obra Social Dom Bosco são os que formam alfaiates, marceneiros, mecânicos, programadores de sistema, pedreiros de alvenaria e sorveteiros. Estão abertas vagas para o curso de mecânica de usinagem. 

Saiba mais sobre os cursos no link: https://cutt.ly/pGYTRX9 

PLATAFORMA VIA RÁPIDA 

Outra alternativa para encontrar cursos profissionalizantes gratuitos é na plataforma Via Rápida, uma ação do governo estadual em parceria com municípios paulistas. Neste mês, a Prefeitura de São Paulo oferece curso gratuito de formação básica em Gastronomia do Programa Cozinha Escola. O curso, que será presencial, irá apresentar na grade de conteúdo qualificações básicas de conceitos e métodos de produção da cozinha. Os alunos aprenderão a fazer da seleção de ingredientes à execução de receitas clássicas. 

Além desse curso, a Via Rápida oferece outros nas áreas de saúde e estética, mecânica e transporte. Os interessados devem ter a idade mínima de 16 anos, precisam estar desempregados e viver no estado de São Paulo. 

Saiba mais em: 

https://www.cursosviarapida.sp.gov.br

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