Quem passa pela esquina das ruas Ernesto de Oliveira e Lorenzo Valla, na Chácara Klabin, bairro do centro-sul de São Paulo, vê uma grande cruz de madeira fixada no muro de um terreno ainda vazio. Esse símbolo indica o local do nascimento de uma nova comunidade católica na cidade, e onde será construída uma igreja dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe.
Esse local foi abençoado pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, no domingo, 12, na presença de fiéis, padres, e de Dom Ângelo Ademir Mezzari, RCJ, e Dom Carlos Lema Garcia, Bispos Auxiliares da Arquidiocese. Também estiveram presentes autoridades civis, com destaque para o prefeito da capital, Ricardo Nunes.
Esse ato concretiza um desejo alimentado há alguns anos pelos católicos desse bairro predominantemente residencial que ainda não possui uma igreja.
IGREJA VIVA
Durante a cerimônia de bênção, Dom Odilo afirmou que a Igreja de Jesus Cristo está presente onde estão os cristãos, reunidos no nome do Senhor. “A Igreja é a comunidade dos discípulos com Jesus.
Hoje, somos nós os seus discípulos”, ressaltou, acrescentando que, antes de edificar um templo, é preciso constituir a comunidade de fé que testemunha a presença de Deus no meio da humanidade.
Em seguida, o Arcebispo explicou que os templos são a casa do povo de Deus que reúne no meio das casas, para os momentos mais expressivos de sua vida: a oração em comum, a celebração dos sacramentos, em especial a Eucaristia, a escuta da Palavra de Deus e o testemunho da caridade. “Nós precisamos dos templos porque eles são o sinal da Igreja viva que somos nós”, completou.
O Cardeal destacou o trecho do Evangelho proclamado na ocasião, no qual Jesus compara aqueles que ouvem a Palavra e a colocam em prática são como aqueles que edificam a casa alicerçada sobre a rocha. “A nossa Igreja se edifica sobre Jesus Cristo e sua Palavra. Sem Ele, não há Igreja. Por isso, antes de termos o templo, precisamos ter a certeza de que existe o povo de Deus que crê em Jesus Cristo”, salientou.
Por esse motivo, no local da construção da nova igreja será depositada uma pedra simbólica, trazida do monte Tepeyac, local da aparição de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, em 1531. “Essa pedra é um pequeno sinal de que estamos ligados à essa devoção de uma maneira profunda, que aqui, como disse ao indígena Juan Diego, dirá: ‘Eu estou com vocês. Não tenham medo, sou sua Mãe’”, acrescentou Dom Odilo.
PROJETO
O terreno, um dos poucos vazios no bairro, foi adquirido em dezembro de 2020, graças a um fundo constituído pela Região Episcopal Ipiranga. Foram realizados um estudo de viabilidade técnica e o projeto arquitetônico de uma igreja, assinado pelo arquiteto Christian Michael Seegerer.
O projeto é que, no futuro, a igreja se torne a matriz de uma paróquia territorial. Mas, para que isso aconteça, é preciso que exista uma comunidade estável e ativa. Então, começaram a ser realizadas reuniões com os párocos e fiéis das paróquias confinantes e a reunir lideranças católicas entre os moradores para começar as atividades, como celebrações nas casas, encontros de oração e evangelização.
O bairro compreende o limiar entre as regiões episcopais Ipiranga e Sé, na confluência de cinco paróquias – Santa Cândida; Santa Rita de Cássia, em Mirandópolis; Nossa Senhora da Saúde; Santa Margarida Maria e Santa Rita de Cássia, na Vila Mariana.
COMUNIDADE MISSIONÁRIA
“Hoje, damos início à comunidade eclesial missionária Nossa Senhora de Guadalupe. Vocês serão os discípulos missionários que irão de casa em casa, de prédio em prédio, chamando as pessoas”, afirmou Dom Ângelo, recordando que, a partir de agora, começam duas frentes de ação: o fortalecimento da comunidade de fé e a arrecadação de fundos para a construção da igreja.
O Bispo ressaltou, ainda, que essa experiência é um exemplo concreto de uma comunidade eclesial missionária na cidade, fazendo referência ao termo presente nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2019-2023).
O nome da padroeira da comunidade foi indicado pelo Cardeal Scherer, pelo fato de ainda não haver na Arquidiocese uma paróquia com o título de Nossa Senhora de Guadalupe. Por isso, foi escolhida a data de sua festa litúrgica para a constituição da comunidade e a bênção do local da futura igreja.
Para simbolizar o ato, o Arcebispo entregou a um casal da comunidade um quadro com a réplica da imagem da padroeira da América Latina, para ser levada em peregrinação nas casas dos moradores.
O BAIRRO
O bairro Chácara Klabin surgiu na década de 1970. No entanto, sua história remonta ao início do século XX, quando a família Klabin, de origem judia e lituana, adquiriu muitas chácaras que ficavam entre o Caminho do Mar e a Colina do Ipiranga. Esses terrenos evoluíram para a formação da Chácara Klabin, considerado um bairro de passagem entre esses lugares. Com a urbanização da cidade, a área passou a abrigar a maior favela do estado de São Paulo: a Comunidade do Vergueiro.
Após a retomada da posse da área, garantindo moradia em outros bairros para a população removida, houve o loteamento da propriedade e o surgimento do novo bairro. Nos últimos 30 anos, viu-se uma rápida verticalização. Na década de 1990, o bairro possuía 18 condomínios e 256 casas. Hoje são mais de 300 condomínios.
A presença da Igreja no bairro também foi assinalada com a inauguração da pequena praça localizada em frente ao terreno da futura Igreja. Por um decreto do prefeito Ricardo Nunes, o logradouro passou a se chamar Praça Padre Napoleão dos Anjos Fernandes, sacerdote da Congregação dos Religiosos de Nossa Senhora do Sion, que atuou pastoralmente na Região Episcopal Ipiranga.
MISSIONÁRIOS
O casal Aidê Baltar Villa e Aurélio Villa mora no bairro há 20 anos e participa da Paróquia Santa Rita de Cássia, em Mirandópolis.
“Nós já conhecíamos este terreno muitos anos atrás e não imaginávamos que aqui poderia ser construída uma igreja. Ficamos muito felizes quando anunciaram que finalmente haveria uma igreja no bairro”, relatou Aidê.
A leiga informou que os integrantes da nova comunidade estão se conhecendo e começando a criar vínculos. Para isso, foi criado um grupo no WhatsApp em que não param de ingressar novos membros. “Já começamos esse trabalho de ‘formiguinha’ abordando a vizinhança”, completou Villa.
‘NOSSA IGREJA’
Andreia Reis Pereira Meleti também mora no bairro há duas décadas e frequenta a Paróquia Santa Rita de Cássia, na Vila Mariana. “Todos nós estamos muito felizes. Não vemos a hora de começar a celebrar aqui, principalmente o Natal e a Páscoa”, relatou a leiga ao O SÃO PAULO.
“Já começamos a missão. Quem encontro na vizinhança, convido para fazer parte da nova comunidade. Ontem mesmo, encontrei, no elevador, uma senhora de outro país latino-americano e lhe disse que hoje haveria a bênção do terreno da futura igreja. Ela ficou feliz e disse que é muito devota de Nossa Senhora de Guadalupe”, acrescentou Andreia.
E esse trabalho missionário já começou a surtir efeito. No início da cerimônia de bênção do terreno, havia um pequeno grupo de fiéis. Aos poucos, as pessoas começaram a chegar, até não caber mais ninguém sob a tenda montada no espaço. Além disso, muitas pessoas acompanhavam os ritos das janelas dos apartamentos e outras, ao olharem com curiosidade a movimentação na rua, que geralmente é deserta, eram acolhidas por fiéis que diziam com entusiasmo: “Aqui será construída uma nova igreja católica, a nossa igreja”.