São Paulo: a cidade que para em dias de fortes chuvas


Inundações, queda de árvores, falta de energia e trânsito caótico têm afetado os paulistanos após curtos, mas intensos, períodos de chuvas (foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

O temporal que assolou o estado de São Paulo em 11 de outubro, com ventos que chegaram a 107 km/h, trouxe consequências que indicam o quanto a capital paulista ainda é pouco resiliente aos eventos climáticos extremos: houve a queda de 386 árvores, faltou energia por horas em muitos bairros – em alguns casos por vários dias – e 168 semáforos ficaram inoperantes, aumentando o cenário caótico do trânsito, potencializado pelas ruas alagadas.

As semanas seguintes ao episódio foram marcadas por discussões sobre as parcelas de culpa da Prefeitura de São Paulo – pendências no serviço da poda de árvores (havia uma fila de quase 14 mil pedidos ao fim do 1º semestre do ano) teriam colaborado para que estas caíssem sobre a rede elétrica – e da distribuidora Enel, que não teve a esperada celeridade para restabelecer a energia elétrica a 2,1 milhões de consumidores afetados na Região Metropolitana de São Paulo nem feito todos os investimentos devidos para o aprimoramento do serviço, como, por exemplo, o aterramento de parte da rede elétrica.

RAZÕES HISTÓRICAS E ESTRUTURAIS

Inundações, árvores caídas, semáforos apagados e trânsito caótico têm sido comuns em dias de fortes chuvas na capital paulista. Na avaliação de Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis – Rede Nossa São Paulo, que atua pelo desenvolvimento justo e sustentável das cidades, o fato de São Paulo ter cada vez menos áreas permeáveis ajuda a explicar este cenário.

“A estruturação da cidade se deu ignorando os princípios de manter sua permeabilidade, de preservar os rios e as áreas alagáveis. Os rios Pinheiros e Tietê, por exemplo, foram retificados, forçou-se um leito dos rios e se foi cobrindo outros rios menores. A questão do asfaltamento também contribui para diminuir a permeabilidade do solo, assim como a quantidade de prédios que é feita. Há, portanto, uma série de fatores construtivos e de planejamento urbano que levam a essa ‘luta’ contra a natureza”, comenta Pantoja, acrescentando que a arborização urbana não é satisfatória na cidade e muitos bairros se tornaram ilhas de calor, especialmente pelo excesso de edificações e poucas áreas verdes.

DAR A DEVIDA ORIENTAÇÃO AOS MUNÍCIPES

Para mitigar os impactos de eventos climáticos extremos na cidade, Pantoja destaca que é fundamental haver protocolos integrados para a prevenção e a gestão de desastres.

“Pensar a atuação da Defesa Civil nestes casos é apenas o início. Também é preciso trazer para este planejamento as áreas da assistência social e da saúde, identificar locais seguros para que as pessoas possam se deslocar nas emergências, ter uma espécie de rota de fuga para o caso de inundação; e no caso de excesso de calor, garantir espaços para que as pessoas possam se hidratar e permanecer em um ambiente menos seco, tudo isso sempre priorizando os grupos mais vulneráveis. O básico São Paulo já tem: Defesa Civil, Centro de Gerenciamento de Emergências, mas, na prática, quem mora nos lugares mais sujeitos a esses problemas não está tendo nem informação adequada nem treinamento sobre como agir”, analisa.

Governo de São Paulo

PLANO MUNICIPAL DE REDUÇÃO DE RISCOS

Uma das esperanças para que a capital paulista se torne mais resiliente é a efetivação do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), cuja primeira versão foi publicada em 5 de julho. O documento, desenvolvido pela Prefeitura entre maio de 2023 e junho de 2024, em parceria com a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia da Poli-USP, contém cem projetos básicos para a mitigação de riscos geológicos e hidrológicos, além de um plano de ações composto de 19 itens.

O documento esteve em consulta pública até 14 de agosto e sua versão consolidada deveria ter sido publicada em setembro. “Durante o período de consultas públicas do PMRR, surgiram contribuições que demandam ajustes intersecretariais e a criação de uma cartilha didática com versão resumida do plano. Essas atividades adiaram a publicação final do PMRR para dezembro deste ano”, informa a Prefeitura, por meio de sua assessoria de imprensa.

O PMRR tem o objetivo de abordar soluções para áreas de risco, propondo uma série de ações estruturantes e não estruturantes. “Entre as ações, destacam-se o aprimoramento do fluxo processual, fortalecimento do Centro de Operações Integradas de São Paulo (COI-SP), implantação de redes de sensores para monitoramento de encostas e microdrenagem e a melhoria da gestão de resíduos sólidos. Essas ações visam a aumentar a eficiência no atendimento às áreas de risco, capacitar a comunidade e implementar sistemas de monitoramento avançados para prever e mitigar desastres naturais. Além disso, o plano inclui medidas para evitar a reocupação de áreas de risco, como obras e a criação de uma meta governamental específica”, detalha a Prefeitura.

Algumas cidades paulistas já têm planos de redução de riscos ou de adaptação climática em vigor, como é o caso de São José dos Campos e do Guarujá.

“Esses planos permitem ter, de fato, alguma prevenção, pois o que temos visto em muitos casos é só um remediar das consequências depois que o evento climático extremo acontece. Com esse sistema de prevenção, busca-se, quando acontecerem os extremos climáticos, que eles deixem o menor impacto possível”, explica Bárbara Poerner, coordenadora de comunicação do Instituto Clima de Eleição, grupo de incidência política e de participação social que atua para impulsionar a transição climática justa no Brasil.

Na cidade de São Paulo, também já está em vigor o Plano Diretor de Drenagem (PDD), composto de 97 obras estruturantes do sistema de drenagem, que permitirá “ampliar em 5,1 milhões de metros cúbicos a capacidade de armazenamento, o equivalente a mais de duas mil piscinas olímpicas. As obras se estendem por 53 mil metros de rios e córregos e abrangem 33 bacias hidrográficas”, assegura a Prefeitura.

PRIORIDADE NO ORÇAMENTO

No Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2025 que encaminhou ao Congresso Nacional, o Governo Federal prevê R$ 1,7 bilhão para o programa orçamentário de gestão de riscos e desastres, montante inferior aos R$ 1,9 bilhão destinado inicialmente em 2024. Ao longo do ano, porém, poderá haver créditos extraordinários.

Em âmbito municipal, o ano de 2025 será fundamental para a discussão sobre a resiliência aos eventos climáticos extremos, uma vez que se discutirá o plano plurianual (PPA) 2025-2029, documento que traz diretrizes, objetivos e metas da administração pública, prevendo, por exemplo, obras e ações estratégicas para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas.

“O ideal é que no plano plurianual essa questão das mudanças climáticas entre como um tema transversal, tendo ações e recursos em diferentes pastas. Não adianta centralizar esse recurso na Defesa Civil, por exemplo, que tem um papel específico”, avalia Igor Pantoja.

“Se continuarmos vinculando apenas as medidas de adaptação climática ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima ou às secretarias e câmaras voltadas ao meio ambiente, continuaremos falhando, pois a crise climática impacta de forma transversal a saúde, educação, moradia, agricultura e segurança alimentar. Portanto, precisamos de uma abordagem multidisciplinar”, ressalta Bárbara Poerner.

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