Sempre é tempo de receber a carta de um amigo

Em ação coordenada pela Pastoral do Menor, a Igreja mantém proximidade com adolescentes internados na Fundação Casa

“Estou me apegando mais a Deus por meio desta mensagem que veio confortar meu coração… Muito obrigado pelos conselhos. Venho pedindo a Deus para me libertar desta vida… tenho fé e sei que vou sair daqui libertado e consolado por Deus.”

O trecho é de uma carta escrita por um adolescente que cumpre medida socioeducativa em regime fechado na Fundação Casa, e o conteúdo responde a uma correspondência por ele recebida, após se formar uma rede de fé e solidariedade.

(Fotos: Assessoria de imprensa da Fundação Casa)

Na primeira quinzena de maio, a Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, unindo esforços de seus agentes e de parceiros, doou mais de 2 mil máscaras de proteção facial a três divisões regionais da Fundação Casa: Metropolitana (DRM-I) – principalmente para a unidade Sorocaba IV; Metropolitana Leste 2 (DRM-III) – mais conhecida como Complexo do Brás; e Metropolitana Campinas (DRMC).

Junto com as máscaras, foram enviadas cartas a cada um dos internos dessas unidades, redigidas por membros de novas comunidades, agentes da Pastoral do Menor e seminaristas de Filosofia da Arquidiocese de São Paulo. Também houve o envio de pen-drives com vídeos de orações e músicas sobre fé, caridade, esperança e amor.

Por meio do projeto arquidiocesano Evangelizando a Casa, a Pastoral do Menor organiza a participação da Arquidiocese de São Paulo no Programa de Assistência Religiosa da Fundação Casa, com visitas semanais aos internos. Com a pandemia do novo coronavírus,  porém, houve a suspensão das visitas e foi preciso repensar formas para estar próximo dos adolescentes.

“Essa evangelização é realizada por diversas comunidades de vida e de aliança, por catequistas, agentes da Pastoral do Menor, grupos de paróquias e seminaristas. A Pastoral do Menor os prepara para isso, mas, com as visitas suspensas, começamos a estudar como poderíamos estar mais próximos dos meninos e meninas, e tivemos a ideia de nos corresponder por cartas”, detalhou ao O SÃO PAULO Sueli Camargo, coordenadora da Pastoral do Menor na Arquidiocese de São Paulo.

Gratidão

Cada uma das unidades para onde as cartas foram enviadas utilizou um dos dias da oficina de cartas para que os internos pudessem respondê-las. Essas oficinas são atividades obrigatórias previstas no Regimento Interno da Fundação Casa e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), para que os adolescentes se correspondam com os familiares e outras pessoas com as quais tenham laços afetivos.

Na Casa Chiquinha Gonzaga, centro socioeducativo para adolescentes no bairro da Mooca, na zona Leste, 87 meninas participaram dessa oficina na quinta-feira, 4.

Angela de Luca Mastrochirico, diretora da Divisão Regional Metropolitana Leste 2, também chamada de Complexo do Brás, acompanhou a atividade. Ela assegurou que as adolescentes gostaram muito de responder às mensagens recebidas – “Algumas só escreveram, outras até desenharam nas cartas, foi bem bacana” – e ressaltou o papel da assistência religiosa no processo de ressocialização.

“A assistência religiosa sempre traz uma palavra, uma verdade para eles, traz todo um sentido de religiosidade, de fé, um sentido de acreditar, de motivá-los a um projeto de vida diferente da que tiveram até agora. Isso, sem dúvida, é muito importante para nossos adolescentes”, comentou Angela. 

Sueli Camargo também esteve na Casa Chiquinha Gonzaga e disse que, ao ler algumas das respostas às cartas, pôde perceber o sentimento de gratidão das adolescentes por essa busca de proximidade da Igreja neste momento de pandemia.

As correspondências respondidas pelas 87 meninas ainda serão lidas por funcionários da Fundação Casa antes de ser disponibilizadas à Pastoral do Menor. “Há todo um protocolo de segurança: assim, um funcionário lê o conteúdo da carta para que não haja qualquer problema de divulgação. Só depois é repassado à Pastoral”, detalhou Angela.  

Evangelização

Conforme tem recebido as respostas das cartas, a Pastoral do Menor as encaminha aos autores das primeiras correspondências. Bruno Carvalho de Melo, 31, seminarista no 3º ano de Filosofia do Seminário da Arquidiocese de São Paulo, foi um dos que escreveram para as adolescentes da Casa Chiquinha Gonzaga.

“Estamos na expectativa do retorno das cartas, para que isso nos una em um vínculo de caridade fraterna cristã, a fim de que tanto nós possamos ajudá-las quanto elas nos ajudam. Essa é a troca que Cristo sempre nos propõe, uma caminhada comum”, afirmou Melo, recordando ainda que, ao saberem da iniciativa, até mesmo seminaristas que não visitam as unidades da Fundação Casa se dispuseram a escrever para as adolescentes.  

“O intuito foi o de abrasar o coração delas, assim como nós temos a necessidade de manter acesa essa chama de esperança nos nossos corações neste período de pandemia. Essa iniciativa de escrever as cartas foi para que elas não se tornassem ainda mais invisíveis do que já são para a sociedade, em razão de uma indiferença. Que elas saibam que não estão invisíveis e que nós estamos com elas, assim como o Espírito Santo, que nos motiva a viver essa unidade de cristãos”, prosseguiu o seminarista, desejando, também, que após a pandemia os internos não sejam mais esquecidos do que já são pela maior parte das pessoas.

Amizade e solidariedade

Sueli Camargo lembrou que as visitas para a evangelização nas unidades da Fundação Casa acabam por gerar vínculos de amizade e de confiança com os internos, algo que também foi expresso em muitas das cartas.

“Em algumas que li, os seminaristas contam sobre a experiência da pandemia que temos vivido, sobre o quanto isso tem sido difícil, e como entendem a vida dos internos, de separação da sociedade e da família. Da mesma forma que temos esperança que a pandemia vai passar, temos a certeza que essa conjuntura na vida dos jovens que cumprem medida de internação vai passar, e desejamos que a juventude que está nas unidades também se transforme e possa voltar para a nossa realidade”, disse Sueli.

Também os membros da Comunidade de Aliança Cristo Libertador escreveram cartas aos adolescentes da Fundação Casa.

“Cada carta foi escrita, à mão, pelos membros de nossa comunidade, de forma singular e pessoal, conforme o Espírito Santo nos conduziu”, contou Rodrigo Fumagalli, integrante da comunidade.

“Esse movimento, seguramente, fez com que pudéssemos imprimir em cada carta todas as nossas experiências e testemunhos, que, por meio da fé e esperança, sustentam-nos neste tempo tão difícil de pandemia. Quando recebemos as respostas, entendemos que esse foi um cuidado de Deus muito grande; afinal, em cada menina e menino que conhecemos nas unidades da Fundação Casa, encontramos o próprio Jesus que se transfigura exclusivamente para nos amar. Com isso, tivemos a certeza de que eles, as meninas e meninos, por meio de um gesto tão simples, puderam experimentar verdadeiramente o amor de Deus, objetivo único desse movimento”, continou Fumagalli. Ele acredita que este momento de isolamento social tem permitido que os membros da comunidade se mantenham ainda mais unidos aos adolescentes, experimentando um sentimento singular de liberdade.

“Insistentemente pregamos: ‘a liberdade não se resume a nenhuma estrutura física’. A liberdade é fruto de uma verdadeira experiência com Nosso Senhor Jesus, que, mediante a Sua Graça, nos liberta de todas as escravidões internas, ou seja, de forma concreta, é tempo de, honestamente, visitar sentimentos desordenados, reavaliar relações machucadas, repensar as más escolhas, e, o mais importante, restabelecer um relacionamento mais profundo com o Senhor Jesus, por meio de uma vida de intimidade e oração. Livres interiormente, poderemos, quem sabe, viver a liberdade em convívio comum”, concluiu.  

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